Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Onde está o luar do sertão?

Ninguém mais canta “O Luar do Sertão” nos saraus. Na verdade, não há mais saraus. A juventude sequer sabe quem foi o compositor dessa música. Foi o maranhense Catulo da Paixão Cearense, nascido em 8.10.1863 e falecido em 10.5.1946, na rua Francisca Meyer, 78, casa 2, Engenho de Dentro, subúrbio do Rio de Janeiro.

Era um boêmio no Rio, para onde foi aos 17 anos e conseguiu tornar-se conhecido e cantar em rodas de choro, mas também no Palácio do Catete, para os presidentes Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. A mulher deste, Nair de Teffé, era grande incentivadora de todas as artes.

Muito vaidoso, Catulo contava a todos que, após recitar o seu “Hino Às Aves” para Rui Barbosa, o baiano caiu em pranto. Só então é que Catulo se rendeu à unanimidade nacional e considerou a “Águia de Haia” um verdadeiro gênio. Por sua gabolice, era alvo de brincadeira dos amigos. Quando ensinava violão aos filhos do senador Gaspar da Silveira Martins, fizeram com que uma jovem semidespida entrasse em seus aposentos. 

Catulo a atacou e a moça ensaiou um escândalo, que fez intervir a polícia e forjou-se um casamento falso para “reparar o dano”. Em lugar de se enraivecer, Catulo ficou contente ao saber que o casamento não valera.

Ele foi glorificado em vida e suscitou uma homenagem com a inauguração do próprio busto, numa campanha chamada “O tostão do povo”. Ele cobrava a todos a subscrição da lista de adesões e se irritava com quem se recusasse a colaborar. A festa de inauguração no Palácio Monroe foi em 1940 e a multidão compareceu para prestigiá-lo.

Daí por diante, ele rapava a cabeça para se tornar parecido com o busto. Achava que, sem cabelos, tornava-se mais semelhante com a escultura. Quando da festa de descerramento de sua cabeça, disse que o povo o consagrara em vida e que até o Presidente da República dera dinheiro de seu bolso para custear a obra.   

Esse homem peculiar, verdadeiro artista que tanto agradou ao povo, foi o autor do “Luar do Sertão”, cujos primeiros versos os mais velhos ainda se recordam: “Não há, ó gente, ó não, luar como este do sertão…”. Hoje, a poluição não deixa ver o luar e a destruição da mata fez desaparecer o sertão.

 

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Os centenários de 2012

O ano de 2012 é pródigo em centenários. Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Luiz Gonzaga. O compositor de “Asa Branca”, legenda nordestina, nasceu em 13.12.1912, na Fazenda Caiçara, em Exu, Pernambuco. O nome era uma tríplice homenagem; a Santa Luzia, a São Luiz Gonzaga e o sobrenome Nascimento atribuído por nascer no mesmo mês em que Jesus veio ao mundo.

Comprou sua primeira sanfona aos 13 anos, vai servir o Exército em Fortaleza, por não conhecer a escala musical é reprovado em concurso para músico em uma unidade do Exército em Minas. Vira tambor-corneteiro e ganha o apelido de “Bico de Aço” em 1933. Passou a compor e teve 275 parceiros letristas e compositores em 833 faixas de disco. Em 1944 ganha o apelido “Lua”, invenção de Dino 7 Cordas em razão do rosto arredondado e divulgado por Paulo Gracindo na Rádio Nacional.

Em 1947 grava “Asa Branca”, e adota o chapéu de couro semelhante ao usado por Lampião. Em 1951 é consagrado como o “Rei do Baião” e em 1954 conhece Neném, mais tarde Dominguinhos, com 14 anos, em Garanhuns. Em 1980 canta para o Papa João Paulo II em Fortaleza e em 1982 em Paris, se apresenta na casa de espetáculos Bobino. Passa a assinar seus discos como “Gonzagão”.

