Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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SOCORRO: MEU EMPREGO SUMIU

            A inovação vai acarretar mudanças profundas no mundo do trabalho. Muitas profissões serão parcial ou inteiramente automatizadas. Dentre elas estão a advocacia, a análise financeira, a medicina, o jornalismo, a contadoria, a função de corretor de seguros, a biblioteconomia.

            Os primeiros sintomas dão conta de que a 4ª Revolução Industrial está criando menos empregos do que as anteriores. De acordo com pesquisas fidedignas, menos de 0,5% da força de trabalho está empregada em empresas que não existiam na virada do século.

            A tecnologia aumenta a produtividade, mas não multiplica as profissões no ritmo desejável. Dois pesquisadores da Oxford Martin School quantificaram o desemprego qualificando 702 profissões e os riscos de sua automação. Chegaram à conclusão de que 47% do emprego total nos EUA correm risco de ceder à automação.

            Outra observação importante: serão criados empregos para funções criativas e de alto preparo ou sofisticação. Desaparecerão aqueles encarregados de funções automáticas e repetitivas.

            Um exemplo de profissões mais propensas a cederem lugar à automação: operadores de telemarketing, responsável por cálculos fiscais, avaliadores de seguros, avaliadores de danos automobilísticos, árbitros e outros profissionais desportivos, secretários jurídicos, hosts e hostesses de restaurantes, lounges e cafés, corretores de imóveis, mão de obra agrícola, secretários e assistentes administrativos, exceto os jurídicos, médicos e CEOS, entregadores e mensageiros. Não se excluem, mas a longo prazo, os motoristas de caminhões e de automotores. O veículo autônomo é uma realidade que só depende de um pouco de investimento a mais para ser disponibilizado comercialmente.

            Dentre as menos propensas a desaparecerem estão as funções de assistentes sociais de abuso de substância e saúde mental, coreógrafos, médicos e cirurgiões, psicólogos, gerentes de recursos humanos, analistas de sistemas de computador, antropólogos e arqueólogos, engenheiros marinhos e arquitetos navais, gerentes de vendas e diretores.

             Tudo aquilo que o computador não conseguir fazer, como cortar cabelo, plantar e cuidar de jardins, acompanhamento e zelo em relação a crianças, deficientes e idosos, também não se mostra suscetível de substituição rápida.

            No mais, o algoritmo é mais rápido e mais produtivo do que o ser humano. Por isso o desafio posto a cada ser humano a vivenciar esta era: reciclar-se, preparar-se, aceitar flexibilização e mudança de rumo e ritmo. Os tempos são outros. Quem não percebe isso pode ser rapidamente descartado. Mas quem se preparar enfrentará o porvir com galhardia e entusiasmo.

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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O BIG BROTHER DA POLÍTICA

            A cena política brasileira lembra os “reality shows” que ainda não caíram de moda, tipo “Big Brother”, “Survivor” e outros. Faço essa associação após a leitura de “A Ética é possível num mundo de consumidores”, de Zygmunt Bauman. Ele diz que “esses programas de TV que seduzem milhões de espectadores como uma tempestade e capturaram de imediato suas imaginações, são ensaios públicos do conceito de descartabilidade dos homens”. Trazem a mensagem embutida de que ninguém é insubstituível, ninguém é indispensável, ninguém será recompensado apenas porque durante um período “fez parte do time”.

            O recado é muito explícito: a vida é um jogo duro para pessoas duras. Cada jogo começa do zero, méritos passados não contam, cada um vale apenas o correspondente aos resultados do último duelo. Cada jogador joga o seu jogo, pode transitoriamente cooperar com um colega para eliminar um terceiro. Nem pense que aquele que foi auxiliado se veja obrigado a agir com reciprocidade.

            À medida que os mais fracos vão sendo eliminados, a competição fica mais árdua. Todos são obrigados a usar astúcia, estratégias ardilosas e postura ambígua para tirar do páreo quem quer que os atrapalhe. Extraia-se do colega toda a utilidade, até à última gota. E depois o deixe para trás. Sem piedade.

