Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Você conhece seu pai?

A natural distância entre as gerações é tema permanente. Os pais reclamam de que no seu tempo era diferente e hoje tudo parece “uma bagunça”. Os filhos não compreendem o anacronismo dos pais. Há exceções, mas o discurso parece o mesmo em todas as rodas.
A coisa complica para os filhos de famosos. Pessoas que se destacaram geram uma angústia na sua prole. Como ultrapassar os pais?

Gotham Chopra, filho do popstar da autoajuda Deeparl Chopra, fez um documentário como catarse. Chama-se “Decoding Deepak”, algo como Decodificando Deepak. Não é um laudatório, pois critica Deepak por seu narcisismo. Ele fica ansioso em relação ao esperado sucesso de seus 66 livros já publicados. O filho documentarista reconhece o fato: “O narcisismo é a grande contradição de meu pai e o grande paradoxo da espiritualidade, da qual ele é um ícone”.

No filme, Gotham, hoje com 37 anos, acompanha o pai por todo o globo. Assiste a palestras e também à ordenação do autor como monge budista na Tailândia. Enquanto isso, travam diálogos sobre a consciência. 

O pai se subordinou à experiência. “A maneira mais fácil de escapar foi dizer sim”. Ele está com 65 anos, comanda um verdadeiro império de seu escritório em Deepak HomeBase, um estúdio em nova York. E encontrou prazer em conviver mais com o filho. 

Deepak Chopra é um imigrante indiano que se tornou médico bem-sucedido em Boston e se converteu em apóstolo do movimento de meditação transcendental e espiritualista pop best-seller, graças à Oprah Winfrey, em 1993. Ao ser entrevistado sobre o filme, disse: “Acabo de sair de uma semana de silêncio em que contemplei minha própria morte”. Era um retiro de meditação. Está com novos 3 livros no prelo e continua preocupado em ser cada dia mais conhecido.

Hoje, com a facilidade de se fotografar e filmar, todos podem fazer documentário ou álbuns de seus pais. É uma forma de se eternizar – durante um tempo, eis que o eterno é uma promessa humanamente inatingível – a história particular de cada ser humano. Acho que pode valer a pena. É mais uma via para o autoconhecimento, que passa por conhecer melhor seus genitores, sua origem, sua família.   
 
* JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Sigamos também nisso

O Brasil gosta de se espelhar nos Estados Unidos. Dele, copiamos tudo: moda, música, cultura, consumismo, demandismo, encarceramento como única resposta para as infrações. Antes, eram apenas os ricos que faziam enxovais para seus nascituros em Miami. Hoje, com a ascensão da “classe média”, qualquer pessoa tem esse direito. Levar as crianças à Disney já motiva as classes “B” e “C”. 

Para se destacarem, os novos ricos adquirem apartamentos na Flórida. Mas porque não imitamos outras coisas dos americanos? O amor que eles têm à sua Constituição, por exemplo? A sua afeição à escola, que continua a receber os ex-alunos pela vida afora? A generosidade de seus ricos? Há alguns dias, John A.Paulson, administrador de fundos de hedge fez uma doação de cem milhões de dólares para a Central Park Conservancy, a entidade privada que administra o Central Parque. 

Este não foi o primeiro ato de civismo perpetrado por Paulson. Em 2009, ele doou vinte milhões de dólares à New York University Stern School of Business e cinco milhões de dólares ao Southampton Hospital em Long Island. Aqui no Brasil, as pessoas reclamam da podridão do rio Tietê, do depauperamento das represas Guarapiranga e Billings, do abandono do centro das cidades. 

Todos os centros foram convertidos em cenário tétrico, derrubados os exemplares arquitetônicos emblemáticos, hoje habitados por um lumpesinato errante. Mas quem se dispõe a atuar para devolver a beleza roubada pelo descaso, insensibilidade, indiferença? Até quando o brasileiro pensará na coisa pública como “coisa sem dono, coisa de ninguém”? 

Por que esperar que o governo faça tudo, se o governante é um mandatário que deveria atender à orientação e mesmo às ordens de quem o elegeu e a cujo serviço precisa estar devotado? Por enquanto, parece que nossa vocação de reproduzir aqui no Brasil tudo o que os americanos fazem só focou o pior, o inadequado, o equivocado e o mau exemplo. Raríssimas as exceções entre os ricos, que pensam durar eternamente. 