Morreu em 2 de agosto de 1989, no Recife. Hoje há um museu de Luiz Gonzaga em Exu, no Pernambuco, onde em 1964 adquiriu terrenos para construir o Parque “Asa Branca”. Câmara Cascudo, historiador e folclorista, disse de Luiz Gonzaga: “Ele próprio é a fonte, cabeceira e nascente de suas criações. O sertão é ele. A paisagem pernambucana, águas, matos, caminhos, silêncio, gente viva e morta. 

Tempos idos nas povoações sentimentais voltam a viver, cantar e sofrer quando ele põe os dedos no teclado da sanfona. Luiz Gonzaga presta-nos uma colaboração viva, pessoal, humana”. E o próprio Luiz Gonzaga narra sua origem: “Fui um moleque feliz. No sertão, todo moleque que não vive no domínio de senhores perversos é feliz. 

Tem suas compensações, a pobreza. A liberdade ampla, a natureza imensa a sugerir uma grandeza que está longe de atingir”. Não é possível esquecer quem acalentou com seus xotes e baiões tanta criança ou adulto, com coração de criança em todos os rincões deste Brasil.

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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E depois da prisão?

Parece incrível que em pleno século XXI, no terceiro milênio, a sociedade ainda não tenha encontrado outra fórmula para responsabilizar o infrator por sua conduta, a não ser a prisão. Todos sabem que encarcerar não é solução. O cárcere brasileiro é na maior parte das vezes indigno de abrigar seres humanos. Concentra malefícios, potencializa o ressentimento, gera revolta e produz uma criminalidade muito mais perigosa do que aquela trazida por quem nele ingressou pela vez primeira.

Todavia, a resposta estatal, aplaudida pela população, é a de se multiplicar presídios. A cada ato infracional, clama-se por prisão. Mas ninguém quer cadeia perto de sua casa. Os mesmos municípios que pedem o fim da impunidade e a segregação do criminoso fazem comitivas para rechaçar a possibilidade de edificação de penitenciária em seu território.

Em teoria, o sistema carcerário é perfeito. Há previsão de progressividade, à medida que o encarcerado se conscientize do mal perpetrado e se regenere. Um dos derradeiros passos antes do retorno ao convívio social é a concessão de indultos ou saídas carcerárias. É um benefício a que o sentenciado tem direito e que não pode restar ao arbítrio do juiz das execuções criminais.

Foi por isso que a Portaria 2-2012 de Presidente Prudente não pode prevalecer em sua inteireza e teve três de seus artigos revogados pela Corregedoria Geral. É que apenas 107 presos seriam beneficiados com o indulto de Páscoa, por falta de tornozeleiras eletrônicas. Não é a existência desse equipamento que deve condicionar a fruição do benefício. Se o reeducando tem direito a ele, cumpre permitir a saída, a despeito da carência do objeto. A Administração Penitenciária tem de ser provocada ou mesmo compelida a adquirir tais dispositivos de monitoramento eletrônico. Mas a sua falta não pode proibir que o sentenciado com direito ao indulto deixe de gozá-lo.

O CNJ lançou o projeto “Começar de Novo” para cuidar de oferecer ao egresso uma possibilidade real de reinserção na vida social. Com base nele, recentemente, a mão de obra carcerária encontrou espaço para trabalhar no “Itaquerão”, o Estádio do Corinthians que tem de ficar pronto para a Copa de 2014. Que outros projetos surjam e, igualmente, frutifiquem! 

 

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Papel deve ser eterno?

Não sei se as pessoas têm ideia de quanto se gasta no Judiciário com o arquivamento de processos. O artigo 1215 do Código de Processo Civil de 1973 previa a possibilidade de desfazimento dos autos findos, após certo tempo. A OAB impugnou a validade desse dispositivo, sob argumento de que a História da Justiça poderia desaparecer. O exemplo histórico sempre mencionado é a destruição dos autos da escravidão, autorizada por Ruy Barbosa, que privou o Brasil de saber de onde vinham e como eram recrutados os africanos exportados para o Brasil desde a descoberta, até pouco antes de 1888.