            Desconfie de todos. São competidores. Estão sempre tramando, cavando buracos, armando armadilhas, puxando tapetes e maquinando para que o adversário tropece e caia.

            Vale tudo nessa arena. “Os recursos que ajudam os vencedores a sobreviver a seus competidores e a emergir vitoriosos da violenta batalha são de muitos tipos, oscilando da descarada autoafirmação até a dócil autossupressão. Qualquer que seja o estratagema mobilizado, porém, sejam quais forem os recursos dos sobreviventes, as susceptibilidades e deficiências do derrotado, a história da sobrevivência está fadada a se desenrolar de um modo monótono: no jogo da sobrevivência, a confiança, a compaixão e a misericórdia são opções suicidas”.

            Se você não for mais duro, mais cruel, menos sensível e menos escrupuloso do que todos os outros, eles acabarão com você, com ou sem remorsos. É o retorno à sombria verdade do mundo darwinista: é o mais bem-adaptado que invariavelmente sobrevive. Ou melhor: sobreviver por mais tempo do que os outros é a prova definitiva de adaptação.

            Se nossa mocidade ainda procurasse ler os clássicos, talvez dessem razão ao exilado russo e professor da Sorbonne, Leon Shestov, que tinha uma visão nada otimista do convívio humano: “O homem lobo do homem” é uma das máximas mais firmes da moralidade eterna. Em cada um de nossos próximos tememos um lobo. Somos tão pobres, tão fracos, tão facilmente arruinados e destruídos! Como podemos evitar o medo? Enxergamos perigo, apenas perigo”.

            Volto a Zygmunt Bauman que recomenda: “Ao encontrar um estranho, primeiro você precisa ter cautela; depois, cautela; e, em terceiro lugar, cautela”. O pior é que você pensa estar entre semelhantes e, depois de certo tempo, vai descobrir que esse “amigo” não passa de um estranho!

            Estranho mesmo é o mundo da política partidária. Será assim em todo o planeta?

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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VASO SANITÁRIO NÃO É LIXEIRA

            O saneamento básico no Brasil é outra promessa descumprida. Grande investimento, longo prazo, não interessa para quem só pensa em eleição. Estamos atrasados em relação ao restante do planeta. É uma degradação lastimável. Quarto ou quinto mundo. Sem qualquer pretensão a chegar ao ranking da preocupação que não é apenas ecológica. É com a saúde, com a qualidade de vida, com a dignidade da pessoa humana, propalado supraprincípio fundante da Carta Cidadã.

            Um exemplo é o lançamento de esgoto in natura no mar e nos rios. Os emissários eram uma grande saída há cinquenta anos. Hoje estão defasados. No Rio de Janeiro, em 300 km de costa, só há dois emissários: Ipanema e Barra da Tijuca. Segundo os especialistas, deveria existir um emissário a cada dez quilômetros.

            O pior é que o esgoto arremessado ao mar lança também resíduos de lixo que os usuários lançam nas latrinas, como se estas fossem latas de lixo. Infinito o rol de objetos jogados às privadas: cotonetes, modess, camisinhas, calcinhas, embalagens as mais diversas. As grades que retêm as coisas maiores não conseguem segurar tudo aquilo que vai parar no mar e forma um tapete de sujeira.

            Incrível como em pleno século 21, as pessoas não tenham educação e continuem a se servir dos vasos sanitários para descartar tudo aquilo que deveria ter um endereçamento diferente. Com isso, as águas das praias vão se tornando impróprias para o banho. A balneabilidade é sofrível. Com riscos enormes para a saúde de banhistas e de todas as pessoas que frequentam o litoral.

            Como pretender que nossa costa litorânea chame pessoas do Primeiro Mundo se o que temos a oferecer é sujeira, violência, falta de educação, miséria e feiúra?

            Povo mal educado não sabe votar, não sabe cobrar, não sabe fiscalizar e não sabe que poderia mudar a realidade se resolvesse assumir responsabilidades e agir como cidadão, tomar conta do ambiente e do Brasil, que está à deriva.

