Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Design inteligente

Uma polêmica artificial é aquela gerada entre os que sustentam o criacionismo e os que seguem o darwinismo exacerbado. Ou seja: entre os que acreditam que o Universo é fruto de um design inteligente, cujo autor se chama Deus ou qualquer outro nome possa merecer e aqueles que atribuem a vida a uma grande explosão: o Big Bang. Penso que a discussão é artificial porque o criacionismo não descarta o evolucionismo. Fé sem razão tende ao fanatismo, enquanto que razão sem fé não explica o sentido último da aventura humana. A fé precisa da ciência, como a ciência precisa da fé.

O sociólogo britânico Steve Fuller, recentemente entrevistado, trouxe alguns argumentos interessantes para a reflexão. Comentou ele a proibição, nas escolas da Inglaterra, a que os professores lessem um singelo comunicado no sentido de que o darwinismo não é a única explicação para o surgimento da vida no planeta. Complementavam que a biblioteca do colégio dispunha de livros contendo outras teses e que estes se encontravam à disposição dos interessados.

Uma espécie de fundamentalismo inspirou essa vedação. Por que impor ao alunado uma única tese, se esta não é a exclusiva explicação para o surgimento da vida na Terra? O pensador Steve Fuller perfilha o criacionismo. Trouxe outros argumentos para reforço dessa opção. Eles são ponderáveis. Se o homem é a conjugação de fenômenos naturais ocorridos neste planeta, não parece insólito que suas preocupações ultrapassem os lindes terrenos? Como justificar o anseio cósmico desta criatura frágil – o caniço pensante – propensa a desvendar os segredos do Universo, do Cosmos, o enigma da vida, temas muito além daquilo que guardaria pertinência com um ser vivente originado nesse pequeníssimo planeta?

Só a inserção da consciência humana num grande projeto, naquilo que é hoje conhecido como design inteligente é que autorizaria concluir a superação dos limites da criatura considerada racional. O darwinismo que não admite a intervenção de Alguém fora da esfera humana ao traçar os destinos da humanidade precisaria fornecer outra resposta para a presente indagação. Como é que a vida surgida por acaso numa pequena esfera de um universo infinito nutriria essa vocação à infinitude?

Reflexo de que a alma humana possui algo de indefinível, inexplicável e que não pode ser traduzido em linguagem circunscrita aos que se satisfazem com o Big Bang. Como se um grande quebra-cabeças, de 5 mil peças, ao ser arremessado aleatoriamente para o alto, caísse de forma a recompor o desenho de que se originou e isso pudesse vir a ser atribuído ao acaso.

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Viveremos a democracia direta?

Quem estuda a Democracia aprende a concluir que sua forma direta é inviável. Mesmo no período áureo de Atenas, o século de Péricles, era restrita a poucos cidadãos que se reuniam na ágora, a praça de deliberação helênica. Somente os livres, não escravos, que pudessem permanecer sem trabalhar. Os trabalhadores eram excluídos, mulheres e estrangeiros também. Mas parece que o ciberespaço, o mundo virtual, abriu a esperança de que as pessoas venham a ser consultadas e efetivamente opinem sobre a gestão da coisa pública. Em virtude da eleição de Barack Obama, que se serviu da rede das infovias para se comunicar com o povo, essa oportunidade mostrou-se viável.

Durante a campanha ele disse: “Somos aqueles por quem estivemos esperando”, como a que sinalizar a abertura. A partir da posse, as agências federais foram orientadas a liberar online informações antes sigilosas. Repórteres da internet foram chamados às coletivas de imprensa. O portal Data.gov permite à cidadania criar aplicativos para analisar dados do governo. E instaurou-se a “crowdsourcing”: a solicitação via internet aos cidadãos para que deem ideias políticas e a permissão para que votem nas propostas uns dos outros. Também foi criado o “Citizen´s Briefing Book”, um resumo de sugestões da cidadania online, para que todos enviem ideias ao Presidente.

