Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Para que serve a lei

Vivemos sob a égide do Estado de Direito de índole democrática. É isso o que a Constituição de 1988 nos propõe. O Estado de Direito se confunde, na sua mais singela expressão, com o “Estado sob a lei”. O Estado legal. Lei como expressão da vontade comum, para propiciar o convívio civilizado.

Mas também estamos imbuídos da concepção de um Estado social; uma organização que favoreça o desenvolvimento da sociedade como um todo.

Sob essa ótica, a responsabilidade do Estado é prever, decidir, regular e agir em simultaneidade com os processos econômico-sociais. Diante de tais desa­fios, o Estado Social não pode se orientar pelo tempo passado e, sim, pelos tempos presente e futuro. É pre­ciso assumir sua indefinição e indeterminação, pois o porvir nunca é certo ou previsível. Principalmente numa Nação complexa e heterogênea, periférica e dis­tanciada dos mais elevados graus civilizatórios como é o Brasil.

A manifestação das decisões estatais em normas positivadas deverá contaminar o campo do direito com o provisório. O segredo é identificar o tempo estatal e seus temas com os da política. A abertura do direito ao tempo futuro, na visão de Jürgen Habermas, o levou a admitir “leis experimentais, de caráter temporário e leis de regulação de prognóstico inseguro”.

O Direito, nesta situação, precisa de um legisla­dor implícito e o Poder Judiciário passa a ser o contro­lador dos demais Poderes. Essa a agenda que está na raiz do processo, indubitavelmente não linear, de trans­formação universal do Poder Judiciário em agência de controle da vontade do soberano, permitindo-lhe invo­car o justo contra a lei.

O constitucionalismo moderno, ao pontuar os “princípios fundamentais”, inclusive os direitos so­ciais, não somente deslocou a hegemonia do positivis­mo kelseniano, como concedeu novo espaço para as correntes do humanismo jurídico, devolvendo atuali­dade à antinomia clássica entre Direito e Justiça.

É o que explica a inclusão do Poder Judiciário na política e a acusação que o sistema Justiça recebe de ser ativista. Foi a opção pelo Welfare State, o modelo de Es­tado Provedor, que facultou ao juiz o acesso à adminis­tração do futuro e o constitucionalismo moderno, a partir da experiência negativa de legitimação do nazi-fascismo pela vontade da maioria, confiou ao Judiciário a guarda da vontade geral, encerrada nos princípios fundamentais positivados na ordem jurídica.

O fenômeno não se restringe ao Brasil. A judi­cialização das relações sociais é universal. Deu um passo entre nós com os Juizados Especiais, cuja ins­titucionalização abandonou a sua vocação. Os prin­cípios que os inspiraram foram atenuados. As pautas se tornaram longas. Os Juizados foram acometidos da mesma sintomatologia da Justiça convencional. Agora os Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania talvez possam retomar o melhor rumo. Uma concretização do justo sem mediação política, formalismos e juridiquês, ematendimento às expec­tativas por direito e cidadania de setores socialmente emergentes.

Não se deve enxergar no excessivo demandis­mo só os aspectos nefastos. A Justiça exprime menos um contrapoder do que um outro poder. Sua força não está em suscitar oposição política, mas em impor um reforço na estratégia de deliberação. Por meio desse reforço, a representação política é renovada. As novas mediações lhe concedem nova consistência. Ao lado do mandato político dos representantes, surge o espa­ço de uma democracia mais participativa, em que o enunciado das normas reguladoras da convivência se define em comumacordo.

Por todo o planeta, o que se constata é que a vocação expansiva do princípio democrático tem im­plicado em crescente institucionalização do Direito na vida social. É o que se registra em certas dimensões da esfera privada, antes indevassáveis, e na blindagem do mérito do ato administrativo, sempre indevassável pelo Estado-juiz.

No Estado Social, o direito se investe de rele­vância particular e singularíssima, na medida em que está dotado do caráter técnico que o capacita a assumir a função de um meio de comunicação simbolicamente generalizado.