            Mesmo que você não queira participar desse processo de faxina no seu país, ao menos comece por não fazer de seu vaso sanitário uma lixeira. Ele existe para recolher urina e fezes, não lixo e tudo aquilo de que você se livra, na sociedade burra que torna tudo descartável. Até as pessoas!

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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NUVEM DE TALENTOS

            O maior capital de uma pessoa neste século é o seu talento. Habilidade para exercer várias atividades, ainda que não vinculadas à sua formação. Vontade de mudar de ramo, se for necessário. Criatividade para inventar soluções e para experimentar o que nunca se fez, ao contrário da mesmice do “sempre foi assim”.

            A era do “emprego fixo”, da estabilidade, do mesmo lugar de trabalho desde o início da idade adulta até o fim da vida já passou. O mundo hoje é outro. Hoje o empregador prefere se servir da “nuvem humana”, um gigantesco acervo de especialidades disponibilizadas na “cloud”, para que os que necessitam desses préstimos possam recrutar os quadros faltantes, à medida em que a contratação se mostrar conveniente.

            Os potenciais trabalhadores poderão estar em qualquer parte do mundo. Até porque, o trabalho à distância, o “teletrabalho” ou o “home work” constituem uma realidade. O trânsito é um grande estímulo a que as pessoas procurem oferecer suas habilidades independentemente de ocuparem o mesmo e único espaço físico reservado ao trabalho.

            É  uma nova economia sob demanda. Os prestadores de serviço não são empregados, no sentido mais clássico, mas são trabalhadores autônomos, especialistas em tarefas específicas. Cada pessoa pode se encarregar de vários misteres ao mesmo tempo. Com isso, além da variedade de lugares e de pessoas, conseguirão remuneração muito mais atrativa do que na permanência em um só posto de trabalho.

            É a hora em que o trabalhador trabalhará quando quiser, com quem quiser e como quiser. É uma fórmula de trabalho flexível, que poderá surtir os melhores efeitos se bem equacionada. Em realidade, a “nuvem” será um enorme repositório de dados em relação a múltiplas hipóteses de trabalho, como se fora um conjunto de Plataformas Lattes, com todos os dados essenciais a respeito das capacidades daqueles que forneceram informações e estão interessados em prestar serviços a uma difusa rede de empregadores.

            O intuito é empoderar o prestador de serviços, não reduzi-lo a um subalterno sem condições de discutir as condições e cláusulas de seu contrato de trabalho. Convertê-lo num regente da própria existência, nunca  uma peça descartável a serviço da iniciativa privada. Para essa “nuvem de talentos”, nem o céu será limite, na busca de um relacionamento patrão/empregado que preserve a dignidade de ambos e funcione como estímulo na construção de novas fórmulas de realização de objetivos a partir do trabalho.

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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O PARADOXO DA INSEGURANÇA

            A cidade nasceu para garantir segurança ao seu morador. A solidão do campo, a longa distância até o vizinho, o isolamento, a ilusão de que “juntos seremos mais fortes” levou o indivíduo a se agregar. Em seguida, cercar a povoação com muralhas, cada vez mais fortes, antecedidas de fossos. Com portas levadiças que poderiam ser levantadas rapidamente, para impedir o ingresso de estranhos.

            O burgo passou a ser sinônimo de tranquilidade. O senhor feudal garantia a ordem dentro das muralhas e contava com a lealdade dos súditos, que ofereciam braços e talento para o cultivo da terra e para a defesa da cidadela quando necessário.

            Mas o sonho acabou e virou pesadelo. Se a proteção contra os perigos foi um dos principais incentivos para se construírem cidades cujos limites eram definidos por muralhas, hoje não é mais assim. Os muros, os fossos e as pontes levadiças marcavam o limite entre “nós” e “eles”, ordem e selvageria, guerra e paz. O inimigo era deixado do lado de fora e sem permissão para entrar.