As mais bem classificadas são impressas e reunidas numa pasta como aquela que o Presidente recebe todos os dias como sinopse. O documentário inglês “Us Now”, pinta um futuro no qual cada cidadão estará conectado ao Estado tão facilmente quanto ao Facebook. Poderá escolher políticas, questionar políticos, colaborar com a comunidade. Será que podemos nos autogovernar? É a indagação que surge naturalmente. Vive-se uma era de experimentação democrática. Todos somos consultados constantemente pela internet. James Fishkin, cientista político de Stanford, analisa o fenômeno em seu livro “When People Speak” (Quando o Povo Fala). Mas também as mentiras se espalham como rastilho de pólvora. Cabe a nós decidir o que queremos dessa democracia online. No Brasil, tudo é mais lento. Em lugar de votar pela internet, somos surpreendidos pela volta do voto em papel… 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Pai rico, pai pobre

Os poucos livros vendidos no Brasil são de auto-ajuda. O utilitarismo predomina. Pouca gente quer se deleitar ou crescer intelectualmente. Quase todos querem resultado imediato. Principalmente na área material. Um desses sucessos é “Pai Rico, Pai Pobre”, de Robert Kiyosaki. Ele vendeu 30 milhões de cópias no mundo, 2 milhões no Brasil. Recusa o rótulo “auto-ajuda” e diz que ensina assuntos complexos de forma simples e não entende o que os economistas falam. Seus conselhos deram a ele uma fortuna. Adicional àquela obtida com a venda de 60 milhões de livros.

Para ganhar dinheiro, a pessoa tem de distinguir o que é ativo – tudo aquilo que permite embolsar mais pecúnia em seu bolso – e passivo tudo o que faz perder dinheiro. Passivo, para ele, é a casa em que se mora, o carro de passeio etc. Ativo é a casa que o proprietário pode alugar, o carro que serve para transportar passageiros ou mercadorias. Os mandamentos para a juventude: 1. os ricos compram ativos, os pobres só têm despesas e a classe média compra passivos pensando que são ativos; 2. a cada dia, em cada cédula que recebemos, decidimos ser ricos, pobres ou classe média; 3. para ganhar dinheiro, tem de empreender e administrar riscos.

4. há dois tipos de investimento: jogos especulativos (comprar na baixa e vender na alta) e os que rendem fluxo de caixa (aluguéis e dividendos); 5. não trabalhe para ganhar dinheiro: faça o dinheiro trabalhar para você. O dinheiro não pede salário e trabalha 24 horas por dia; 6. para os vencedores, o fracasso é uma fonte de inspiração; para os perdedores, uma derrota; 7. saber vender e administrar ajuda qualquer carreira; 8. antes de pagar suas contas, pague a você mesmo: guarde e invista; 9. devemos dar para poder receber. Sua concepção sobre a dívida é interessante. Para a maioria das pessoas, a dívida é empobrecedora.

Mas há dívidas boas. Conta que há cinco anos comprou 200 propriedades no Arizona. Depois, construiu mais 150 nos mesmos terrenos. O banco fez uma nova avaliação e devolveu o dinheiro emprestado para comprar a propriedade nua. Ele usa a dívida para elevar os seus ativos. Enxerga a escola como um local que não faz um bom trabalho para formar pessoas capazes de crescer. Elas só preparam para arrumar um bom emprego. Não ensinam a empreender e a minimizar riscos. Este é um trabalho que sobrou para os pais.

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Promessas, promessas

Ano de eleições, ano de promessas. Tudo vai mudar na próxima administração. Os erros serão corrigidos. Nova e promissora etapa será deflagrada. Acredite quem quiser. Poder prometer pressupõe poder agir sobre o mundo. É a capacidade de poder imputar a si mesmo a origem dos próprios atos. Mas há dois tempos na promessa: a dimensão linguística do ato de prometer enquanto ato de discurso e a característica moral da promessa, que passa para o primeiro plano de importância. Prometer é se engajar em ação futura.

