Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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É a vez da criança

Nossa geração falhou. Em praticamente tudo. A política tornou-se um território corrompido. A educação capenga. A economia desanda. O ambiente devastado. A confiança desapareceu. Parece que a humanidade não tem mais remédio. Para todos os lados, só se enxerga desalento.

Nem todos pensam assim. A designer indiana Kiran Bir Sethi, criadora da escola Riverside, ainda crê num futuro melhor. Se as crianças forem preparadas para um protagonismo cidadão.

Além da Riverside, Kiran criou o DFC – Design For Change, movimento que dá poder às crianças, incentivando-as a dizer o que querem e de que forma querem mudar o mundo. Esse movimento já está no Brasil, trazido pelo Instituto Alana e batizado “Criativos da Escola”. A proposta é espalhar pelo País a ideia de que as crianças podem e devem ser as protagonistas das mudanças que pretendem para o mundo.

Nossa sociedade, a partir de um momento, começou a tratar as crianças como hipossuficientes. Qualquer mãe e pai têm a experiência de que seu filho é inteligente, criativo, tem a imaginação em perfeito funcionamento, a causar surpresas contínuas e a alegrar seus genitores. Quando vai para a escola, nem sempre esses atributos se desenvolvem. Às vezes a criança fica arredia. Antissocial. Malcriada. Rebelde.

É urgente uma outra educação. Uma escola que não padronize os alunos. Que não queira apenas estimular a capacidade de memorização. Escola que anime, alegre, seja prazerosa, não represente um sacrifício.

O processo de aprendizado precisa da participação e do entusiasmo do educando. O professor não pode ser um ditador, um tirano, o chefe da disciplina. Ele tem de agir como facilitador, colaborador das ideias que nascem das crianças. Para Kiran, ele provoca, desafia, inspira e dá apoio durante o percurso inteiro. O que se busca é que as mudanças propostas façam de cada lugar um espaço ainda melhor para todos.

Os quatro verbos do DFC são: sentir, imaginar, fazer e compartilhar. Isso pode garantir uma juventude e, depois, uma cidadania mais solidária, menos individualista e egoísta do que a minha geração. Depende apenas de nós assumirmos responsabilidade pelo processo educacional, que não pode ser um programa de governo, mas é uma política pública cidadã. Interessa a todos e sem ele não haverá futuro digno nesta complicada República.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Todos são chamados

Quando o Brasil enfrenta uma judicialização doentia – mais de 100 milhões de processos em curso pelos quase 100 Tribunais – todos os brasileiros são chamados a refletir sobre essa patologia. O remédio usual e dispendioso é criar mais cargos e mais estruturas. O equipamento Justiça já custa muito ao povo. Em tempos de contenção, imposta pela dramática situação econômico-financeira, não há espaço para maiores dispêndios. Orçamentos cronicamente insuficientes não comportam novos impactos. Por isso, é urgente inovar.

A Corregedoria Geral da Justiça já previra em 2012/2013 o advento de tempos nebulosos. Além de outras iniciativas, editou o Provimento 17/2013, que institucionalizou a conciliação em serventia extrajudicial. Os notários e registradores já cumprem essa missão por dever de ofício. Se a missão tabelioa, principalmente, é formalizar juridicamente a vontade das partes e se estas quiserem fazer um ajuste legítimo de seus interesses, é obrigação do notário formalizar e dar fé pública ao ato.

Pois o Provimento 17/2013 foi neutralizado no CNJ, por decisão monocrática e não houve deliberação em Plenário para que ele pudesse surtir seus efeitos. Quem perde é o povo. Outra iniciativa meritória é o NECRIM. Núcleo Especial Criminal instituído pela Polícia Civil em Lins. Inaugurado em março de 2010, as conciliações superaram as melhores expectativas. Foram superiores a 86% nos últimos cinco anos e em 2013 e 2014, atingiram 91% de casos solucionados.

O Delegado de Polícia é a autoridade que atende a uma grande coleção de pequenos entreveros. Brigas domésticas, de vizinhança, de trânsito e outras. Sua função o predispõe a um desempenho voltado à pacificação. Se a Polícia já executa esse papel, por que não permitir que o faça de maneira institucionalizada?

O Provimento 17/2013 e o NECRIM são dois exemplos de criatividade e inovação que merecem aplauso da população e não podem ser coartados por resistência da reserva de mercado ou de um conservadorismo na contramão das necessidades de um Brasil impregnado de crises.