            Hoje a cidade passou a estar mais associada ao perigo do que à segurança. Arremedos de cidadelas se erguem nos condomínios cercados. É uma curiosa inversão do papel histórico e um desafio às intenções originais dos construtores de cidades e às expectativas dos moradores. A cidade é hoje fonte principal de periculosidade. Chega-se a sugerir que a milenar relação entre civilização e barbárie se inverteu. A vida urbana converteu-se num estado de natureza caracterizado pelo reinado do terror, acompanhado por um medo onipresente.

            As fontes de perigo residem na cidade. Os estranhos nos ameaçam. Tem-se medo de todos. Não há um sentimento de segurança. Balas perdidas, sequestros relâmpagos. Assaltos. Brigas no trânsito. Empurrões. Olhares de ressentimento, ira e ódio.

            É dentro da cidade que está o campo de batalha. A presença dos ocupantes dos espaços públicos é um fator de recrudescimento do medo. Não se distingue o miserável do “nóia”, do malfeitor, do hipossuficiente, do doente mental, do desassistido pela sorte.

            Ninguém mais acredita que o refúgio nas casamatas e nos bunkers, os sistemas sofisticados importados de Nações que convivem com o terrorismo, os carros blindados, sejam suficientes para nos poupar da violência. O estado de emergência e de vigilância contínua, o receio de todos contra todos, é o que mais se evidencia em nossas cidades.

            Os guetos se destacam e o convívio da mais exuberante riqueza contígua à mais repugnante miséria é uma questão de alguns metros. Como se a segurança privada contratada para os condomínios luxuosos fosse garantia de que pudéssemos superar aquilo que se tornou nítida certeza nos últimos anos: cresceu o medo, proporcionalmente ao crescimento da exclusão, da miséria e da desigualdade.

            O que estamos fazendo para corrigir essa cruel distorção de um estágio civilizatório que prometia edificar uma Pátria justa, fraterna e solidária?

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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QUEM NÃO ESTÁ SUJEITO?

            O Brasil contemporâneo anda muito estranho. Aquela benevolência natural entre as pessoas parece ter desaparecido. Um desconforto, uma sensação de insegurança, um ressentimento contra “não sei quem ou não sei o que”, tudo parece conspirar e produzir um clima de geral estranhamento.

            Nem sempre foi assim. Será que tivemos épocas mais tranquilas? Naquele tempo em que se podia acreditar na palavra empenhada e valia o “fio do bigode”?

            Nunca se prodigalizou tanto o ensino do Direito. Vivemos na República em que existem mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as outras em funcionamento no restante do Planeta. Seria o ambiente propício para a convivência polida, civilizada, harmônica e fraterna. Foi o que o constituinte prometeu à Nação em 5.10.1988. Nossa Constituição Cidadã completará trinta anos logo mais. Está balzaquiana, mas não produziu a “Grande Família”, exemplo de gente bem resolvida. Afinal, -nos unidos, enquanto as colônias espanholas se pulverizaram. Todos falamos a mesma língua. É um fator de comunhão extremamente forte.

            O que foi que aconteceu com o Brasil? Por que não se aceita que alguém pense diferente? Por que o preconceito não desaparece? Por que a maledicência continua a crescer? A ciência jurídica propaga a presunção de boa-fé, mas o que predomina – de verdade – é a presunção de má-fé. Prefere-se acreditar que as condutas sejam premeditadas e tenham finalidade moralmente discutível. É muito raro acreditar-se na inocência de quem quer que seja.

            Ocorre que essa é uma peculiaridade típica do brasileiro. Relendo a correspondência entre Mário de Andrade e Câmara Cascudo, tomo conhecimento de que o nosso grande autor de “Macunaíma” sonhava em ter uma casinha em Natal. Comprou o terreno. De repente, surge construída uma choupana, espécie de chalezinho coberto de sapé. Era um presente de admiradores capixabas, honrados porque o já então famoso poeta, musicista, folclorista, romancista, homem da cultura e de mil instrumentos, queria um pedacinho de chão no Rio Grande do Norte.

            Lá pelas tantas, fica-se sabendo que alguém se aproveitara disso e havia dinheiro de origem discutível que teria sido empregado na tosca edificação. Resultado: Mário de Andrade não quis mais o imóvel. Perdeu o dinheiro, mas não perdeu a moral.