A promessa não tem apenas um destinatário, mas um beneficiário. É por causa dessa cláusula do benefício que a promessa suscita a reflexão moral. E o que o locutor promete é “fazer” ou “dar”, não experimentar emoções, paixões ou sentimentos. Como diz Nietzsche, “podem ser prometidos atos, mas não sentimentos, pois estes são involuntários”. Por isso é insuficiente a boa intenção. Quem promete, na verdade, faz duas promessas. Aquela de fazer, mas uma promessa pressuposta e anterior: aquela de manter a palavra em todas as circunstâncias. A grandeza da promessa está em sua confiabilidade.
O aspecto fiduciário é comum à promessa e ao testemunho, o qual também inclui um momento de promessa. A testemunha pede que acreditem nela. Um testemunho não existe apenas para ser certificado, mas também para ser acreditado.Só que a promessa tem uma face sombria. A traição. Poder prometer é também poder romper a própria palavra. Foi isso que Nietzsche quis dizer em “Genealogia da Moral”: “Criar um animal que possa prometer não é a tarefa primordial que a natureza deu a si mesma em relação ao homem? Não é esse o verdadeiro problema do homem?”.

Se o ato de prometer define o que há de mais humano no homem, toda desconfiança a seu respeito só pode gerar efeitos devastadores na escala da condição moral do homem em seu conjunto. Haveria receitas para se evitar a traição. Quem promete precisa de caráter para “não prometer demais”. Lembrar-se do adágio grego: “Nada em excesso”. Depois, imbuir-se de uma ética raramente encontrável no animal político: o outro conta comigo e com a fidelidade à minha própria palavra. Devo responder à sua expectativa. Atenção às promessas e, mais ainda, a quem as faz.

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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A perda e o tempo

Grande é o poder da memória. Tanto que Agostinho diz: “eu me lembro de ter me lembrado”. Pois “o espírito é a própria memória”. A memória faz o ser humano feliz. Mas é perseguida por esse predador do tempo, o esquecimento, “que amortalha nossas lembranças”.

O que é uma lembrança perdida? A dracma da parábola, por exemplo, senão algo que de certa maneira estava na memória? Encontrá-la é, na verdade, reencontrá-la: “este objeto estava perdido para os olhos: a memória o guardava”.

Agostinho ousa o paradoxo: se nos lembramos do esquecimento é porque é a memória que o guarda. Medimos os tempos quando eles passam e é no interior da alma que se encontram – na visão agostiniana – as 3 orientações do mesmo presente: presente do passado na memória, presente do futuro na antecipação, presente do presente na intuição.
A alma é como o tempo: ele próprio, passagem do futuro para o passado através do presente. Mas o que é o tempo? A horizontalidade do tempo, que é também a da narrativa, é recortada no presente pela verticalidade da eternidade. O tempo impõe perdas. Perdas vitais. Seres queridos. Partes de nós mesmos. Quantas vezes não se sente possuir mais intimidade na transcendência do que no efêmero presente? Viver muito é sujeitar-se à multiplicação de perdas.

Todavia, o tempo é o próprio lenitivo a essas perdas. O desespero inicial, se não leva à loucura, age como cicatrizante. Aos poucos se atenua a dor. A miséria da condição humana – ou sua maior riqueza?… – faz com que a atenção se volte para o trivial. Pequenas coisas, até desprezíveis, vão tomando o lugar daquele sofrimento insuportável e, quando se vê, continua-se a respirar, a se banhar, a se vestir, a se alimentar. Às vezes, até como autômatos, aos quais uma energia invisível deu corda. Mas o corpo se reergue e prossegue.