Obteve-se medida liminar junto ao STF e, desde então, controverte-se a questão da guarda e arquivo de autos findos. Continuam a existir adeptos de ambos os lados. Mas o STJ, no dia 9 de março de 2012 editou a Resolução 5-12, a dispor sobre o PCTT – Área Fim – Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade dos Processos e Documentos Judiciais da Corte. 

É um instrumento arquivístico de classificação e destinação dos processos e demais documentos judiciais de competência originária do Tribunal, independentemente do suporte em que estejam registrados. Esse plano estabelece prazos prescricionais e precaucionais aos autos findos, após os quais são separados os de interesse informativo e histórico, a serem conservados permanentemente. 

Já os sem importância serão encaminhados para descarte. Isso deve inspirar os demais Tribunais, para que se animem a descartar autos findos sem qualquer interesse. Não se invoque o processo de acidente de trabalho que contém relato da perda de um dedo de metalúrgico depois eleito Presidente da República. É uma exceção excepcionalíssima, com 99,99% de chances de nunca mais ocorrer. 

O importante é questionar se o povo pretende continuar a gastar com empresas que mantêm os autos encerrados em espaços climatizados, enquanto boa parte da população habita as ruas, os baixios dos viadutos, qualquer reentrância existente nas cidades. É mais importante guardar papel do que propiciar vida digna a seres humanos? A resposta a esta indagação equivalerá à nota com que esta civilização será avaliada no futuro.

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Já que funciona…

A utilização da informática é irreversível e adentrou a inúmeros espaços da vida contemporânea. As comunicações passaram a ser instantâneas, seja numa relação interpessoal, seja nas redes sociais. Isso importou em verdadeira revolução: transparência e inflação informativa. Mas também as operações bancárias podem ser feitas na internet, assim como as compras de qualquer produto. Não é só. A escolha dos mandatários da representação política se faz também mediante o sufrágio eletrônico. O Brasil tem know-how para ensinar o mundo todo a votar com o uso de máquinas. Todos esses campos foram atendidos com eficiência e a sistemática mostrou-se inteiramente exitosa. Já que funciona, por que não ampliá-la?

 

Penso em algumas hipóteses factíveis. Por exemplo: os parlamentares federais vão a Brasília, em semanas com feriados, apenas para encostar o dedo no controle de presença e voltam para seus estados de origem. Quanto custa isso para o povo? Se fosse permitido a eles o voto eletrônico, poderiam exercer a sua vontade sem se locomover. O mesmo se diga em relação às eleições para todos os cargos submetidos a sufrágio. A cidadania já consegue acionar o voto eletrônico, mas ainda se vê obrigada a sair de casa, enfrentar filas e o custo do “espetáculo democrático” é elevado. Por que não se ampliar a possibilidade do exercício da escolha permitindo ao eleitor votar de sua própria casa? Não existe mais segredo na sistemática. Ela foi provada e comprovada, já passado o período experimental e expungidos todos os possíveis defeitos.

 

O controle da autenticidade da emissão de vontade é tecnologicamente viável. Existe certificação digital, chave-Brasil e outras formas de controle. O custo-benefício da adoção dessa providência favorece, de maneira indiscutível, a ousadia de uma eleição inteiramente virtual. Indague-se das televisões que fazem consultase interagem com milhões de telespectadores, se encontraram alguma dificuldade em aferir a vontade dos partícipes. Dirão que nunca houve dúvida a respeito. É um teste que não pode ser desconsiderado. Para um país com tanta carência, toda forma de economia precisa ao menos ser ponderada, sopesada, examinada e submetida à manifestação da vontade soberana do povo. 