A transformação da vida social implica em revi­são de conceitos, reformulação de valores e urgente re­definição do papel da lei para que ela possa servir como instrumento de implementação da Democracia Partici­pativa prometida pelo constituinte há quase trinta anos e ainda bem distante da realidade brasileira.

Fonte: Correio Popular – Campinas | Data: 30/12/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com

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Se todos quiserem

A performance do aluno brasileiro nas recentes avaliações não tem sido das melhores. Os diagnósticos pouco variam. É preciso levar a educação a sério, é urgente obter maiores investimentos. Mas isso não explica tudo. Há países que aplicam quase o mesmo em termos de orçamento e obtêm melhores resultados. Ninguém nega que os profissionais da educação merecem remuneração condigna. Os tempos é que não ajudam a atender às legítimas reivindicações. Mas as crianças não têm culpa diante da crise. Precisam merecer a melhor educação que for possível.

Situação análoga tem sido enfrentada em outras nações. O que acontece ali? Todos, sem exceção, se compenetram de que a educação é responsabilidade coletiva. Não é apenas do Estado. É da família e da sociedade. Ninguém está excluído da obrigação de fazer alguma coisa pelo crescimento intelectual das novas gerações. Em Portugal, por exemplo, todas as pessoas, notadamente as de mais idade, colaboram com o letramento. Fazem as crianças ler, contam quantas palavras elas conseguem soletrar por minuto, conforme a faixa etária, e incentivam a acelerar o ritmo. Mães e pais, avós, tios e padrinhos, todos podem colaborar nesse sentido. O idioma é fundamental para a criança poder raciocinar logicamente, concatenar ideias, expor o seu pensamento. A fluidez é um instrumento valioso de participação. A proficiência na língua nativa e, se possível for, numa outra, proverá o educando de condições de se entender com o mundo.

Nesta época de presente de Natal, em que se comemora o renascimento Daquele que trouxe esperança a toda a humanidade, é o momento de oferecer livros às crianças e de incentivá-las a uma leitura frequente, cada vez mais natural e prazerosa. A leitura permite apreender o mundo externo e, principalmente, o mundo interior daquele que escreveu e pôs o seu pensamento à disposição de um número infinito de leitores. Interessar-se pelo progresso na educação formal de cada criança é um pequeno gesto de patriotismo que nada custa e alavancará, em muito, o ritmo do aprendizado de nossos estudantes.

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 29/12/2016

JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.

livros


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Se ele nascesse hoje…

Aquele cujo aniversário hoje se celebra nasceu há mais de dois mil anos. Em condições bem conhecidas: durante uma viagem forçada de seus pais, com a finalidade de atenderem a uma ordem oficial. Desprovidos de recursos, não encontraram espaço em estalagens. Abrigaram-se num estábulo. A criança nasceu entre palhas e sua mãe o aqueceu com o hálito morno de uma vaca e de um burro.

O que escolheria Ele se viesse a novamente adquirir forma humana e voltasse a este Planeta? Um lar cujo provedor está desempregado? Ou a casa de um encarcerado? Ou uma favela? Qual dos excluídos mereceria a glória de receber o Salvador?

O Cristianismo transformou a face da Terra. Tão importante que o calendário passou a adotar o nascimento de Jesus para o reinício da marca do tempo. Aceitou-se o Evangelho como a promessa de reconciliação com o Criador, até então ofendido pela arrogância humana. A esperança tomou o lugar do desalento. Houve o compromisso de honrar o Deus feito homem.

Promessa aos poucos lentamente descumprida. A civilização que não se envergonha de seu autodominar ‘cristã’, a cada dia desmente a sua opção. Ganância, cupidez, egoísmo, crueldade, insensibilidade, menosprezo, exclusão. Um séquito de más práticas obscurece a opção pela boa nova.

A cada ano, o 25 de dezembro teima recordar aos empedernidos de que Natal não é troca de presentes, não é data comercial, não é o ocasião para bebedeira e comilança. Natal deveria ser a imersão no clima de fraternidade, o reconhecimento de que todos são identicamente herdeiros do verdadeiro Reino, que esta passagem pelo mundo é rápida, frágil e cujo termo final reserva a morte para todos. Ninguém escapará dela.