Perdas há, que ainda não têm remédio. Uma delas é a perda da memória. Deletam-se as datas, os nomes, os fatos, as lições. Tudo se torna nebuloso e indefinido. Solução natural para não se apegar ao lado triste do existir? Desligamento gradual e involuntário do imenso milagre da vida? Castigo ou enfermidade? Só o futuro dirá.


José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Lutar pela amizade

Viver é também enredar-se em laços afetivos fortes, entre um número restrito de pessoas. Tais laços geram relações eróticas, familiares e de amizade. Todas elas situam-se num grau pré-jurídico de reconhecimento recíproco, no qual sujeitos se confirmam mutuamente em suas necessidades concretas. Portanto, como seres necessitosos. Cabe invocar a fórmula hegeliana: “ser si mesmo em um estranho”. Encaremos a amizade. O parentesco escolhido. Se “parente é acidente”, não se pode errar com o amigo, que é selecionado. Amigo que se faz, amigo que se perde.

Simone Weil já observou a respeito: “Há duas formas de amizade, o encontro e a separação. Eles são indissolúveis. Eles encerram o mesmo bem, o bem único, a amizade…Ao encerrar o mesmo bem, eles são igualmente bons; os amantes, os amigos têm dois desejos: um deles é o de amar-se mesmo que eles entrem um no outro e constituam uma unidade; o outro é o de amar-se mesmo que tendo entre si a metade do globo terrestre a sua união não sofra nenhuma diminuição”. Amigos aprovam-se mutuamente. É essa aprovação que faz da amizade o bem único, o bem tão precioso, seja na separação, seja no encontro ou reencontro.

A humilhação é a retirada ou a recusa dessa aprovação. O indivíduo sente-se como que olhado de cima, até mesmo tido como um “nada”. Privado da aprovação, é como se ele não existisse. Amizade pressupõe reciprocidade. As condições mais propícias ao reconhecimento mútuo, este reconhecimento que aproxima a amizade da justiça é a troca. Não o câmbio material, que é alimentado por uma tática do consumo que trivializa todos os afetos – “dia” disso, “dia” daquilo…  É a reciprocidade afetiva. Para isto não há regras, nem receitas. O único requisito é um coração abundante.

A abundância de coração perdoa os lapsos. Todos somos imperfeitos. É bom reconhecer-se ainda mais imperfeito que os demais. A busca aparente de equivalência impõe a subtração de julgamento. Esquecer as ofensas consiste em “deixá-las ir”. Não inscrevê-las no granito da memória. Deixar que as ondas do perdão as apaguem da areia. E continuar amigos. Sem isso, só se aumentará o crescente desencantamento do mundo.

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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O otimista do altruísmo

O lema de seu ex libris já refletia o otimismo com que encarava a vida: tudo faço com alegria. Ousado, não hesitava em alterar o rumo de sua aventura terrena. De revisor a jornalista, de jornalista a advogado, de advogado a empresário. Cultor do belo, estimulou as boas causas. Manifestou-se em relação a temas polêmicos. Não se escondia atrás de frases feitas. Tudo isso e muito mais era JOSÉ MINDLIN, que o Brasil viu adentrar na glória da eternidade a 28.2.2010.

Desde 1999 integrou a Academia Paulista de Letras. Aqui, foi acadêmico assíduo, entusiasta, colaborador e criativo. Quando foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 2006, não deixou de prestigiar seus confrades bandeirantes. Dividia-se entre as duas confrarias, a ambas atendendo em seus deveres acadêmicos.

Nunca deixou de votar nas eleições para prover as vagas abertas com a partida de confrades e confreiras, alguns dos quais seus fraternos amigos de longas décadas. Assim foi, por exemplo, quando lamentou a morte de MIGUEL REALE e de ESTHER DE FIGUEIREDO FERRAZ, sua mais próxima confreira. Partilhavam do núcleo comum derivado da mesma geração, de idênticos ideais, de similar participação na vida cultural brasileira e até se sentavam em cadeiras contíguas na sala de sessões da Academia.