 

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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De bicicleta pela Provença

Quando adolescente, sonhava com a Europa. Só consegui conhecê-la ao completar trinta anos. Já me considerava um velho. Mas o encanto perdurava. Em Paris, ouvia aquela musiquinha permanente do acordeão de minha fantasia. Tive o privilégio de visitar Paris outras 13 vezes. Acho que conheço melhor Paris do que São Paulo. Já fui até o final de todas as linhas de Metrô, percorri os subterrâneos, os cemitérios, todos os templos. Comecei com as igrejas de invocação a Nossa Senhora. Em seguida, conheci as demais.

Sem falar nos museus, nos lugares do turismo e aqueles desconhecidos pelos turistas. É a vantagem de ter sido aluno da Escola Nacional da Magistratura, situada na Ile de la Cité, com a janela de minha classe aberta para os fundos da Notre Dame. Mas viajar passou a ser terrível, com o excesso de pessoas, sua falta de civilidade, atrasos nos aeroportos. Agora, as viagens têm de ser diferentes. 

Penso, por exemplo, em percorrer de bicicleta a Provença, a região francesa equidistante entre os Alpes e o Mediterrâneo. Lugar de campos de lavanda e girassol, construções romanas de dois milênios, encantadores vilarejos medievais. Viajar pela Provença de bicicleta dura sete dias e custa 3.170 euros. 2 noites num castelo presenteado por Franz Liszt a uma de suas amantes. Visita a Avignon, onde moraram 7 Papas no século XIV e deixaram a maravilha do Palais des Papes, formidável construção gótica. 

Passar por Saint-Rémy, onde Van Gogh morou no manicômio e Nostradamus previu o fim do mundo. Cidadezinhas como Uzès, Les Baux, Mourièrs e Eygalières. E provar o Chateneuf-du-Pape, produzido na cidade do mesmo nome. Os grupos são de 12 pessoas e não é necessário ser atleta. A bicicleta é modelo híbrido, Trek ou Scott e tem o conforto de mountain bike com a performance de uma speed de pneus menos espessos e mais aderentes. 

O percurso é por estradas vicinais, cerca de 50 km por dia. Pouco trânsito e raros aclives. Pode-se até descansar um pouco na van, se estiver cansado. Enfim, é um apelo e tanto para quem já se cansou do turismo convencional. Alguém se habilita?

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Uma vez é suficiente

A primeira vez que fui para a Europa foi em 1976 e viajei com Francisco Vicente Rossi e suas irmãs Conceição e Ana Maria. Depois de percorrer o circuito tradicional, pudemos estender a viagem ao Oriente. Deixamos a bagagem no domicílio vaticano de D. Agnelo Rossi e fomos para o Egito, Jordânia e Israel. Amã, capital da Jordânia, é uma cidade interessante. Mas muito mais atraente são Petra e Jerash.

Confesso que não sabia muito a respeito de ambas. Tinha a vaga ideia de que Jerash era a Geraza do antigo testamento. Petra atrai hoje 4 milhões de turistas por ano. Há 36 anos não era tão visitada. Foi construída para ser a capital dos nabateus, mercadores ricos do comércio de seda, incenso e marfim. É uma maravilha esculpida nas pedras. Eram tão bons no entalhe que até cavaram um teatro no granito, com capacidade para 5 mil espectadores. 

Jerash é uma das mais bem preservadas cidades romanas do Oriente Médio. Tem ruas, praças, templos, teatros e um hipódromo imenso. Ali, pode-se assistir encenação de corridas de bigas e lutas de gladiadores. Kerak é um castelo construído no século XII por soldados cruzados. Centenas de túneis e passagens secretas podem ser percorridos. Madaba, cidade vizinha ao castelo, ostenta um mapa da Terra Santa, feito em mosaico e cobrindo o chão de uma basílica ortodoxa.

Era para orientar os peregrinos a caminho de Jerusalém. Na Jordânia vimos alguns dos lugares mais sagrados do Velho Testamento. O lugar em que Jesus foi batizado, o túmulo de Aarão, irmão de Abrão e o monte Nebo, de cujo cume Moisés teria avistado a Terra Prometida e, não chegando a ela, ali escolheu o lugar para morrer. Não entramos no Mar Morto, o mais antigo Spa natural do mundo. Dizem que o corpo flutua nas águas mais salgadas do mundo. 