Esquecemo-nos todos desta miserável condição humana? Aparentemente, são poucos os que se recordam de que nada se leva desta aventura, senão aquilo que se fez de bem ao outro.

Quem foi capaz de perdoar e de se desculpar? Quem procurou se desapegar da matéria? Quem se propôs a tornar menos aflitiva a existência do próximo?

Só estes, verdadeiramente, vivenciam o Natal. Os demais, lamentavelmente, se desviaram do trajeto e desmerecerão o abraço que está destinado às pessoas generosas quando ingressarem na eternidade.

Natal de reflexão profunda para todos!

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 25/12/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com

fraternidade


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Você também é responsável

A recente divulgação dos resultados das avaliações sobre o desempenho do estudante brasileiro causaram compreensível reação. Por que o aprendizado não ostenta performance compatível com o esforço de tantos profissionais, o desempenho dos educadores e o investimento do governo, em período de tamanha dificuldade financeira?

Se a cobrança por melhores resultados é legítima, pois educação é tema de extrema relevância, o momento é propício a que todos nos auto-indaguemos sobre o que se espera de cada brasileiro nesta quadra histórica.

A educação é direito de todos, diz o constituinte de 1988. Mas esse direito é dever solidário do Estado, da família e da sociedade. É o que o diz o pacto federativo no seu artigo 205. Será que cada um dos três núcleos de responsabilidade pode fazer mais para alcançar índices desejáveis?

Verdade que o Estado já aplica verba substancial para a política pública educacional. São Paulo, por exemplo, investe um terço do seu orçamento na educação. Não é pouco. Outros países, com investimento análogo, estão dentre os primeiros classificados nos páreos da avaliação. Pode, entretanto, o governo, nos três níveis, fazer mais. Principalmente em relação à otimização do custeio, para que recursos preciosos mereçam cada vez melhor aplicação, de maneira a favorecer o projeto de remuneração mais adequada ao Magistério. Prioritariamente ao Magistério, que está na trincheira a ensinar o alunado e a formar as futuras gerações, sem prejuízo a contemplar em seguida os demais profissionais de educação.

Um gestão mais esperta, a adoção de estratégias de racionalização, de simplificação e de obtenção de êxitos ainda mais tangíveis do que os atuais, é o objetivo de todos os que efetivamente se preocupam com a elevação da qualidade do ensino público.

Nada obstante, a família e a sociedade podem e devem fazer mais. A família não podem declinar do seu mister de oferecer a seus filhos o “currículo oculto” ou “currículo implícito”, que ensina a criança a respeitar o mestre e a ser responsável pelo seu único e indeclinável compromisso: estudar e aprender. A família também precisa se aproximar da escola e aprender a participar da gestão do estabelecimento, auxiliando diretora e professores, além de cobrar dos filhos devotamento e esforço, treiná-los a um saudável exercício de cidadania, que começa por um bom tratamento a todo o corpo docente e funcional e a resolver pacificamente as controvérsias.

A sociedade civil, que é a destinatária do egresso da escola, tem obrigação de auxiliar a formação dos futuros quadros. A “adoção afetiva” de uma escola pública é um projeto exitoso e promissor. Qualquer pessoa pode incentivar o projeto “Escola da Família”, oferecer-se como agente de disseminação do voluntariado, participar dessa política pública sem a qual o Brasil não chegará ao destino com que sonhamos. Tudo isso é perfeitamente viável e a sociedade civil deve assumir tal compromisso com entusiasmo e vigor, para bem cumprir sua obrigação cívica em relação à educação.

A missão de educar é superior aos objetivos de uma gestão governamental. É uma proposta que está acima até dos propósitos do Estado, pois se insere num desenho de Nação. Esta instituição é mais consistente do que a própria sociedade artificialmente criada para coordenar o convívio. Baseia-se na emoção, na intenção de continuar a viver junto, de alimentar um objetivo permanente, com fundamento nas tradições comuns e no cultivo do afeto. Sem educação de base sólida, não se converterá o País naquela potência sustentável que é a aspiração de todo brasileiro patriota.