            Não é difícil o envolvimento de inocentes em estórias mal contadas, geradoras de problemas, dos quais sempre ficam máculas. Situações sempre sujeitas à “prova diabólica”: provar fato negativo. É um sacrifício insano e só quem passou por isso pode avaliar a tristeza que dá.

            Que isso nos ensine a recuperarmos o mínimo de benevolência para conceder o benefício da dúvida a quem está sendo acusado sem que o contexto probatório seja vistoso, escancarado, indiscutível e absoluto.

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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O INCRÍVEL ESCRITOR ROBÔ

            Embora seja claro que subsistirão as carreiras criativas, providas por pessoas empreendedoras e flexíveis, aptas a compreender o semelhante e, portanto, o mundo, a 4ª Revolução Industrial nos reserva muitas surpresas.

            Algo que parece impossível é a substituição do escritor pelo robô. Já existe uma automação de narrativa muito eficiente. Para Klaus Schwab, que criou o Fórum Econômico Mundial, “algoritmos sofisticados podem criar narrativas em qualquer estilo apropriado para um público específico. O conteúdo soa tão humano que um teste recente, efetuado pelo jornal The New York times mostrou que, ao ler duas peças semelhantes, é impossível dizer qual delas foi criada por um autor humano e qual foi produzida por um robô”.

            É tão veloz e surpreendente essa tecnologia, que Kristian Hammond, cofundador da Ciência da Narrativa, empresa especializada em geração automatizada de narrativas, prevê que, ainda na década de 2020, 90% das notícias poderão ser geradas por um algoritmo, a maior parte delas sem qualquer intervenção humana, ressalvada a criação do algoritmo.

            Durante o Fórum Econômico Mundial, solicitou-se que os diretores de RH dos maiores empregadores atuais em dez indústrias e quinze países imaginassem o impacto ao emprego, trabalho e competências até 2020. Concluíram que a demanda recairá muito mais sobre as habilidades de resolução de problemas complexos, competências sócio-emocionais e de sistemas e menos sobre as habilidades físicas ou competências técnicas específicas.

            Esse recado precisa surtir efeito na cabeça de todas as pessoas. Tudo aquilo que o ser humano fazia como senhor absoluto da criação, hoje pode ser realizado por máquinas. A Inteligência Artificial é uma realidade presente, não é mais ficção científica. As criaturas têm de se convencer de que é impossível permanecer parado, enquanto o mundo muda e nós mudamos com ele.

            Não haverá lugar para a “decoreba” na escola, nem como parcela exigível nos concursos para ingresso em carreiras ainda ambicionadas. O talento é requisitado para revisitar funções que não podem prescindir de humanidade e encontrar atividades prazerosas, gratificantes e rentáveis é o desafio posto para todos os que pretendam viver melhor nos próximos anos.

            Quanto àquele romance que você escreveria, saiba que o algoritmo poderá fazê-lo mais rapidamente e com êxito maior do que se você mesmo o elaborasse. É o mundo novo, que chega para o homem velho.

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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VENDIDO PELO PAI

            A História de Luiz Gama é um hino de louvor à bondade natural do ser humano. Testemunho eloquente de quem atinge a observância do mandamento evangélico do “amai-vos uns aos outros” e de quem consegue responder com gesto generoso à vida que o maltratou.

            Nasceu na Bahia, filho de uma africana livre, da nação nagô, chamada Luiza Mahin. Era belíssima, personalidade forte e temperamento agressivo. Em 1837, por haver participado da Sabinada, uma revolução que o Império não tolerou, foi presa e enviada para o Rio.

            A essa altura, Luiz Gama tinha sete anos e, como é óbvio, adorava a mãe. O pai era um português branco, de origem nobre. Comparecia de forma intermitente ao lar da mãe solteira e até chegava a agradar o filho bastardo.

            Folgazão, doidivanas, vivia em casas de tavolagem e frequentava orgias. Herdou fortuna de uma tia em 1836 e, esbanjador, em 1840 estava sem vintém.