Mas ele estava todo cercado de arame farpado. De lá, fomos por terra a Israel. Naquele tempo, tivemos de carregar as malas, submetidos a uma revista rigorosíssima, antes de ingressar na Terra Santa. Jordânia é um espetáculo, mas não tenho vontade de voltar, assim como acontece com Paris, da qual não me canso. Uma vez é suficiente e, depois disso, guardá-la na memória. Por sinal que, naquela viagem, tive o cuidado de passar as mãos pelas pedras e esculturas, sensação ainda hoje hábil a reviver tal experiência, graças à pouco explorada memória tátil. 

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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E depois da prisão?

Parece incrível que em pleno século XXI, no terceiro milênio, a sociedade ainda não tenha encontrado outra fórmula para responsabilizar o infrator por sua conduta, a não ser a prisão. Todos sabem que encarcerar não é solução. O cárcere brasileiro é na maior parte das vezes indigno de abrigar seres humanos. Concentra malefícios, potencializa o ressentimento, gera revolta e produz uma criminalidade muito mais perigosa do que aquela trazida por quem nele ingressou pela vez primeira.

Todavia, a resposta estatal, aplaudida pela população, é a de se multiplicar presídios. A cada ato infracional, clama-se por prisão. Mas ninguém quer cadeia perto de sua casa. Os mesmos municípios que pedem o fim da impunidade e a segregação do criminoso fazem comitivas para rechaçar a possibilidade de edificação de penitenciária em seu território.

Em teoria, o sistema carcerário é perfeito. Há previsão de progressividade, à medida que o encarcerado se conscientize do mal perpetrado e se regenere. Um dos derradeiros passos antes do retorno ao convívio social é a concessão de indultos ou saídas carcerárias. É um benefício a que o sentenciado tem direito e que não pode restar ao arbítrio do juiz das execuções criminais.

Foi por isso que a Portaria 2-2012 de Presidente Prudente não pode prevalecer em sua inteireza e teve três de seus artigos revogados pela Corregedoria Geral. É que apenas 107 presos seriam beneficiados com o indulto de Páscoa, por falta de tornozeleiras eletrônicas. Não é a existência desse equipamento que deve condicionar a fruição do benefício. Se o reeducando tem direito a ele, cumpre permitir a saída, a despeito da carência do objeto. A Administração Penitenciária tem de ser provocada ou mesmo compelida a adquirir tais dispositivos de monitoramento eletrônico. Mas a sua falta não pode proibir que o sentenciado com direito ao indulto deixe de gozá-lo.

O CNJ lançou o projeto “Começar de Novo” para cuidar de oferecer ao egresso uma possibilidade real de reinserção na vida social. Com base nele, recentemente, a mão de obra carcerária encontrou espaço para trabalhar no “Itaquerão”, o Estádio do Corinthians que tem de ficar pronto para a Copa de 2014. Que outros projetos surjam e, igualmente, frutifiquem! 

 

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Reinserção ecológica

A mesma sociedade que reclama da impunidade e quer ver o infrator na cadeia, precisa pensar num projeto de reinserção do egresso quando ele tiver cumprido a pena. Na era de hedonismo e egoísmo predominantes, não são muitos os cidadãos interessados em assumir compromissos em tema tão nevrálgico. Todavia, à falta de iniciativas cidadãs, o Estado tem de fazer sua parte. 

Assim foi que o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, criou o projeto “Começar de Novo”. Por ele, cuida-se de propiciar ao egresso do sistema penitenciário uma chance de se reintegrar. Algo que significa boa notícia, numa época em que proliferam as péssimas novas, é a encomenda que o Projeto Liberty, uma ONG situada em Campinas, recebeu para fabricar 500 mil sacolas ecológicas, feitas de papel. 