Por esse motivo, todos estão conclamados a se articular em torno a um trabalho sério, firme, audacioso e efetivo rumo à edificação de uma escola compatível com nossas pretensões de consolidar uma respeitada Nação.

O momento é agora e ninguém está dispensado de colaborar com ideias e, principalmente, com trabalho concreto. Vamos lá?

Fonte: Correio Popular – Campinas | Data: 23/12/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com

Projeto Gestão DemocráticaFoto: Daniel Guimarães/A2IMG


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Coisas que enchem a alma

É célebre a frase final da “Crítica da razão prática” de Kant: “Duas coisas enchem a alma de uma admiração e de uma veneração sempre novas e sempre crescentes, à medida que a reflexão se aplica com mais frequência e constância: o céu estrelado acima de mim e a lei moral de mim”.

Emmanuel Kant é o mais citado filósofo alemão. Pode-se amá-lo ou detestá-lo. Só não se pode ignorá-lo. Nada obstante sua importância para o mundo da filosofia, a “lei moral em mim” ficou muito esmaecida. Talvez até mais do que o céu estrelado, que a poluição impede enxergar nas grandes cidades.

Há uma similitude evidente entre a consciência moral e o espetáculo do mundo. Sêneca, em “Cartas a Lucílio”, já a detectara muito antes das lições kantianas: “Olho a sabedoria com a mesma estupefação com a qual, em outros momentos, enxergo o mundo, esse mundo que muitas vezes me acontece contemplar como se o visse pela primeira vez”.

Nós, contemporâneos imersos numa vida excessivamente requisitada, sem tempo para o essencial, mas com os minutos e as horas envolvidas em compromissos, burocracia e futilidades, necessitaríamos de exercícios espirituais que nos devolvessem a capacidade de olhar o mundo e olhar para dentro de nós.

Se nos compenetrarmos de nossa insignificância perante o universo, do qual somos muito menos do que uma partícula de água cotejada com os oceanos, poderemos chegar à verdadeira humildade. E humildade conduz à tolerância, à ausência do preconceito, à vontade de redimir o mais fraco de sua fraqueza, de fazê-lo integrado nesta grande família humana, que se estranha, se agride e se mata.

Nossa fragilidade só não é maior do que nossa ignorância. Ignorância sobre o que vale realmente a pena, para transitar com dignidade por este curto percurso de algumas décadas, não mais do que isso, por um caminho prenhe de incertezas e de inesperados.

Depende de cada um de nós fazer algo, por mínimo que seja, para que as noites voltem a ser estreladas. Os compromissos para redução da emissão de carbono já foram firmados. É o cidadão que deve obrigar o governo a cumpri-los. Talvez, nessa tarefa, consigamos ressuscitar a lei moral dentro de nossos corações.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 22/12/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com

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Segunda sem carne

O pluralismo é um dos valores explicitamente acolhidos pela Constituição do Brasil ora vigente. Por isso é válido que todas as manifestações mereçam consideração e respeito. Há múltiplas concepções de vida saudável e dentre elas cabe inclusão à onda vegetariana. Se existe aquele que não pode viver sem consumir carne vermelha, há outros que não conseguem se alimentar com o sacrifício de outras vidas. Os vegetarianos propõem que em todas as escolas de São Paulo haja uma “segunda sem carne”. Ou seja: devem ser oferecidas ao aluno refeições que não levem carne em seu cardápio.

Quais os benefícios daí resultantes?

Para os vegetarianos há inúmeros. São 3,9 milhões de quilos de ácido carbônico deixados de ser emitidos na atmosfera. Isso equivale a 30,5 milhões de quilômetros rodados por um carro popular, ou seja, 762 voltas em torno da Terra. Economiza-se 1,9 bilhão de litros de água limpa, ou seja, 21 milhões de banhos de 10 minutos. Economiza-se 2,3 milhões de quilos de grãos, o suficiente para satisfazer as necessidades proteicas de 5,2 milhões de pessoas em um dia.

