Ainda há quem se iluda com o aplauso infinito dos coetâneos. A era do efêmero e do descarte não conseguiu extinguir da face da Terra os ingênuos que acreditam no reconhecimento de seus méritos. A estes incautos, recomendaria o mergulho no passado, para constatar como terminaram seus dias celebridades louvadas durante certo período de suas existências.
Nem é preciso permanecer na esfera pública. Este covil de interesses imediatos não seria o melhor exemplo, pois sobrevive do culto ao cargo e ao poder. A genuflexão se faz à função, não à pessoa. É a velha estória, tão verdadeira, do “burro carregado de relíquias”. Mal termina a procissão, retirado o aparato que expunha o valoroso adereço e ele volta à crueza da estrebaria.
Seria diferente no ambiente universitário, no espaço da cultura e das artes? Aqui, cenário mais refinado, o comportamento seria mais sofisticado?
É prudente a releitura de “Reflexões sobre a vaidade dos homens”, de Matias Aires, que veio a lume em 1752 e continua tão atual. Assim como a lição evangélica de que “tudo é vaidade”. Nos ambientes reputados de alta intelectualidade, a vaidade sobrepaira até com desenvoltura maior.
Há milhares de relatos que serviriam para alertar as novas gerações, não fossem elas tão distraídas em seu egocentrismo, ao menos a maior parte delas. Citem-se apenas alguns. Coelho Neto (1864-1934) brilhou durante algumas décadas. Foi considerado o escritor mais lido do Brasil. Prolífico, escreveu inúmeras obras e em 1928 foi eleito o “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”. Em 1932, a Academia Brasileira de Letras, por unanimidade, o indicou para o Prêmio Nobel de Literatura.
Escreveu 102 livros, 580 contos e novelas. Não chegou a ter casa própria. Sempre pagou aluguel. A quem mostrava surpresa, lembrava do jazigo da família, onde já repousavam os restos mortais de seu filho Mano: “Casa própria tenho-a no cemitério: a que foi doada a meu filho. Não sou tão pobre assim: tenho pelo menos onde cair morto!”.
Seus anos finais o combaliram. Os modernistas lhe negavam qualquer mérito. Permanecia sozinho, à janela de sua casa, a fumar. Humberto de Campos, seu amigo, comentou: “Coitado! Foi tudo o que ele conquistou em cinquenta e tantos anos de trabalho mental escrevendo mais de cem volumes: o direito de ficar sozinho, abandonado, fumando!”.
Silvio Romero (1851-1914), cultor de inúmeros ofícios, casado três vezes, mais de vinte filhos, já gravemente enfermo, sintetizou para Arthur Guimarães o que fora sua vida: “Passei pela política, sem nunca ter feito política; passei pelo jornalismo, sem nunca ter feito jornal; passei pelas letras, sem nunca ter vivido delas; formei-me em direito e nunca advoguei. Reputo isto um bem, conquanto tivesse sido um mal: um bem, pela autonomia de pensar e pela relativa independência econômica, que a minha enxada de professor sempre me assegurou; um mal, porque sem jornal, politicagem e advocacia não se tem força nesta terra, e viver de livros seria condenar a família a morrer de fome”.
Continuam a morrer de fome os que pretendam viver das letras. Apregoa-se tanto o valor dos direitos autorais, normatiza-se em abundância. Não faltam leis em defesa de quem escreve. Mas como são remunerados os escritores?
A situação das livrarias, das editoras e das bibliotecas é um testemunho eloquente do país que não lê. Que não ensina a criança a ler. Que não enxerga a leitura como prazer, mas a considera um castigo.
O escritor brasileiro pode ter motivos para se considerar glorificado, numa terra em que o analfabetismo em sentido estrito compete com o analfabetismo funcional?
_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.