Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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JUÍZES DOS INFERNOS

Sossegai! Não estou falando de minha opção profissional por mais de quarenta anos! Nem estou a detonar colegas. Só estou a considerar a dificuldade de um biógrafo, quando pretende reproduzir uma vida de alguém que já se foi. O biógrafo historiador é considerado um “juiz dos infernos”, porque pode fazer o que quiser com uma vida de quem o não  desmentirá. Porque está morto. Incapaz de reagir.

O biógrafo pode inventar, pode invectivar, pode usar de ressentimento, ou de idiossincrasia, traçar o perfil que queira. Nem todos são assim, ainda bem. Talvez a maioria dos biógrafos seja também um hagiógrafo. Especialista em escrever vidas de santos. Isso acontece quando se é contratado para retratar alguém. Quem paga tem o direito de esperar que a biografia seja favorável e não destrua a imagem do biografado.

As biografias constituem minha leitura favorita. Até as autobiografias, em que a própria pessoa se encarrega de escrever suas memórias. A série de livros de Pedro Nava é imbatível. Também me impressionou a história de Joaquim Nabuco, escrita por sua filha Carolina. E os relatos pessoais de Norberto Bobbio, de Umberto Ecco, os “Cadernos de Lanzarote” de Saramago e, especialmente, “Minha jornada solitária pelo século”, de Roger Garaudy.

Quem quer ler coisa boa não pode perder “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar, “Invenção e Memória”, de Lygia Fagundes Telles, as memorialísticas do insuperável Paulo Bomfim, as “Cool Memories” de Jean Baudrillard. Aliás, praticamente todos os bons escritores fazem um mix de ficção e de autobiografia em suas obras. Miguel Reale, Edgar Morin, Zygmunt Baumann, todos eles nos fornecem traços emblemáticos de suas instigantes personalidades.

Li com interesse a vida de Maurício de Sousa, assim como o livro de Rita Lee, os dois volumes do querido Jô Soares, o depoimento do Lobão, a biografia de Leonardo da Vinci, aquela de Roberto Civita, de Alencar Burti,  entre tantas outras que chego até a reler. De todos hauri lições para a minha própria modesta existência.

Pretendo ler “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco”, de Luis Cláudio Vilafañe e “Karl Marx e o Nascimento da Sociedade Moderna”, de Michael Heinrich, objeto de uma resenha de Marcelo Godoy, que me motivou a fazer esta reflexão. O resenhista se convence de que Marx não será posto em pedestal, tampouco condenado. Heinrich não será um dos “juízes dos infernos”, pois Marx não é exatamente o responsável pelos crimes de Stalin, nem o profeta da emancipação humana.

Por sinal que nessa resenha encontro motivação para ler a vida de São Luís, do genial Jacques Le Goff e o ensaio “A Ilusão Biográfica”, de Pierre Bourdieu. Para ele, “tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um sujeito, cuja constância não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto do metrô sem levar em conta a estrutura da rede”.

Em síntese, quem se propõe a biografar não é senão um daqueles cegos solicitados a descrever um elefante. A partir da aproximação de seu tato com uma das partes do animal, provirá um relato. Isso vale para a autobiografia. Quem é que consegue se autorretratar com fidelidade?

_José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Uninove, autor de “Pronto Para Partir?” e Presidente da Academia Paulista de Letras.

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“EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA”

Queridos amigos:

Fiquei muito feliz ao rever pessoas que estimo e respeito, no lançamento do livro “Educação: uma questão de Justiça”, na última segunda-feira, na FIESP.
Agradeço especialmente à fidalguia de PAULO SKAF, que mobilizou toda a sua fabulosa equipe para uma noite muito agradável.
A todos os que se empenharam para que o evento fosse exitoso, minha gratidão e reconhecimento.
Aqueles que se interessarem por saber como foi a minha experiência nos 26 meses em que estive à frente da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, o testemunho pode se encontrado na Livraria do SESI, à Avenida Paulista 1313-térreo ou, em breve, na plataforma da AMAZON.

Boa leitura e aguardo críticas! Afinal, a educação é responsabilidade de TODOS!

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Créditos: Karim Kahn/Fiesp


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DÊ SENTIDO À CAMINHADA

Um dos temas que absorvem a mente das pessoas lúcidas e sensíveis, neste século 21 que começou tão turbulento, é a falta de sentido existencial. Quebrados todos os paradigmas, relativizados todos os valores, a falência da Democracia Representativa pouco deixou ao ser humano para continuar a acreditar na Humanidade.