Se todas as escolas de São Paulo deixarem de oferecer carnes aos seus alunos, apenas às segundas-feiras, ganharão as pessoas, pois o brasileiro consome quantidade muito elevada de carne por dia. Se reduzirmos o consumo, também diminuiremos a propensão a doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão, obesidade e câncer. Ganharão os animais, pois mais de 10 mil morrem por minuto no Brasil para a produção de carnes. A maior parte sofre em confinamento intensivo e mal consegue se locomover. Ganha a sociedade, pois para produzir um kg de carne são usados de 2 a 10 kg de alimentos vegetais muito nutritivos. Poderiam ser reservados para alimentar pessoas. E ganha o planeta. Incremente a segunda sem carne para deixar o carro na garagem, recicle, fecha a torneira e tire a carne do prato em casa também. Uma das ferramentas para preservação do planeta é o garfo. E a faca também!

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 15/12/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.

 

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FOTO: Diogo Moreira/A2IMG

 


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Sua vocação: ser feliz

A vida é muito breve. E frágil. É uma corrida cujo termo final é a morte. Ela chega para todos. Às vezes avisa. Muitas outras vezes não. E se o encontro com ela é inevitável, o que fazer nesse intervalo entre o nascimento e a partida?

A vocação humana é ser feliz. A despeito de to­das as dificuldades. Estas existem e não por outra ra­zão já se chamou a vida de “vale de lágrimas”. Mas, como diz Ignácio de Loyola Brandão, “se tiver de chorar, que seja de alegria”.

E há alegrias na vida. Contemplar a alvorada. Ouvir os pássaros. Ver as árvores florescerem, apesar dos maus tratos que todos – sem exceção – infligimos à natureza. Sentir a mão de uma criança apertar a sua, na confiança de que ao segurá-la, estará protegida.

Ouvir boa música. Ir ao teatro. Assistir a um bom filme. Ler e penetrar nas mentes alheias, pois todo livro tem o DNA de quem o escreveu, ainda que o autor queira disfarçar.

Conversar. Como é bom ouvir. Como é gostoso ter ouvidos dispostos a ouvi-lo. Abraçar. Sentir o calor humano. Inebriar-se com partículas de emoção colhi­das ao acaso. Olhar a multidão e tentar imaginar os seus sonhos, as suas expectativas, as suas esperanças e também suas decepções e frustrações.

Frustração é um componente diuturno de qual­quer jornada. Com as pessoas, aquelas nas quais con­fiamos e elas nos desiludem. Não é preciso desistir de imediato e passar a descrer da humanidade. Às vezes vale a pena insistir. Renovar propósitos. Pedir perdão. Renovar promessas, desde que nos consideremos ap­tos a cumpri-las.

Todavia, se não houver receptividade do outro, continuar a viver. De cabeça erguida e com a página virada, prontos para enfrentar novos encontros. Con­fiar Naquele que não permite que uma folha caia da árvore, nem um fio de cabelo se perca, sem que Ele esteja atento ao que ocorre neste maravilhoso univer­so, para o qual fomos predestinados com a missão de sermos agradáveis, fazermos a diferença para melhor em nosso convívio e sempre com a certeza de que so­mos irrepetíveis, únicos, detentores de uma filiação divina e vocacionados a vivermos aquilo que pode ser traduzido pela humana felicidade.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 18/12/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.

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CALAMANDREI, O POETA

Piero Calamandrei é autor muito conhecido por nós, que estudamos Direito e continuamos a aprender a complexidade do universo jurídico. Foi ele quem escreveu o célebre “Elogio aos Juízes”, como ficou mais conhecida sua obra “Eles, os Juízes, vistos por nós, os advogados”. É um texto precioso, citado em mais da metade dos discursos de posse e de despedida na Magistratura brasileira.

Foi ele quem escreveu, por exemplo: “Para encontrar a Justiça, é preciso ser-lhe fiel. Como todas as divindades, só se manifesta àqueles que nela creem”.