São setenta os trabalhadores ex-detentos, dependentes químicos, em situação de morador de rua e portadores de HIV que trabalham na confecção desse produto. A notícia é oportuna, porque coincide com a proibição das sacolas plásticas indestrutíveis e muito nocivas ao ambiente e a necessidade de recipientes que possam substituí-las. Apenas pessoas muito especiais podem se sensibilizar com o tema, assim como as equipes voltadas a atuar nas Pastorais Carcerárias, como o faz com devotamento a jundiaiense Maria Cristina Castilho de Andrade.

No âmbito nacional, o pensador José Pastore, meu confrade na Academia Paulista de Letras, desenvolveu interessante projeto para a Febraban, que também deu passos voltados ao aproveitamento do egresso no sistema bancário. Enquanto isso, rediscute-se o Código Penal, vigente desde a década de quarenta do século passado e novamente se questiona o papel da prisão na recuperação do condenado.

Em outros países a pena alternativa é mais utilizada e todos sabem que para um tipo de infrator, a punição financeira é muito mais gravosa do que a perda da liberdade. É hora de se pensar seriamente nisso. A continuar a insistência no cárcere como resposta única, a nação se transformará num enorme presídio, tendência que os Estados Unidos não conseguiram até o momento reverter. 

E fale-se de uma das mais poderosas economias do globo! O Brasil terá condições de sustentar um padrão análogo, com todas as suas carências e com o reconhecido déficit em todas as demais prestações sociais?

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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O que é mais fantástico?

Sempre acreditei num design inteligente para este mundo. Não me atrai a ideia de que de uma explosão tenha resultado esta ordem que deflui de leis perfeitas, que só aos poucos a mente humana vai desvendando. Para simplificar, uso a imagem de um puzzle, aquele quebra-cabeças com 5 mil peças. Custo a crer que, arremessado para cima, ao cair forme – espontaneamente – o desenho perfeito. Cada peça a se encaixar na outra, sem a intervenção de qualquer inteligência. Humana ou sobre-humana. 

Quando fui assistir, no ano passado, a Alain de Botton em sua conferência no projeto “Fronteiras do Pensamento”, meu amigo Pierre Moreau me propiciou conhecê-lo. Após assistir a sua fala sedutora, a mostrar os benefícios que o Cristianismo legou à civilização, indaguei porque não ficava com o “pacote inteiro”. Ou seja: ele afirmou que a religião promovera obra magnífica em termos artísticos. 

O que seria do mundo sem as pinturas, as esculturas, as músicas produzidas pelo cristianismo? Também graças à religião, a humanidade aprendera a se organizar, a viver comunitariamente, a disseminar concepções de vida. A educação religiosa ainda hoje é um nicho de excelência, diante da evidente incapacidade estatal de treinar pessoas para serem felizes. Ora, se a religião é artífice de tantos benefícios, por que já não incorporá-la com a ideia que fomentou tudo isso, ou seja, o próprio Deus? 

Por que se aproveitar de tudo o que o Cristianismo legou ao mundo e afastar Deus desse projeto em curso e, à evidência, tão exitoso? Agora encontro um argumento a mais a favor do criacionismo. Acabo de ler “Bauman sobre Bauman”, um diálogo levado a efeito na primavera e verão do ano 2000. Keith Tester, estudioso de Bauman, o instiga a falar de si e do mundo. Lá pelas tantas, Zygmunt Bauman diz: “Admito que, como uma história da passagem do nada ao ser, acho a narrativa do “big bang” muito mais pobre que a história do trabalho de Deus em seis dias.

E menos esclarecedora. Não há nela um personagem para nos informar, após frações do primeiro segundo, se aquilo que emergiu do puro “nada” era bom ou mau”. Não precisava dessa confirmação. Mas fico mais confortado, porque um dos mais instigantes pensadores contemporâneos também não se convence da tese ateísta, propagada qual verdadeiro evangelho por aqueles que não creem e, não satisfeitos, querem que o mundo inteiro também perca a fé.

José Renato Nalini é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.