            No domingo, 10 de novembro de 1840, vai buscar o filho na casa de uma senhora que se incumbira de cuidar dele enquanto a mãe permanecia encarcerada no Rio. Recomenda que esteja bem vestido, pois vai ser levado a passeio.

            Todo engomado, gorrinho novo, Luiz Gama segura a mão do pai, com toda confiança, e vai contente rumo ao cais. Tomam um barco a remo e se dirige até o navio “Saraiva”, ancorado na Baía de Todos os Santos.

            A embarcação estava carregada de escravos que seriam levados ao Rio e São Paulo, para trabalhar nas lavouras de café. O menino se distrai, conversando com os tripulantes e vê quando o pai parte, sorrateiramente. Quando vê que ele embarca no mesmo barquinho que os trouxera, percebe então que havia sido vendido. Grita: “Papai, o senhor me vendeu!?”.

            Em 1847, com 17 anos e ainda escravo, está em São Paulo e um estudante das Arcadas, Antonio Rodrigues de Araújo, que será juiz, o alfabetiza. Em 1848, Luiz Gama consegue provar que nasceu livre e deixa de ser escravo. Passa toda a sua vida a libertar os considerados “semoventes”, propriedade de seus senhores. Consegue a liberdade para mais de 500 infelizes. Merece habitar a consciência de brasileiros que, muita vez, se olvidam de que já vivemos dias melhores nesta Terra de Santa Cruz, hoje, paradoxalmente, a vivenciar o seu Calvário.

JOSÉ RENATO NALINI é desembargador, reitor da Uniregistral, escritor, palestrante e conferencista

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NÃO HÁ MAIS TEMPO

            Durante algum tempo acreditei que a questão ambiental poderia ser amenizada se formássemos novas gerações eticamente conscientes de que a vida depende de nosso comportamento. Vejo hoje, com tristeza, de que não há mais tempo. A Terra não teve como sensibilizar a cruel espécie humana, senão reagindo aos maus tratos.

            Todas as notícias dão conta da exaustão do planeta. O aquecimento global derrete as geleiras, provoca chuva ácida, desertifica áreas férteis, inunda e causa mortes. E continuamos como sempre fomos. Achando que isso não é conosco.

            Mas é conosco, sim! No mundo micro e no macro, não há inocentes em relação ao decreto de morte que a humanidade lançou sobre a Terra. Nas coisas mais triviais, como o uso de canudinhos, de cotonetes, de produtos de limpeza que vão envenenar nossos rios, na produção desmesurada de resíduos sólidos que demoram séculos para serem absorvidos pela pobre Terra. No mundo macro, quando deixamos revogar o Código Florestal, continuamos a usar herbicidas, aceitamos aquilo que o chamado “mundo civilizado” descarta mas que nós, miseráveis, aceitamos como contribuição ao nosso desenvolvimento.

            Não nos mobilizamos para exigir que o infrator ambiental seja punido. Que suas multas sejam efetivamente recolhidas. Que as compensações sejam levadas a efeito. Não impomos ao Parlamento a elaboração de normas eficientes de logística reversa, para que não proliferem os “desmanches”, “ferros-velhos” e “lixões”, atestado exuberante de nossa ignorância.

            Deixamos desmatar, aumentar a poluição em todos os níveis. Não há mais água pura, nem solo saudável, nem atmosfera respirável. Com isso agravamos o já combalido sistema de saúde. E quem não respeita a natureza também não é um perito em respeitar a dignidade do semelhante. Por isso convivemos com níveis insuportáveis de violência, de homicídio, de mortes no trânsito e de disseminação de um clima de guerra de todos contra todos.

            Tendemos a fazer a “cultura do repasse”. Tudo é culpa do governo. Esquecemo-nos de que governo está lá porque nós o elegemos. Ele nos representa. Merecemos o que estamos vivenciando. E, se não aprendermos na dor e no sofrimento, o fim dessa aventura humana sobre este ínfimo e minúsculo Planeta está mais próximo do que se imagina.

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