Arquivo do mês: novembro 2013
Há 50 anos, no Jardim das Rosas
Na tarde de 22 de novembro de 1963, eu estava no Jardim das Rosas, namorando Eliana Castiglioni. Eu tinha 17 anos, ela 16. Ainda havia roseiras naquele tranquilo jardim cercado de construções emblemáticas: a Casa da Criança, o Hospital São Vicente, a Casa de Saúde Dr. Domingos Anastasio e o grande jardim da mansão de Irma e Hermes Traldi. Os tempos eram outros e sonhávamos com o futuro.
Tudo convidava a viver intensamente. Havia projetos, havia entusiasmo e, sobretudo, havia amor. Aquele amor inocente dos anos sessenta, que não previam a intensidade das desilusões tão próximas. Conversávamos e ríamos. Nos encantávamos, um com o outro. De repente, alguém no bar da esquina gritou: – “Mataram o presidente Kennedy!”. Ficamos abalados. Eliana se emocionou.
Acreditávamos nele e em sua mensagem: “Não indague o que sua Pátria pode fazer por você, mas diga o que você pode fazer por ela!”. Uma notícia como essa não se esquece. São poucas as datas das quais tenho lembrança fiel do antes e do depois. Do momento mesmo em que tive notícias que mudaram a vida do mundo e, nele, também a minha vida. Eliana foi para os Estados Unidos, casou-se, teve três filhas.
Pouco antes de morrer, em 15 de novembro de 1990, procurou-me e mostrou as fotos das filhas. Uma delas se chama Renata. Os órfãos de John Fitzgerald Kennedy foram fotografados e filmados no sepultamento. O pequeno varão batendo continência. Imagem antológica. Morreria ainda moço, a pilotar seu avião. Jackie Kennedy, a charmosa Jacqueline Duvivier, tornou-se a Sra. Aristóteles Onassis.
O homicídio do 35º presidente norteamericano restou envolvido em mistério. Continuo aqui, mais calejado, colecionando perdas, mas recolhendo compensações. Filhos queridos, netos lindos. Tentando fazer justiça, a despeito dos percalços e da miséria da condição humana.
A cada desalento surge algo ou principalmente alguém que me faz recobrar a esperança. Mercê da Providência, ainda sou provido de memória afetiva, que me faz recordar aquela tarde gostosa, no Jardim das Rosas, quando o mundo me prometia tanta coisa que depois não entregou.
JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
Retrocesso catastrófico
Quando a Constituição do Brasil foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, um dos dispositivos mais elogiados em todo o mundo foi o artigo 225. Ele consagra uma efetiva tutela ao Meio Ambiente, a que “todos têm direito”. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
O constituinte impôs ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Havia uma tradição brasileira nessa área. O Brasil participou do Relatório Bruntland, que na década de 1970 elaborou o conceito de sustentabilidade. Resumível na singela frase: “sabendo usar, não vai faltar”. Ou seja: temos de devolver o planeta a quem nos suceder, em condições de plena fruição, para que a posteridade também se valer possa de um patrimônio que nenhum ser humano construiu.
Foi obra da Natureza ou da Providência Divina, conforme se adote a teoria do “big-bang” ou do “design inteligente”. De 1988 para cá, infelizmente, o Brasil retrocedeu. A grife Marina Silva foi defenestrada, na queda de braço com mulher mais forte.
O setor agroindustrial revogou o Código Florestal. Desmanchou-se o Ibama. O desmatamento continuou.
O mar se tornou cada vez mais poluído. De perto e de longe, o que se vê é desolação. Dois exemplos: a rodovia Bandeirantes, quando construída, teria um canteiro central bem amplo, para abrigar milhões de árvores. Barreira verde contra a poluição e o ruído. O que se vê hoje? A Serra do Japi, aos poucos, vai sendo tomada por “empreendimentos” que, ao usarem seu potencial ecológico, não hesitam em destruí-la.
Quem se aproxima por qualquer rodovia percebe os espigões surgindo na área de amortecimento, essencial à preservação da mata. Quem sobrevoa São Paulo verifica o risco premente e crescente de ver destruída uma floresta sem igual em todo o planeta. Nós, perdulários e ignorantes, não estamos sabendo salvá-la. Um dia a História nos julgará. Seremos réus revéis, pois todos estaremos mortos. E quem vier que se arranje…
JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
Segredo ou devassa
Gosto muito de biografias. Conhecer a vida de pessoas que conhecemos de longe é gostoso e é bom. Aprecio também as autobiografias. Não me preocupa a desconfiança de que o autobiografado omita circunstâncias desagradáveis, procure retratar-se como alguém merecedor de admiração. Um pouco de seu DNA estará no texto e permitirá detectar algo a mais de sua personalidade.