O resultado é a legião de zumbis que não sabe o que fazer, que não vê futuro nem perspectivas, que não se interessa por nada. Alvo fácil da droga, das sensações mais primárias e instintivas e destinada a morrer jovem.

Enquanto isso, há exemplares eloquentes de gente que assumiu o seu destino e deu sentido a ele. Com isso, ajudou o mundo a ficar melhor.

Um grupo dessas pessoas foi indicada pela revista Nature, como aquelas que marcaram o meio científico em 2018. Como estímulo aos nossos moços que engrossam a geração “nem-nem-nem” (nem estudam, nem trabalham e não estão nem aí…) começo por mencionar Yuan Cao. Tem 21 anos e elaborou dois artigos científicos sobre o comportamento atípico do grafeno. Este material é composto por finas camadas atômicas de carbono e é considerado promissor para a 4ª Revolução Industrial. Aos 18 anos, Yuan Cao já estava formado pela Universidade de Ciências e Tecnologia da China e continuou os Estudos no MIT, o famoso Instituto de Tecnologia de Massachusetts. É ele um dos dez cientistas que mais chamaram a atenção do mundo em 2018.

Desde 2014, pesquisa no laboratório Pablo Jarillo-Herrero do MIT, onde os estudos sobre a mudança do comportamento do grafeno sob determinadas condições já aconteciam. Mas ele testou um experimento original. Expôs o grafeno a uma pequena corrente elétrica e congelou o material a 1,7º acima do zero absoluto. Nesse ambiente, o grafeno, que é normalmente condutor de eletricidade, tornou-se um isolador.

O jovem cientista demonstrou que, com um pequeno ajuste no campo, as finas camadas de carbono sofreram outra metamorfose. Viraram supercondutoras, com a eletricidade a fluir sem qualquer resistência. É um campo importantíssimo para a física. Acredita-se que o grafeno tenha potencial revolucionário para a eletrônica. Aqui em São Paulo, o Mackenzie, com o aporte da FAPESP, já há alguns anos explora o elemento.

Garanto que há alguns brasileiros que, incentivados, fariam da ciência a sua opção de vida. Já temos excesso de profissionais que nada criam, mas que apenas fomentam a discórdia, a dissídia, impulsionam a beligerância. Quanto bem faria ao Brasil se incentivássemos o estudo de ciências duras e mostrássemos aos jovens que a tecnologia é que está a conduzir o mundo? Quanto às ciências humanas, elas têm mergulhado na mediocridade e se repetido sem qualquer inovação ou criatividade. Isso explica porque o Brasil está assim. Na rabeira do mundo.

Não faça parte desse contingente de medíocres. Dê sentido à sua caminhada. Estude matemática, física, química, biologia e as demais ciências exatas. É disso que o seu país precisa.

_José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da UNINOVE, conferencista e parecerista e Presidente da Academia Paulista de Letras.

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POR QUE ESCREVER SOBRE ELA?

Não esperava perder minha mãe naquele dia.

Estive na segunda-feira, como sempre fazia, a almoçar com ela. Achei-a quieta, mas não atribuí grande importância. Na terça, não passou bem. Na quarta, idem. À noite, minha irmã Jane me disse que tudo estava sob controle. Por precaução, minha cunhada Sônia, viúva de meu irmão João René, dormiria com ela.

Na quinta pela manhã, minha irmã Raquel me telefona. Venha que a mamãe não está bem. Não entendi. Não captei a mensagem. Fui para Jundiaí pronto a censurá-la – carinhosamente – por não se cuidar mais. Encontrei-a morta.

Enquanto chorava abraçado ao seu corpo ainda quente, brigava com ela: – Por que? Por que agora? Afinal, menos de um mês depois, casar-se-ia meu primogênito, João Baptista, com Maria Eugênia, filha de meus amigos de sempre, Zélia Maria Storani e Antonio Latorre de Oliveira Lima.

Não esperou, contudo. Deixou-me aquele imenso vazio, como sempre algum remorso, pois nunca me entreguei aos seus carinhos e nunca fui terno como ela gostaria. Confesso-me um pouco seco e desajeitado para demonstrar afetividade.