Menos preconceito, menos monopólio funcional, mais espírito público e pensamento/ação voltados à resolução de problemas, não à criação de novos entraves ao desenvolvimento da Democracia.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.

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Aprende-se a ser bom?

O tsunami de desânimo que acomete as pessoas de bem diante das reiteradas denúncias de descalabros com o dinheiro do povo é corrosivo do idealismo. Quando os de cima não dão bom exemplo, os de baixo sentem-se desmotivados a perseverar. Isso é mau para o élan nacional.

Por isso é que nos momentos de desalento, a lucidez necessita coragem para redescobrir trilhas de revigoramento dos valores.  Já fomos melhores. A escola pública era um celeiro de civismo. Ensinava-se patriotismo, civilidade, bons modos. Aperfeiçoava-se aquilo que já se aprendia em casa, com os pais responsáveis pelo treino social da prole. A escola do olhar, da admoestação velada ou mesmo da palmada surtiam efeito. Chegava-se à maturidade em seguida a uma juventude consciente do significado do cumprimento do dever.

Hoje essas palavras perderam intensidade. Quem se considera patriota? Quem é que confere relevância ao conceito de “educação moral e cívica”?

Tudo se resume a uma educação séria e consistente. Não escolarização, que há eruditos mal educados. Assim como pessoas que nunca ingressaram numa escola e integram uma elite natural. Nasceram intrinsecamente bons. É possível ensinar alguém a ser bom? A ser generoso, solidário, exercer a fraternidade no dia a dia?

Recorramos a Paulo Freire: “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da igualdade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção. Encarná-la diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos“.

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 26/03/2015
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Preciso de algo mais?

Ainda não saíra da Faculdade de Direito quando li “O Complexo de Portnoy“, de Philip Roth. Ele era aficcionado em sua mãe, tanto que a primeira frase do livro é “Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência, que, no primeiro ano da escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada“. Mas ele era também muito ligado ao pai. Tanto que me servi de um texto dele para me despedir publicamente de meu pai, quando ele morreu em janeiro de 1992. Ele contava a experiência de uma longa enfermidade do pai, sua agonia e, finalmente, a partida. E eu perdi meu pai enquanto viajava.

Não havia celular. Quase não cheguei para o enterro. Comparei as duas situações. Philip Roth é um dos maiores escritores do mundo. Escreveu “Adeus Columbus“, aos 27 anos, “Pastoral Americana“, “O Avesso da vida“, “Operação Shylock“, “A Marca Humana“, “O Teatro de Sabbath“, “Casei com um comunista” e “A Grande Novela Americana“. Um total de 31 livros, que ele diz ter encerrado com “Nemesis“, escrito em 2010.

Todos esperam que ele não deixe de escrever. Sua obra é aquilo que Lygia Fagundes Telles chama de “quase memória“, ou, conforme batizou um livro seu, “Invenção e Memória“. Quem escreve deixa seu DNA naquilo que produz, embora possa chamar o produto de ficção ou de romance.

Todo bom leitor já leu ao menos um livro de Philip Roth. Quem não leu, não pode ser considerado bom leitor. Mas poderia começar com a obra de Claudia Roth Pierpont, traduzida por Carlos Malferrari, agora editada pela Companhia das Letras e chamada “Roth Libertado“. Ela é crítica literária, mas contempla a vida inteira de Roth. Inclusive sua vida amorosa com Margaret Williams e com Claire Bloom, que o detonou num livro de memórias.

Todo grande escritor é bombardeado com perguntas não tão inteligentes. Perguntaram-lhe se desejava um Nobel. Ele mostrou as macieiras centenárias de seu jardim em Kent, em Connecticut e retrucou: “Olhe em volta. Preciso de algo mais?“. Por isso é genial. O que um Nobel acrescentaria ao que legou ao mundo? Aos viventes e à posteridade?

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Servirá de alerta?

A corrupção endêmica no Brasil parece enfrentar um revés. Não é apenas a delação premiada, dando à luz episódios que não constituem surpresa, salvo pela dimensão do rombo. É a reação da cidadania, que encontrou um foco para a sua indignação.

Se as manifestações de 2013 foram difusas e pulverizadas, as recentes encontram convergência: o povo disse “Basta!”. Não há como conviver com o cambalacho, a maracutaia, a propina, o deboche, o acinte e a vergonha.