A singeleza de seus gestos, a discreta presença, bem-humorada sempre, a palavra gentil para com todos os presentes, poderia destoar de quem esperasse uma postura compatível com sua fama. Figura legendária no Brasil contemporâneo, modelo de empresário socialmente responsável, corajoso ao evidenciar sua irresignação ante abusos do autoritarismo, seria compreensível viesse a ostentar laivos de legítima auto-estima. Ao contrário, era um homem bom. Profunda e essencialmente bom.

Essa bondade, compartilhou-a com os coetâneos e com a posteridade. Gesto singular numa sociedade impregnada de egoísta materialismo, JOSÉ MINDLIN garimpou durante mais de oitenta anos preciosidades contidas em livros e quis que esse tesouro fosse preservado para o aperfeiçoamento intelectual dos brasileiros de hoje e do porvir. Mesmo antes de ingressar nas duas principais Academias de Letras do Brasil – a Brasileira e a Paulista – JOSÉ MINDLIN já se tornara credor da perene gratidão de quantos querem uma humanidade mais humana.

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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A decisão de ser feliz

A releitura dos gregos continua fundamental. Eles fazem parte de nossos ancestrais culturais e a imagem que temos deles é intimamente vinculada à imagem que temos de nós mesmos. São as ideias de responsabilidade na ação, de justiça e das motivações que conduzem os indivíduos a realizar atos que serão admirados e respeitados. A partir dessa convicção, reconhece-se o homem que age e sofre, como ser capaz de certas realizações. É o reconhecimento da responsabilidade. Todo ser humano é um centro de decisões.

Em Aristóteles isso fica muito claro. Ele foi o criador da expressão e do conceito de teoria moral, enquanto disciplina distinta da metafísica, da física, do tratado sobre a alma e até mesmo do político. Diz ele: toda arte e toda disciplina científica – e o mesmo vale para a ação e a intenção moral – tendem rumo a algum bem. Qual é esse bem? Para a maior parte das pessoas, esse bem atende por um nome: a felicidade. Mas o que é felicidade? Isso depende dos gêneros de vida: vida de prazer, vida política, vida contemplativa.

Cada qual estabelece a sua hierarquia para atingir à sua finalidade. Toda criatura tem a missão própria e específica de viver uma vida completa. Para atingir a vida plena, é necessário o cultivo das virtudes. São excelências reitoras suscetíveis de balizar, determinar estruturas, tanto da aspiração à felicidade como da missão própria ao homem. “O bem do homem será uma atitude da alma segundo a virtude e, se houver várias virtudes, segundo a melhor e mais completa”.

Essa afirmativa é fundamental: exclui-se imediatamente a ideia de que a felicidade provém unicamente da graça divina ou da sorte: ela tem sua origem em nós e em nossas atividades. Nisso reside a condição mais primitiva do que denominamos reconhecimento de si mesmo. As virtudes são componentes da felicidade: “Como a felicidade é uma atividade da alma segundo a virtude completa, precisamos agora tratar da virtude: não é a melhor maneira de chegar a saber o que é a própria felicidade?”. Virtudes são estados habituais louváveis. Mas quem é que se interessa por virtude no mundo de hoje?

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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É virtuoso quem quer

O mundo precisa de pessoas mais virtuosas. De cafajestes já está pleno. Na concepção aristotélica, “as virtudes são de algum modo decisões intencionais ou, mais exatamente, elas não existem sem uma decisão intencional. A virtude do homem será também (como a visão faz que o olho seja bom) um estado que torna o homem bom e que lhe permite conduzir sua obra própria a bom termo”. Foi também Aristóteles quem elaborou a doutrina do “justo meio”: uma virtude é a medida viva entre o excesso e a falta.