A certeza é a de que, ao partirem, verão o seu patrimônio dilapidado por ambições dos herdeiros. O futuro reservará à fortuna um fim melancólico. Herdeiros, na verdade, serão os advogados, como remuneração pelo trabalho para destrinchar as brigas homéricas das gerações tão gananciosas como seus extintos pais.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Péssimas ambientais

Quando fui solicitado a fazer uma terceira edição do meu livro “Ética Ambiental”, incluí um capítulo que chamei “Péssimas ambientais”. Como o nome diz, é o rol de más notícias em relação ao meio ambiente. Ao lado dele, tentei esboçar um “Nem tudo está perdido”, para mostrar as boas novas ecológicas. Mas estas perdem de lavada. 

Hoje, uma quarta edição teria o nome “Péssimas Ambientais Intensificadas”, pois a humanidade não aprende a se comportar. Basta atentar para o que se noticia recentemente. A emissão de gases de efeito estufa aumentou em São Paulo. A cidade não cumprirá a meta de reduzir em 30% suas emissões entre 2003 e 2012. Isso porque a frota de carros atingiu os níveis responsáveis pelo caos no trânsito que é a regra na insensatez metropolitana. 

Para piorar, reduziu-se o uso do etanol, para o mercado se servir da péssima gasolina, com enxofre acima do tolerável, fornecido pela nossa campeã do combustível. Quase metade das cidades não fiscaliza a qualidade da água. Só 28% têm política de saneamento básico. 32,3% têm programa de coleta seletiva, o que significa que 42,7% não possuem projeto ou ação dessa estratégia imprescindível à redução dos níveis de poluição. 

A política energética está equivocada há decênios. Planejamento falho, muita energia desperdiçada nas linhas de transmissão e potencial eólico e solar menosprezados. Não há a menor chance de sustentabilidade no setor. Não é por falta de advertência: procurem o que José Goldenberg vem falando há anos. É falaciosa a ideia de que a energia hidrelétrica é limpa.

Na realidade, é a que mais interessa à política, pois o vulto das edificações é tamanho, que os “caixa 2” e a corrupção dificilmente vêm à tona. Por que será que o Nordeste registra a pior seca em 50 anos? 122 dos 184 municípios de Pernambuco vivem em estado de emergência. A estiagem afeta lá 1,2 milhão de pessoas. 

As perdas se elevam a 370 mil hectares de lavoura de subsistência. Na Paraíba, 70% da população vive em situação de emergência. Mesmo assim, festeja-se o Brasil Grande, da Inclusão e do êxito em todas as políticas públicas. Daria para continuar o rosário das misérias. Deixemos para outra vez.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Poço de preconceito

Ortega y Gasset afirmou que somos nós e nossas circunstâncias. Não teria errado se tivesse dito: somos nós e nossos preconceitos. Mesmo que não admitamos, somos preconceituosos. Temos pré-compreensões geradas na família, na escola, na religião, na sociedade. Elas moldam a nossa concepção de vida e orientam o nosso convívio. 

O magistério mal remunerado, sem tempo de se reciclar, sem o descanso sabático do Primeiro Mundo, é um terreno fértil para o aprofundamento preconceituoso. Assim, não é raro se divida a classe entre os ‘burros’ e os ‘inteligentes’. Quando o professor acredita que um aluno é menos dotado, sua crença vira sentença. Ele condena o objeto de seu preconceito a um rendimento menor. 

Isto não é ‘achismo’, senão resultado da pesquisa que o educador Robert Pianta, Reitor da Escola de Educação Curry, da Universidade de Virgínia, fez com alunos do nível fundamental. Para ele, o professor desestimula os alunos que considera menos capazes de todas as formas possíveis. Sorrindo menos par eles, mostrando impaciência, não levando suas dúvidas a sério. 

Desde os anos 1960, sabe-se que a expectativa dos professores é decisiva no processo de aprendizagem. Para evitar que a baixa expectativa atrapalhe o desempenho do aluno, recomenda-se ao professor que numa sala com 30 alunos, dedique um dia por mês para dar atenção especial a cada um. Converse com o aluno, pergunte sobre suas dificuldades e se gosta das lições. 

É importante definir um tempo padrão para que os alunos respondam às questões, destinando o mesmo tempo a cada um. É saudável demonstrar surpresa quando um aluno tira notas baixas e deixar claro que se esperava mais dele.   Se necessário, deve-se mudar os alunos de posição na sala, de quando em quando, para não ficar próximo sempre dos mesmos estudantes.

Verdade que muitos professores não precisam pensar nisso, pois desenvolveram suas próprias técnicas de valorização do alunado. Todavia, não custa fazer um exame de consciência para concluir se o docente está fazendo o seu melhor para aproveitar a potencialidade dos educandos. Por melhor que a auto-estima nos considere, há sempre espaço para crescer e para se aperfeiçoar. 