O Brasil poderia enfrentar todas as crises, mercê de um conjunto de circunstâncias favoráveis. Imensidão territorial de exuberante riqueza. Natureza pródiga. Recursos gratuitamente fornecidos a uma população que, educada, encontraria fórmulas de subsistência digna sem depender de um “Estado-babá” chamado a atender a todas as carências.

A irresponsabilidade e o despreparo conseguiram poluir as águas, o solo, a atmosfera e as mentes. Exercer a esperteza, querer levar vantagem, corromper, passou a ser algo ínsito ao “jeitinho” brasileiro. Mas o ponto de saturação chegou. A última gota extravasou. Já não há paciência para tolerar abusos. Chegou-se ao limite da tolerância.

A Justiça precisa ser serena, mas não está liberada de fornecer respostas oportunas. Seus ritos nem sempre – ou melhor, quase nunca – se compatibilizam com a urgência comunitária. Mas o processo foi deflagrado.

O importante agora é que a cidadania não esmoreça na sua indignação. E que não admita a continuidade de práticas imorais, tão entranhadas na vida pública. Não são apenas “tubarões” os que se aproveitaram de suas privilegiadas posições.

“Morder” o fornecedor, o empreiteiro, o empreendedor, o incorporador, é um esporte a que se dedicam também amadores. Os “peixes menores” parece não terem aprendido a lição. Tem-se notícia de que se aproximam de detentores de cargos e funções para exercer o seu deletério profissionalismo: exigir comissões em obras e serviços.

Não se permita que isso continue. A iniciativa privada tem condições de resgatar a confiança na economia, se dispensada de alimentar a cobiça de parasitas. Tolerância zero para estes. Não se avalia a imoralidade pelo valor da propina. O princípio da insignificância não pode ser invocado quando se cuida de restaurar a ética na vida pública desta sofrida Nação. Que os protestos sirvam ao menos de alerta para a arraia miúda, ainda desenvolta em suas nefastas praxes.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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O ninho da discórdia

O mundo parece envolvido em conflitos permanentes. Lutas fratricidas, terrorismo fundamentalista, execuções transmitidas on line, crueldade em todos os espaços. O Brasil não escapa à regra. Violência em várias escalas. Sensação de insegurança que gera o clamor pela intensificação do sistema punitivo.

Ninguém consegue aceitar que a prática de infrações também se faça acompanhar de um requinte de perversidade. Quantos relatos de vítimas que não reagem, colocam à disposição do infrator os bens materiais cobiçados e, mesmo assim, colhem a tragédia de uma morte desnecessária à consumação do delito. O convívio sofre uma deletéria corrosão. A solidariedade não prevalece e o sentimento natural de comunhão é substituído por explicável temor.

É mais do que urgente que a confraria do bem reaja à altura do desafio. A começar em cada lar. O ninho protetor em todas as fases da existência sofreu e continua a sofrer profundas mutações. O espaço doméstico também registra o desamor. Insensibilidade, indiferença, egoísmo exacerbado. Desrespeito e deboche. Desconsideração quanto a valores tradicionais e abandonados ante a convicção de que já foram superados.

A paz deve começar em casa. É ali que deveria preponderar o amor incondicional, espontâneo e gratuito. Mães e pais são transmissores da singela lição de que todos estamos na mesma frágil e efêmera condição humana. Viver é uma ventura e preservar a vida um milagre que se renova a cada dia. Respeitar a vida é mais do que se abster de matar quem nos atormenta. É reconhecer que o mero fato de pertencer à espécie humana acarreta direitos e obrigações. A dignidade da pessoa é mandamento inquestionável. Dignidade que se inicia pela consideração dos mais próximos, pelo olhar compassivo, pela compreensão de nossas deficiências. Pela capacidade de perdoar. A casa é o refúgio do amor e não pode converter-se em ninho de discórdia.

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 19/03/2015
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Dom Agnelo

Não somos um exemplo de povo que cultiva o passado e reverencia a memória. O imediatismo do mercado pensa sempre à frente. É lá que está o lucro, a mais genuína aspiração de todos os incluídos numa sociedade de consumo.