No momento em que a nacionalidade volta a debater a questão das biografias não autorizadas, ratifico a minha posição plenamente favorável a que a livre expressão do pensamento prevaleça. O Brasil é um dos países mais retrógrados em termos de proteção do direito autoral. Aqui, só depois de 70 anos da morte do autor é que sua obra cai em domínio público. E em relação às biografias, o artigo 20 do Código Civil tem lido como obstáculo à divulgação da história e da vida de pessoas públicas.
Em minha simplória postura, acredito que uma pessoa que ganhou notoriedade não pode monopolizar as informações a seu respeito, de maneira a interferir na plenitude da liberdade de expressão. Não desconheço a sanha cruel dos detratores, daqueles que pretendem demolir a imagem alheia, avalio o que a inveja e o ressentimento podem fazer para denegrir o outro.
Mesmo assim, a liberdade há de ser assegurada. Assim como o funcionamento eficiente dos esquemas de responsabilização postos à disposição de qualquer prejudicado. Ressarcimento patrimonial é algo mais eficaz do que a proibição de circulação de obras não autorizadas.
Quem se aproveitou dos esquemas de divulgação e de fabricação de celebridades, ainda que o percurso até atingir a glória tenha sido sacrificado e árduo, não pode se esconder e impedir que seus admiradores tomem conhecimento daquilo que pretendem saber a respeito de seus ídolos.
Neste tema, a “queda de braço” entre a privacidade e a transparência parece mostrar que esta prevalece. A sociedade prefere escancarar sua vida íntima, mostrar-se e exibir-se de forma abundante e isso propõe a plena liberdade de divulgação de todo e qualquer fato. Por isso é que a reação dos artistas incomodados com as biografias não autorizadas parece estar em nítida contramão com o rumo da sociedade brasileira.
* JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
Nada de novo no front
Faça o que eu digo
Liquidação total do planeta
Aproveitem os últimos dias! Foi a interessante mensagem de um desses jovens que se manifestou em junho para mostrar sua indignação. E ele não está totalmente errado. As notícias são as mais desoladoras.
Ninguém parece estar preocupado com os lancinantes pedidos de socorro de um planeta esférico, por isso mesmo insuscetível de ser descartado por esta espécie cruel que ainda não tem para onde fugir. Por mais que se caminhe, continuaremos a tatear a superfície da Terra. Superfície que maltratamos, conspurcamos, poluímos, envenenamos como se isso não nos afetasse.
Não há espaço puro sobre o planeta. O desmatamento contínuo e crescente vai produzindo desertos. A emissão de CO2 torna o ar irrespirável. Que o digam os funcionários dos serviços de saúde que atendem crianças e idosos nestes tempos de chuva escassa. Mais ainda, esse gás carbônico produz o efeito estufa e provoca o aquecimento da atmosfera. Rapidamente sobe a temperatura no planeta e derretem as calotas polares. Morrem os ursos e os leões marinhos. Mas em breve morrerá também o homem.
A água é usada sem pudor. Desde as “vassouras hidráulicas” que são vistas a cada manhã em todos os passeios de todas as cidades. As pessoas não usam mais vassouras. Fazem questão de que o jorro d’água leve toda e qualquer sujeira até à sarjeta. Como se a água fosse um recurso infinito.
Os rios não são mais piscosos. Não têm mais vida. O Tietê é um exemplo emblemático. Visitem Pirapora do Bom Jesus, que hoje oferece um lamentável espetáculo: espuma fétida a cobrir toda a água e a flutuar qual veneno aéreo, contaminando todos os espaços.
Vamos continuar a consumir combustível fóssil. “Adoro congestionamento”, dizia há pouco a presidente da estatal que pretende passar a imagem de empresa ecológica. Peçam para ver as distribuições de processos contra ela e avaliem sua responsabilidade social.
Aqui mesmo, vende-se a Serra do Japi como atrativo, enquanto se avança contra a área que deveria ser protegida, sob risco de ela acabar em breve. Pobre, miserável, insensata criatura humana que, por um pouco de dinheiro, não hesita em matar o futuro e a impedir a continuidade de vida neste sofrido Planeta.
* JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.