Essa linha de divisão que delimita o justo meio característico a toda virtude. Entre a avareza e a prodigalidade, a virtude é o meio-termo. Não confundir com a mediocridade, com a mornidão, que segundo o Apocalipse, implicará em exclusão do rol dos eleitos. De posse de tais conceitos, em muita gente intuídos, é que o ser humano pode esboçar o seu projeto ético de vida. Projeto que incumbe a ele executar, pois depende apenas dele optar pelo rumo que imprimirá à sua trajetória existencial.

A responsabilidade é individual. Enquanto Sócrates dizia “ninguém é mau de bom grado”, Aristóteles retruca: “o mau é de bom grado”. A pessoa escolhe ser má, é sua opção trilhar o caminho errado. A “escolha preferencial” está em lugar de honra na consciência humana. Não é apetite, impulsividade, anseio: é uma decisão tomada por inteira responsabilidade do agente provido de razão. É preciso constatar uma grave anomalia mental para privar alguém da condição de centro de imputação.

Ou da situação de alguém capaz de responder por seus atos. A pessoa normal – ou que pretenda ser normal – deve saber-se capaz de atitudes sensatas. Tomadas após meditação e deliberação. Ser acometido de dúvidas é humano. Mas a dúvida tolerável é a metódica: hiato para chegar à decisão. É necessário banir a banalidade do “com certeza”, para assumir a responsabilidade de decidir.

Assim como deve ser vedada a dúvida sistemática, aquela que impede a pessoa de tomar uma deliberação e a faz objeto inerte ao sabor dos acontecimentos. É virtuoso quem quer. Basta começar a praticar atos virtuosos e o resultado será afastar-se e manter-se afastado do mal. Grande obséquio que se presta à humanidade.

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Caloteiros e ignorantes

É interessante um contraponto ao ufanismo reinante na Terra de Santa Cruz. Nem tudo aqui é maravilha como se propaga. Dois dados objetivos, para não correr o risco da subjetividade: a dívida pública e a educação. Cada bebê que nascer este ano de 2010, já nasce devendo R$ 10.500,00, diz Fábio Pina, assessor econômico da Federação do Comércio de São Paulo. Pois a dívida do governo já ultrapassa R$ 2 trilhões. Quem se dispõe a contribuir com essa quantia para amortizar o calote do governo brasileiro?

Para compensar, um estudo da Unesco sobre educação, realizado em 128 nações, mostra o Brasil num honroso 88º lugar. Atrás do Paraguai, Equador e Argentina. A situação piorou e o Brasil desceu 12 posições nesse ranking. O nosso país não serve de exemplo em nenhum dos itens avaliados. 18% dos jovens entre 15 e 17 anos não estudam. A gravidez na adolescência é uma das causas.

Ou seja: a ignorância vem a cavalo. Não só atrasa a vida de quem não estuda, como arremessa a uma subvida, a uma vida indigna, mais uma criatura predestinada a não participar do festival do consumo. O Brasil perdeu pontos porque a matrícula caiu, a taxa de sobrevivência na 5ª série também piorou, a reprovação, a retenção escolar e a baixa qualidade do ensino constituem uma âncora que puxa o progresso para baixo. Quase 20 mil escolas não têm energia elétrica e só 37% possuem biblioteca.

Enquanto isso, gasta-se horrores em avaliações, em propaganda e publicidade, sem investir adequadamente na formação de professores e numa injeção de consistência no ensino. O Brasil não tem a menor chance de sair da sua indigência cultural se não levar a educação a sério. Mas para isso, é preciso muito mais do que construir prédios e recrutar professores. É urgente criar a mentalidade de que estudar vale a pena.

Enquanto este for o país do jeitinho, da cunha, da indicação, do “por debaixo do pano” e enquanto a mediocridade e a malandragem prosperarem, por que a criança e o jovem vão querer se sacrificar com leitura e aprendizado? Sem isso, as crianças já vão nascer caloteiras – não há possibilidade de pagamento da dívida do governo – e vocacionadas à ignorância.

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.