Seu respeito pelos juízes é datado: “O juiz possui na verdade, como o mago da fábula, o poder sobre-humano de fazer no mundo do direito as mais monstruosas metamorfoses e de dar às sombras as aparências eternas da verdade”. E tem noção exata sobre a difícil missão de bem recrutar os juízes, tema sobre o qual me debrucei desde o início da Magistratura. Tanto que minha dissertação de Mestrado na USP gerou o livro “Recrutamento e Preparo de Magistrados”. Para Calamandrei, “o Estado considera como essencial o problema da escolha dos juízes. Sabe que lhes confia um poder temível, que mal exercido pode fazer passar por justa a injustiça, constranger a majestade da lei a mudar-se em campeã do mal, e imprimir de maneira indelével, sobre a cândida inocência, a marca sanguinolenta, que para sempre a tornará parecida com o delito”.

Quem gostou, leia o livro de Piero Calamandrei. Contínuas reedições evidenciam que caiu ao gosto do jurista e daquele que almeja sê-lo. Mas eu desconhecia, já no final da caminhada, que também poeta Calamandrei foi. Não teria sido difícil descobri-lo, tanto lirismo exala sua obra mais conhecida. Mas foi Contardo Calligaris, na FSP de 21.4.16, ao escrever “A vergonha e o terror”, que nos brindou com um poema de Piero Calamandrei, escrito para o comandante das forças nazistas de ocupação italiana, Albert Kesselring. Este, ao deixar a prisão, disse que havia sido tão bom para os italianos, que estes deveriam erigir um monumento. Na verdade, foi atendido. O poema de Calamandrei é verdadeiro monumento: “Você o terá, camarada Kesselring/ o monumento que você pede de nós, italianos./ Mas com qual material será construído,/ isso a gente decidirá./ Não será com as pedras chamuscadas/das aldeias que foram supliciadas por teus exterminadores./ Não será com a terra dos cemitérios/onde nossos jovens companheiros/descansam serenos./ Não será com a neve inviolada das montanhas/que durante dois invernos te desafiaram./Não será com a primavera destes vales/que te viram fugir./ Mas será com o silêncio dos torturados,/mais duro que qualquer pedregulho;/será com a rocha deste pacto/jurado entre homens livres/que voluntários se reuniram,/por dignidade e não por ódio,/decididos a redimir a vergonha e o terror do mundo”.

Texto severo, digno de Calamandrei, que foi resistente, escritor e um dos fundadores do Partido de Ação na Itália. E que de certa forma se preocupava com a judicialização excessiva, sinal de enfermidade na sociedade humana. Pois no seu excelente livro, observa: “Na República, de Platão, médicos e juízes são tratados com certa desconfiança, como sintomas reveladoras das doenças, físicas e morais, de que sofrem os cidadãos. Esta afinidade psicológica entre as duas profissões não é hoje menos evidente, principalmente por aquele sentimento de solidariedade, que a experiência do mal alheio, físico ou moral, produz em quem diariamente o estuda e o conforta. Os juízes, como os médicos, apenas veem em seu redor chagas e lepra. Os juízes, como os médicos, respiram durante toda a sua vida um ar viciado, naqueles sombrios hospitais de toda a corrupção humana, que são os tribunais”.

Fonte: Correio Popular de Campinas | Data: 16/12/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.

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Era uma vez…

Uma cidade, um bairro, uma escola. É o nome do livro que alunos da Escola Estadual de Ensino Integral “Professor Rubens Oscar Guelli”, de Sumaré, publica­ram, no projeto “Pequenos Contadores de Histórias”.

A partir das orientações curriculares do Estado de São Paulo – nosso Estado tem currículo adequado à contemporaneidade há muitos anos – os alunos pes­quisaram a História de Sumaré e de sua escola. En­trevistaram antigos professores, antigos funcionários e colheram importantes depoimentos. Contaram com a associação Pró-Memória de Sumaré e foram incen­tivados pelo Diretor Carlos Neves, vice-diretora Sô­nia Ribeiro Pomini, coordenadoras Renata Garbelini e Regina Camuri. Os organizadores do livro foram Adriano Fiuza do Nascimento, Sandra Gomes e Tânia Franco e o resultado é mostra eloquente de que exis­tem bons exemplos na Rede Pública Estadual da Edu­cação, a despeito de naturais dificuldades oriundas da policrise em que estamos imersos.