Senti o que é orfandade. Fiquei perdido. O único lenitivo foi escrever sobre ela. Foi tentar resgatar aquelas estórias que ela contava com tamanha insistência e que reiterava, sob meus protestos. Quanta vez não a interrompi a dizer: – Você já contou isso!” E ela, sem se zangar: – “Se você fosse bom filho, ouviria todas as vezes, sem me lembrar disso!”.

Agora, nunca mais ouviria as reminiscências de infância. As vicissitudes sofridas. A insistência com que falava sobre a morte. A gente chega a pensar que quem aceita a morte com naturalidade nunca a enfrentará. Não é assim.

Escrevi num fôlego, sem atentar para qualquer ordem, sem pensar duas vezes. Deixei que os sentimentos falassem por mim. Acreditei que no futuro, algum bisneto, algum trineto, quisesse conhecer alguma coisa a respeito do passado da família. Sem ela, a memória viva, tudo desapareceria.

Não expungi aspectos que poderiam ser mal interpretados. A vida não é seqüência de cenários róseos e aureolados de fantasia. Ao contrário, é vale de lágrimas. Por que omitir sensações que, para ela, eram verdade?

Sei do risco de se escrever sobre alguém tão íntimo e tão querido. Não existe a menor possibilidade de uma postura neutral. Também não desconheço a receptividade de tais obras junto a críticos profissionais ou amadores. Só que não escrevi para eles. Escrevi primeiro para mim. Depois, para os familiares que tiverem interesse em guardar alguns aspectos de sua memória.

Fortaleci-me na certeza de que vidas aparentemente desprovidas de façanhas enormes e de feitos retumbantes também constituem continente de lições imorredouras.

Não houve dia, depois de sua partida, em que não lamentei sua ausência. Paradoxalmente, ela está cada dia mais presente em minha vida. Ouço-a a recomendar ação e abstenção. Era impossível deixar de opinar sobre todos os assuntos. Com ela não havia o “politicamente correto”. Aprendi a ouvi-la, nem sempre a segui-la. Mas a amá-la sem condições.

Pretendo continuar assim.

_ José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2019/2020.

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O SUICÍDIO É INEVITÁVEL?

O suicídio é a segunda maior causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos de idade, segundo a Organização Mundial da Saúde. É um flagelo que sempre assustou a humanidade, mas que está crescendo, infelizmente, diante de várias causas. A fragmentação da família, a irrelevância da religião e a falta de perspectiva ou sentido de vida.

Os jovens têm razão de estar desalentados diante da situação global. Crescem os males, extermina-se o futuro. Violência, desemprego, exclusão, insensibilidade, os sem caráter vencendo, os bons menosprezados.

Tirar a própria vida continua a ser um enigma, embora exista quem legitime a prática, pois ao ser humano seria vedado prejudicar ao próximo, não a si mesmo. Não pactuo dessa concepção. Fico sempre muito angustiado quando alguém próximo pratica o suicídio. Paira no entorno uma dor imensa, acompanhada de remorso. Eu poderia ter evitado esse gesto que a maioria considera tresloucado?

O Facebook passou a realizar um trabalho de prevenção ao suicídio que está sendo bastante comentado. A partir de algoritmos que vasculham posts, comentários e vídeos, detecta-se a potencialidade de alguém estar prestes a tirar sua vida. É acionado um serviço de emergência que localiza o emitente de tais sinais. Com isso, diz o presidente Zuckerberg, foram evitados cerca de 3.500 casos de possíveis suicídios.

Louvável a iniciativa, de onde provêm as críticas?

O primeiro argumento é o desrespeito à privacidade. Não considero difícil repeli-lo. Entre privacidade e vida, o que deve prevalecer? Se consigo salvar uma vida, mais um pontapé na privacidade – que já é tão espancada em nossos dias – não faz diferença.

A segunda questão diz respeito aos métodos utilizados pelo Face. Ele não divulga como chega a considerar o caso como suscetível de gerar uma intervenção externa. Também não considero procedente. Outra vez, o cotejo entre os valores em jogo. Para o Face, atuar com cautela excessiva é preferível a assistir à morte precoce quando seria possível evita-la.

O sistema funciona em inglês, espanhol, português e árabe. Em todos os espaços, à exceção da União Europeia, cujo ordenamento de proteção de dados restringe a coleta de informações pessoais.

Em lugar de hostilizar a iniciativa, os detratores deveriam oferecer alternativas. Para o tratamento da patologia que acomete a sociedade, não apenas alguns de seus integrantes. É um sinal de enfermidade produzir jovens que superam o fortíssimo instinto de autopreservação e preferem partir deste planeta que os não entende, ampara ou conforta.