Nossos mortos só morrem de verdade quando nos esquecemos deles. Esse pensamento era constantemente realçado nas discussões da Academia Paulista de Letras por Maria de Lourdes Teixeira, a primeira mulher eleita para frequentar o cenáculo dos imortais bandeirantes. Enquanto houver alguém com saudades, todos aqueles chamados à eternidade ainda ocuparão espaço entre os viventes. Transitórios todos, pois o encontro definitivo é a única certeza.

Tais reflexões vieram a propósito de uma data pouco lembrada no ano passado. Dia 6 de novembro de 1964, a Nunciatura Apostólica anunciava à população de São Paulo que Sua Santidade o Papa Paulo VI havia transferido para a sé metropolitana da capital o Arcebispo de Ribeirão Preto, Dom Agnelo Rossi.

Foi ele o quarto arcebispo da História da Arquidiocese, em substituição ao Cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota.

Dom Agnelo Rossi nasceu em Joaquim Egídio, Campinas, em 4 de maio de 1913 e morreu em Helvetia, Indaiatuba, em 21 de maio de 1995. Seus pais eram Vitoria Colombo Rossi e Vincenzo Rossi, moradores na Vila Arens, em Jundiaí. Os primeiros estudos do Cardeal foram em Valinhos, depois no Seminário Diocesano Santa Maria de Campinas e cursou Teologia na Universidade Gregoriana de Roma. Ali foi seu aluno de matrícula nº 1, do recém-criado Colégio Pio-Brasileiro. Em Roma foi ordenado sacerdote em 27 de março de 1937.

Foi secretário do Bispo D. Francisco de Campos Barreto e, com o Monsenhor Emilio José Salim, devotou-se à educação universitária. Foi o primeiro Vice-Reitor da PUC-Campinas e quando Cardeal em Roma, obteve para ela o título de Pontifícia.
Bispo de Barra do Piraí e Volta Redonda, Arcebispo de Ribeirão Preto, tornou-se Cardeal em 25 de janeiro de 1965. Foi um dos brasileiros mais prestigiados na Santa-Sé, continuamente mencionado como candidato a Papa. Continuou, até o final de sua existência, um fidelíssimo seguidor do paradigma Jesus Cristo.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Viela dos desvarios

Assistir a certos comportamentos conduz a dar razão a Matias Aires, nas suas “Reflexões sobre a Vaidade dos Homens“, ao afirmar que a virtude se aprende, mas o vício é congênito.

Vive-se uma situação dramática na República. Crise hídrica, crise energética, crise moral, crise de confiança. Não há um setor que se possa reconhecer como ilha de tranquilidade. Mesmo assim, para alguns tudo parece continuar igual. Insiste-se na continuidade de práticas nefastas. Não se assustam com o noticiário escabroso, não temem a “caça às bruxas”. Prosseguem a exigir participação espúria na gestão da coisa pública. Nenhum acanhamento ao reclamar espaço para também se locupletar. Seriam cidadãos acima de qualquer suspeita?

Certa espécie de homens se acostumou tanto a pensar somente em si, que não lhes passa pela consciência que o momento é trágico. Arrecadação em acelerada queda; recessão; desemprego; estagflação; inflação de dois dígitos a se aproximar. Acreditam mesmo que dinheiro é produto que a Casa da Moeda fabrica e arremessa ao mercado conforme queira? Gostaria de percorrer os labirintos de sua mentalidade para descobrir como podem persistir no egocentrismo.

Somente o profundo intérprete da alma brasileira, o paulistano Matias Aires, nascido em 27.3.1705, para definir esse comportamento: “A nossa natureza propende para o mal, por isso foi preciso prescrever-lhe um certo modo de viver; vivemos por regras. No exercício do mal achamos uma espécie de doçura, e de naturalidade; as virtudes praticam-se por ensino; o vício sabe-se, a virtude aprende-se. Miserável condição do homem! O que devia saber, ignora, e o que devia ignorar, sabe; para o que nos é útil, necessitamos de estudo, e para o que nos é pernicioso, não; para o bem necessitamos de lembrança, e para o mal de esquecimento“. Alguém vislumbra um horizonte menos tétrico, a persistirem tais sintomas?

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 12/03/2015
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Pompas fúnebres

O escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, autor de “Três Tristes Tigres”, escreveu também “Cinema ou Sardinha”. O título remete à pergunta que sua mãe fazia quando ele ainda era menino. Não havia dinheiro para propiciar a “mistura” do almoço, a sardinha barata e também a entrada para o cinema. Ele tinha de escolher. E ficava com o cinema. O alimento d‘alma era mais importante do que a nutrição física.