No livro consta que a denominação “Sumaré” surgiu em virtude de uma orquídea originária da re­gião. O nome foi escolhido em 1945, numa consulta popular. A Escola Estadual fica no bairro Jardim San­tiago e foi criada em 31/1/1984, pelo Decreto 21.922, assinado pelo Governador Franco Montoro. Em 24/11/1984 passa a se chamar Rubens Oscar Guelli, filho de dois professores: Oscar Augusto Guelli e Ce­cilia Rolemberg Porto Guelli. Rubens começou a car­reira como professor de Educação Física em Jundiaí. Era apaixonado por esportes e faleceu em 4/3/1983. Mas é reverenciado pelos alunos que comemoram o “Dia do Patrono”.

A escola tem um projeto verde a cargo da ge­nerosa participação de todos os alunos. É escola de período integral, desde 2015. O livro exalta o clima de camaradagem e de alegria que mantém coesa a co­munidade escolar e reproduz a mensagem de Albert Einstein, que vale para todos nós: “Tenha em mente que tudo o que você aprende na escola é trabalho de muitas gerações (…) Receba essa herança, honre-a, acrescente a ela e, um dia, fielmente, deposite-a nas mãos de seus filhos”.

Prevê-se um futuro promissor para quem sabe honrar o passado e cultivar valores que os insensatos desprezam.

Mas cada qual receberá o que semeou.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 15/12/2016

JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.

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Foto: Daniel Guimarães/A2IMG


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E se fosse comigo?

NICK VUJICIC é um jovem australiano que fez 34 anos dia 4 de dezembro. Ele nasceu com tetra-amelia, raríssima condição de quem nasce desprovido dos quatro membros. Não tem braços, nem pernas.

Foi criado com carinho pelos pais que o acolheram e procuraram educar para uma existência em que as dificuldades suplantam qualquer imaginação.

Mesmo assim, foi alvo de chacotas na escola. Aquele humor irreverente que começa aparentemente inocente, mas fere de morte. Tanto que tentou suicídio aos dez anos.

Superou o trauma. Hoje percorre o mundo a mostrar que viver é um privilégio. É um dom insuscetível de ser desprezado. Suas conferências sobre bullying são muito concorridas. Não é apenas aquele maldoso que passa o seu tempo a apelidar, a zoar, a criticar o único a fazer mal às pessoas. É a massa inerte dos que não tomam a defesa do criticado. Quem deixa de alertar os colegas sobre os malefícios da gozação é também conivente e passa a ser cúmplice do malfeitor.

De 13 a 18 de dezembro, o jovem que se casou com Kanae Miyhara e tem dois filhos, Kiyoshi e Dejan, estará no Brasil pela quarta vez. Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo e Porto Alegre o receberão em espaços privilegiados. Em São Paulo, dia 17, será no Morumbi. É importante saibamos reconhecer em Nick um esplêndido exemplo de superação. Todos aprendem com sua belíssima lição de vida. Ele transmite positividade, mostra que a imensa maioria dos problemas é algo que nossa força de vontade consegue vencer e que existe Alguém responsável por destinos que não são traçados por qualquer humano. “Sem Deus, eu não poderia viver uma vida de propósito e pela eternidade. Mas, na minha opinião, minha mensagem se aplica a qualquer um, com ou sem fé”, ele afirma.

Procure se aproximar de NICK e, se puder, assista à sua palestra. Obtenha informações no site experienciadesucesso.com.br/nick. Ele está sempre a sorrir: “Eu sou feliz do jeito que sou. Eu vi que há um propósito maior para a minha deficiência. Fui colocado em um beco para pensar nas grandes perguntas da vida”. Ele nos emociona. Nos sensibiliza. Alguém já imaginou o que seria estar em sua situação?

José Renato Nalini é secretário da Educação do Estado de São Paulo.

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