A multidão de solitários frequentadores das redes sociais, como fenômeno irreversível, muita vez impede que observadores se apercebam da fragilidade de mentes labirínticas fabricadas por uma era em que os valores pereceram e o “conhece-te a ti mesmo” é uma decepção.

O que fazer para diminuir o humilhante índice de suicídios no mundo e no Brasil?

_José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da UNINOVE, autor de “Pronto Para Partir?” e Presidente da Academia Paulista de Letras 2019-20.

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O SHOW SERIA DISPENSÁVEL

O Brasil ficou petrificado à espera da decisão do STF sobre a prisão em segunda instância. Argumentos candentes de um lado e de outro. Polarização segue a tônica recente desta República. Verdadeiro Fla-Flu, com aleivosias que repercutem instantaneamente, na força centrífuga das redes sociais.

É difícil para o jejuno entender as idas e vindas do órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional. Desde quando vige a Constituição Cidadã? Ela foi promulgada em 5.10.1988. Não houve tempo suficiente para sinalizar à Nação o que vale e o que não vale?

Houvera um pouco de bom senso e singeleza, atributos de que se deve revestir uma Justiça humana aceitável, não haveria necessidade de tanta celeuma.

O raciocínio é claro. O postulado do duplo grau de jurisdição é aceito como dogma no Estado de direito. É natural a tendência humana a buscar uma instância superior. Isso ocorre no lar, quando um dos pais é a “primeira instância” e o outro funciona como “segunda instância”. Ou recorre-se a uma avó mais benevolente, quando ocorre empate no tribunal do lar.

Mas é um excesso inaceitável subordinar-se uma decisão a um terceiro e a um quarto grau de jurisdição, como tem ocorrido no Brasil.

Para tornar a situação ainda mais surreal, entre essas instâncias pode acontecer que se reapreciem as mesmas questões por muitas dezenas de vezes. Resultado de um sistema recursal caótico, a preservar não apenas a linguagem das Ordenações, a burocracia coimbrã, mas incontáveis fórmulas para se provocar o Estado-juiz a se manifestar sobre aquilo que já definira no primeiro grau.

São embargos de declaração, agravos múltiplos, apelações, recursos de natureza vária, embargos de embargos, agravos de agravos, na criatividade própria de quem exerce a legítima tentativa de reverter um decisum. Equívoco de um sistema que não se propõe a solucionar contendas, senão institucionalizá-las.

Nada obstante, o ordenamento foi concebido para funcionar. Nunca poderia existir uma quarta instância no Brasil, nem a terceira. O Supremo Tribunal Federal, desde a proclamação da República inspirado na Suprema Corte norte-americana, deveria ser o guarda precípuo da Constituição. Mais nada. Já é de relevância extrema definir o que está compatível com o pacto federativo e, portanto, integra o ordenamento e o que com ele conflita. Se isto vier a ser reconhecido, essa norma não existe.

Para isso é que serve o STF. Não para cumular funções, resignar-se a ser a segunda instância dos Juizados Especiais. Questões consideradas de menor complexidade cível e de pequeno potencial ofensivo criminal, chegam à Suprema Corte brasileira, sem passar por qualquer outra instância.

Atulhado de processos, pois a Constituição da República Federativa do Brasil é analítica e prenhe de termos vagos, genéricos, imprecisos, tudo pode chegar ao STF, a depender do talento dos advogados. E estes são muito talentosos.

Ao assumir competência excessiva, o STF deixa questões primordiais em segundo plano. Pedidos de vista sem prazo para devolução têm o condão de paralisar milhares de processos que aguardam definição nos foros inferiores.

Outra circunstância a ser devidamente considerada é a transparência a que o STF se submeteu, quando passou a transmitir pela TV as suas sessões. Aquilo que poderia ser decidido de forma sintética agora reclama apuro e eloquência, manifestações contínuas de erudição, qualidades que os Ministros possuem desde antes de chegarem ao Supremo. Não precisam demonstrar sapiência. São eles que declaram o que é o direito no Brasil.

Por sua vez, o STJ – Superior Tribunal de Justiça foi concebido para funcionar como Corte de Cassação, de acordo com o modelo italiano. Numa Federação com 27 Estados, não seria improvável que a interpretação dos Códigos Nacionais sofresse distinções, a depender de cada Tribunal estadual. Em vez disso, o STJ se converteu numa prolífica fonte jurisprudencial, atuando como terceira instância.