Pois nesse livro há uma parte chamada “Pompas Fúnebres”. Nela, Cabrera Infante faz o obituário de artistas do cinema hollywoodiano como William Holden, Cantinflas, Orson Welles, Charles Chaplin, Laurence Olivier, François Truffaut, Rita Hayworth e Marilyn Monroe, entre outros.

Vale a pena ler o livro publicado pela Gryphus. Mas ao lê-lo me penitenciei de não ter ainda escrito aquilo que prometera a mim mesmo: “Balizas Morais”, perfis de pessoas que me influenciaram por sua postura ética e “Balizas Afetivas“, retratos de gente que já partiu e ainda ocupa lugar definitivo em meu coração.

Lembro-me de haver perdido Cláudia Maria de Lucca Parise, amiga querida e que era sempre uma das primeiras a me telefonar no dia de meu aniversário. Em casa dela e do Gae me hospedei quando moravam no Estoril, em Portugal. Chamou amigos para uma festa na primeira noite em que lá estive, dentre eles Cândida Rivelli e Amorim. Que falta que a Cláudia faz para seus amigos e para Jundiaí.

Mas também enterramos Álvaro Lazzarini, jundiaiense que foi o primeiro desembargador desta terra na recente geração, homem íntegro, padrão ético, leal e corajoso. Disciplinado e coerente, só não chegou a presidir o Tribunal de Justiça exatamente pelo excesso de qualidades. Outro magistrado que morreu cedo em 2014 foi José Geraldo Barreto Fonseca. Chegou a ser Juiz Substituto em Jundiaí. Era um santo. Suas virtudes também o credenciam a ser lembrado como padrão para as futuras gerações.

Este ano meu pai, Baptista Nalini, completaria 100 anos. Prometi escrever uma biografia de filho. Queira a Providência eu tenha condições de redigi-la. Seus bisnetos merecem conhecer uma das melhores partes de sua origem.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Gesto incomum

Já tive oportunidade de escrever sobre a chamada “tática das homenagens”. É a prática bem usual de cultuar o poder. “Rei morto, rei posto” ou “O Rei Morreu! Viva o Rei!”. Assim que alguém atinge qualquer parcela de poder ou autoridade, começa a merecer homenagens. Na verdade, é o cargo que está sendo reverenciado, não o seu detentor.

Há alguns anos, uma pessoa chamada a ocupar um elevadíssimo cargo chegou a comentar comigo o que aconteceria depois de nomeado. Eu disse a ele que o problema seria colecionar títulos, láureas e a prolífica difusão de honrarias com que seria bombardeado, assim que tomasse posse. É o que geralmente acontece. E quem se ilude corre o risco de fazer o papel do “asno a carregar relíquias”. Um conto francês bem divulgado: o asno era ornamentado para levar o Santíssimo na Festa de Corpus Christi. Todas as pessoas se ajoelhavam à sua passagem. Estranhou quando, encerrada a procissão, foi levado à estrebaria e maltratado pelo serviçal. Era para o Sacramento que os fiéis se ajoelhavam. Não para o asno!

Nesse tema, é de causar estranheza gestos de desprendimento como o de Thomas Piketty, autor do livro “O Capital no Século XXI”, um dos best-sellers do ano passado. Recusou-se a receber a “Legião de Honra”, a condecoração máxima concedida pela França. Sua resposta: “Não cabe a um governo decidir o que é honorável”.

Diante da atual crise do governo francês, que guarda alguma analogia com o que acontece no Brasil, diante da prodigalidade com que os direitos foram assegurados, sem fontes de recursos suficientes para fazer face aos compromissos, o autor esperava que o governo se preocupasse com a restauração da credibilidade, não com homenagens.

Thomas Piketty agora se alinha a outras personalidades que já recusaram a Legião de Honra, como Claude Monet, Jean-Paul Sartre, Marie Curie, Albert Camus, Hector Berlioz e Brigitte Bardot. Todos se negaram a aceitar a honraria criada por – nada menos do que Napoleão Bonaparte – e isso em 1802. A busca de gloríolas e de títulos, medalhas e condecorações, é a regra no mundo das vaidades. Mas quem possui valor autêntico não precisa desse fútil e transitório reconhecimento. Piketty acrescentou méritos ao seu currículo.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.