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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A jovem centenária Zuleika

Ontem completou 100 anos uma jundiaiense ilustre. Ela nasceu aqui e é descendente do Major Sucupira. Seu nome: Zuleika Sucupira Kenworthy. Pioneira e corajosa, foi a primeira mulher a ingressar por concurso público na carreira de Promotor de Justiça. O Ministério Público reservava as suas vagas para homens. Zuleika insistiu, mostrou-se imbatível no certame, enfrentou uma Banca resistente e não havia como deixar de aprová-la.

Foi a primeira mulher a ter acesso ao Ministério Público, não só no Brasil, mas em toda a América. Distinguiu-se por sua combatividade e destemor. Dinâmica, devotou-se integralmente a fazer justiça. Convenceu-se de que o mundo só seria melhor se a infância e a juventude merecessem a devida atenção. Notabilizou-se como Curadora de Menores e representou o Brasil em inúmeros certames internacionais.

Está aposentada há mais de 30 anos, porque o Brasil, país rico, dispensa aos 70 os seus luminares. Condena-os ao ostracismo. Mas ela soube aproveitar a vida. Católica praticante, liderou comunidades na capital, junto à Igreja de Sant’Ana, no Alto da Boa Vista, onde pude testemunhar de perto o seu apostolado. 

Estive há pouco em uma homenagem que ela recebeu da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Homenageada-mor, homenageou-me dizendo como havia me conhecido ainda na condição de Promotor Substituto. Maravilhosa essa jovem centenária que ontem recebeu mais carinho em Sorocaba, onde hoje reside. 

Para ela, o Príncipe dos Poetas Brasileiros, Paulo Bomfim, escreveu a saudação que segue: “Zuleika ternura, Zuleika coragem, Zuleika Justiça, Zuleika esperança, Zuleika saudade, Zuleika paulista, Zuleika amizade, Zuleika de um século, Zuleika e sua lenda, Zuleika e seu sonho, Nós todos unidos, irmãos em Zuleika”.

Jundiaí, berço natal dessa liderança pioneiríssima, está a dever uma homenagem à mulher que toda a Justiça da América aprendeu a admirar e que está lúcida, feliz, realizada, amada e que é justificado motivo de orgulho para todos os jundiaienses. VIVA ZULEIKA! Feliz primeiro centenário!

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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A decência ainda tem vez?

A morte de George S. McGovern, há poucos dias, abre oportunidade para algumas reflexões. Ele foi considerado por Robert Kennedy “o homem mais decente do Senado”. Em 1972, disputou a Presidência dos EUA com Richard Nixon. Era considerado um “quadradão” de Dakota do Sul, filho de um pastor metodista e de ter passado a maior parte de sua vida em pequenas cidades do interior.

Perdeu as eleições para Nixon, que depois mostraria sua verdadeira face. Mas deixou lições muito válidas para todas as Democracias. Ele participara da 2ª Guerra Mundial e se horrorizara com a tragédia de uma luta em que vidas eram ceifadas sem contemplação. Indignava-se com os “guerreiros de gabinete”, que enviavam jovens para morrer em nome de ficções como “soberania”. 

Tinha um critério moral de que não abdicava, mesmo quando isso pudesse por em risco suas ambições. Ao discursar durante a campanha num colégio em Illinois, ele exortou o povo americano a chorar não só pelos americanos mortos no Vietnã, mas também pelos vietnamitas vítimas das ações militares americanas. Chocava-se com a insensibilidade em relação às mortes dos inimigos e insistia em despertar a consciência de seus conterrâneos.

Para ele, o americano deveria encarar sua própria responsabilidade pelas consequências da guerra e abandonasse “aquilo do nosso caráter que nos desviou do caminho e nos afastou da verdade de que os vietnamitas são, como nós, filhos de Deus”. Evidente que isso irritava os políticos mais interessados na próxima eleição do que na ética norte-americana, que sequer lembrava a intenção dos federalistas. Por isso McGovern foi acusado de “moralista ranzinza enfurecido com seu país”. 

É óbvio que políticos que perdem as eleições vão residir no ostracismo. A vitória tem muitos pais. A derrota é órfã. Mas se a civilização fosse de fato “civilizada”, a luta moral não seria em vão. Ao contrário, deveria mostrar que numa vida humana tão curta – algumas décadas e nada mais – o bom exemplo fica, deve ser seminal, germinar e frutificar, para que não expire a esperança em uma humanidade mais sensível, mais ética e, em síntese, mais humana.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.