Se os Tribunais Superiores assumissem a sua vocação, tudo estaria resolvido. O STF a satisfazer-se com a relevantíssima e imprescindível missão de definir o que está de acordo com a Constituição e, portanto, vale para todos e aquilo que a vulnera e que, por isso mesmo, não existe. O STJ, reservando-se à importante função de unificar a jurisprudência federal. Ambos atuariam para oferecer à cidadania aquilo que está em todos os anseios dos que reclamam distinto protagonismo à Justiça: o ideal da segurança jurídica.

Persiste esse desvio de função que será considerado natural ajuste à situação brasileira e será ardentemente defendido por aqueles que estão satisfeitos com o rumo atual do sistema Justiça.

A lentidão exasperante, a ausência de consequencialismo, a entropia   corporativista, a busca de um crescimento vegetativo inviável na situação de indigência da economia pública, tudo contribui para que o Judiciário não ocupe os primeiros lugares no ranking da estima e respeito coletivo.

A busca de eficiência não está apenas na adoção das mais modernas tecnologias da informação e comunicação, pois a revolução mais difícil é a da consciência. Enquanto os profissionais do direito não se compenetrarem de que a justiça deve ser instrumento de pacificação, de solução de conflitos, de edificação da harmonia na sociedade, não serão suficientes as perorações, as preleções, a retórica, a pompa e circunstância, para o resgate de um prestígio abalado. Os problemas persistem e exigem resposta célere, sem deixar de ser efetiva e eficaz.

O mundo mudou. Cultura, convívio e instituições acompanham a mudança. Quem não se aperceber disso, tende a ser descartado e substituído por estratégias que cumpram as promessas até agora não concretizadas. Não haverá shows de retórica suficientes à reversão desse destino.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL e docente da Pós-Graduação da UNINOVE. Presidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entre 2014 e 2015.     

 

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QUALQUER SEMELHANÇA…

É realmente uma pena que a juventude brasileira não leia mais. Não aprenda com os clássicos, não se delicie com as maravilhas produzidas por intelectos privilegiados, que nos conduzem ao etéreo e também nos fazem repensar o Brasil.

Autores há que restam esquecidos e que, redescobertos, mostrariam aos nossos moços – em grande parte sem perspectivas e com dificuldade de encontrar o sentido da vida – que a humanidade é a mesma. A história se repete, às vezes como drama, outras vezes como farsa. No final, parece preponderar a tragédia.

Um desses escritores que precisariam ser relidos é Curzio Malaparte (1898-1957). Nasceu na Toscana e, filho de pai alemão, foi batizado como Kurt Erich Stuckert. Mostrou senso de humor ao brincar com o sobrenome do grande Napoleão e passou a usar o nome literário de Curzio Malaparte. Escreveu “Técnica de uma Revolução” (1931), que inspirou Benito Mussolini a implementar um governo autoritário à península. Em seguida “Kaput” (1944) e “A Pele”, (1949). O nome do livro deveria ser “A Peste”, mas esse título já fora usado por Albert Camus.

É uma peste que nós brasileiros conhecemos bem. Não é o retorno das epidemias de enfermidades que considerávamos extintas, como a febre amarela. Ou aquelas geradas pelo aedes egypti, mais um atestado de nosso acelerado retrocesso em termos de controle das patologias. Mas é algo muito mais grave: a peste moral, que levou tantos a se apropriarem de dinheiro do povo, um povo cada vez mais excluído, cada vez mais espoliado com a carga tributária escandalosa para a qualidade dos serviços públicos.

Uma incestuosa relação entre políticos profissionais e empresários inescrupulosos colocou o Brasil na condição de indigência ética, moral, política, econômica e financeira. Trouxe desalento para os milhões de desempregados. Assiste atônito o brasileiro ao extermínio de parte significativa de sua juventude. Convive com a violência cada vez mais cruel e com a violência velada decorrente de perda de valores. Gratidão, solidariedade, fraternidade, respeito, consideração, tudo caiu em desuso nesta terra.

Ler Curzio Malaparte não trará surpresa a quem se sente sozinho, a ver triunfar as nulidades e à repetição do mesmo, com os mesmos dizendo o mesmo e fazendo o mesmo. Exceções como a operação Lava Jato não inibiram a continuidade de práticas nefastas em todos os níveis da Nação. Com a conivência de quem teria obrigação maior de coibi-las.

