Os americanos são pródigos em realizar programas que exploram o exotismo e nós, culturalmente colonos, os copiamos. Assim os múltiplos reality shows que caíram no gosto do telespectador primário e propiciam alta lucratividade a quem os mantém e reitera em sucessivas versões. Assisti a alguns programas em que profissionais ajudam pessoas mentalmente enfermas. Como explicar juntem lixo e tralha a ponto de impedir sua locomoção pela casa e de inibir a visita de familiares e amigos?
Minha compulsão por guardar papéis talvez me leve a necessitar desses préstimos, quando eles se tornarem mais comuns no Brasil. Separo uma quantidade enorme de jornais, com a esperança de lê-los vagarosamente e deles extrair artigos, ideias para palestras, ilustração para aulas. Eles crescem em pilhas e nunca tenho o tempo disponível para me desfazer, pois isso pressupõe efetiva consulta.
Sempre prometida, sempre adiada. Identifico-me, às vezes, com o personagem Langley, do livro Homer & Langley, de E.L.Doctorow, tradução de Ro berto Muggiati, Editora Record. A inspiração é um fato real: dois irmãos viviam sozinhos em mansão de 4 andares na 5ª Avenida, atulhada de pilhas de jornais, máquinas de escrever, pianos, quadros, carrinhos de bebê e até um Ford bigode instalado no meio da sala. Langley guardava todos os jornais para que pudesse, um dia, sintetizar a história humana em edição especial, um jornal único para todos os tempos.
Minha única esperança é a de que um dia me sacuda um átimo de lucidez e eu mesmo, sem a necessidade de intervenção, dê fim a tudo aquilo de que não consigo me desfazer. Não são só jornais. São revistas, cartas, cartões, mensagens, convites, lembranças de uma vida que se entremostrava tão longa, mas que se encaminha aceleradamente para o seu final. Conforta-me a consciência que ainda não perdi, de não deixar mais trabalho aos filhos e netos, do que me acomodar para a viagem da qual não se volta. Seria triste que, além desse inconveniente, ainda legasse um volume incrível de bugigangas, badulaques e objetos que só têm sentido para este pobre e triste coração.
José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.