Vejam se existe alguma similaridade com o Brasil neste trecho de “A Pele”: “Era uma peste profundamente diversa, mas não menos horrível, das epidemias que no medievo devastavam de quando em quando a Europa. O extraordinário caráter de tal novíssima doença era este: que não corrompia o corpo, mas a alma. Os membros permaneciam, na aparência, intactos, mas dentro do invólucro da carne sã a alma se estragava, se desfazia. Era uma espécie de peste moral, contra a qual não parecia haver defesa alguma”.

Mera coincidência ou ratificação de que somos os mesmos, continuamos os mesmos, fazemos as mesmas coisas, numa insensata repetição dos mesmos erros, até que algo mais poderoso ponha fim à nostálgica aventura da criatura racional por este sofrido planeta.

_ José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, Docente da Uninove, autor de “Ética Geral e Profissional” e Presidente da Academia Paulista de Letras.

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PERTO E À DISTÂNCIA

O Brasil dos preconceitos hostilizou durante bom tempo o ensino à distância: EAD. Talvez por associá-lo a uma espécie de fraude. Somos especialistas em subverter ou perverter princípios. Assim acontece com a chamada “presunção de inocência”, que alguns preferem chamar de “não culpabilidade”. Uma ideia que a antecede é a “presunção de boa-fé”, resquício da idílica visão rousseauniana do homem bom. Essa a teoria. Na prática, somos seguidores de Hobbes, para quem “o homem é o lobo do homem”. Então presumimos a má-fé.

Um componente assim está na resistência ao EAD. Tende-se a acreditar que, sem alguém para vigiar, o aluno logo se desinteressará do conteúdo e nada assimilará da aula disponível a qualquer momento e em qualquer lugar.

Estes desconfiados talvez não tenham contato com a sala de aula que, em praticamente todos os níveis, a presença física não tem necessária vinculação com a presença mental. Aulas prelecionais já não satisfazem um alunado que parece já nascer com chip. Vive-se, em plenitude, a era digital. Tudo é virtual. A escola não acompanhou as mutações pelas quais passou o mundo e a vida e, por esse motivo, vê-se relegada. O que mais existe no ensino médio, que é exatamente a idade mais vulnerável, adolescência e maioridade legal, é a geração “nem-nem-nem”. Aperfeiçoamos o “ni-ni” francês, para acrescentar mais um nem: nem estuda, nem trabalha, não está nem aí!

Propiciar a quem tem curiosidade o acesso à EAD é contribuir para desenvolver responsabilidade, maturidade e prestígio ao autodidatismo. Hoje não é possível continuar a acreditar que alguém detenha o conhecimento e o transmita para quem dele não dispõe. A informação, que se transforma em conhecimento, está disponível online e nunca foi tão acessível. O segredo da educação contemporânea é estimular a curiosidade do educando. Sem isso, pode fazer reforma curricular, pode adotar base nacional, nada fará com que a criança e o jovem se interessem pelo aprendizado. Algo que deve provir da cabecinha deles, mas sob indução de alguém muito perspicaz, inteligente e suscetível de exercer uma saudável sedução sobre o aluno.

Tudo o que puder tornar o aprendizado mais atraente é bem vindo. O desinteresse é a regra em inúmeras escolas. Em todos os níveis, ressalvada a primeira infância, que ainda não se cansou da mesmice. Quem leciona em curso universitário vê a catástrofe de um alunado que não lê, não escreve, não sabe falar, não sabe pensar. Não consegue interpretar um texto.

Por isso é que se mostra urgente oferecer àquele que tem vontade, que faça pesquisas e mergulhe num conteúdo à distância, para não perder tempo em aulas insossas, repetitivas, em salas repletas e com a maior parte interessada em consultar seus mobiles ou em fazer qualquer outra coisa. Menos prestar atenção no esforçado professor.

O EAD no ensino universitário teve aumento de 27% em 2017, segundo o MEC. Isso levou o Ministério a permitir ampliação da oferta para o Ensino Médio. Melhor ainda quando se permitir ao aluno interagir com o conteúdo, enriquecê-lo, enxerta-lo, trocar ideias com os monitores e mostrar que está realmente a tirar proveito dessa ferramenta.

Perto ou à distância, aprender é algo que começa no interior de cada aprendiz. Conscientizá-lo disso é o desafio de todos nós educadores.

_José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Uninove, conferencista e advogado, Presidente da Academia Paulista de Letras.

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