Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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QUERIDAS COZINHEIRAS

O Brasil perdeu algumas décadas e é improvável as recupere em alguns setores. Indústria sucateada, pesquisa inexistente, escola deficiente, inovação em baixa. Como não existe progresso “per saltum”, inviável acreditar que disparemos para competir, por exemplo, com os “tigres asiáticos”.

O avanço deve ser por outras vias. Aquelas nas quais não se corre o risco de substituição pelo algoritmo. Penso na transformação do País num refúgio turístico verde, preservado, despoluído e desviolentado. Ou seja: desprovido de violência. Assim como hoje se fala em “despiora” da situação econômica, pode-se valar em “desviolência” para coibir os elevados índices de crueldade que afastam os turistas e aterrorizam os brasileiros.

Um setor em que o Brasil seria imbatível: a gastronomia. No mundo dos congelados, dos fastfoods, dos sanduíches que só fornecem obesidade, explorar aquele talento de quem cozinha por amor.

Durante minha já longa existência, experimentei as delícias dessas verdadeiras fadas, magas generosas que nos preparam ambrosias. Aqui mesmo, em Jundiaí, havia a Angelina, que trabalhava para D.Hilda Del Nero Bisquolo, a mãe da Lolô. Nunca me esqueço do que ela aprontava para o piquenique de 1º de maio! No Tênis Clube da Rangel, a família Machado também reinava com seu especial tempero.

O que falar então de D.Léta, que fazia milagres no forno e fogão? Legou ensinamentos para uma legião de pessoas, inclusive seu neto José Oswaldo. Quando frequentei a Fazenda Campo Verde, de Dulce e Victor Geraldo Simonsen, havia o chef João, que era especialista em galinha d’angola ao molho pardo e em confeccionar “marron glacé” com as castanhas colhidas ali mesmo. A Julieta, que esteve na Fazenda Santa Rosa, com Rosa Scavone, durante décadas, era outra maravilhosa quituteira.

Na família que me acolheu pelo casamento, havia a Benedita, banqueteira de mão cheia. Especialista em preparar refeições para muitos convidados. Também Benedita, outra profissional competente, cujos almoços em casa de Rosana Scavone Dall’Acqua eram sempre elogiados.

Durante algumas décadas almocei semanalmente – e às vezes, muito mais do que uma vez – em casa de Paulo Bomfim. Ele sempre teve amigos em volta à mesa farta, com excelente vinho e melhor conversa. Lúcia, verdadeiro anjo, morreu cedo. Veio Helena, de Itanhaem, a atender o luxo do poeta.

Tragédia que tudo fique na lembrança. Mas é no treino para a cozinha, que não tem possibilidade de substituir o amor pelo computador, que talvez o Brasil possa impressionar o mundo.

Os inteligentes e visionários deveriam pensar nisso.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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CAPITAL DO LIXO

Não estou falando da capital paulista e dos resíduos sólidos que ela produz, em volume inacreditável. Penso no capital representado pelas centenas de milhares de propriedades regulares, que significam crédito inaproveitado e prejuízo evidente para o desenvolvimento nacional.

Quando um estrangeiro lúcido visita São Paulo e detecta a potencialidade creditícia das edificações, informado de que 90% das construções são regulares perante a delegação de Registro de Imóveis, sua perplexidade não tem tamanho. Não consegue atinar o motivo pelo qual essa fortuna deixa de se converter em crédito para o proprietário.

Afeiçoado à arqueologia da hipoteca, o mundo jurídico é tímido ao implementar a “home equity”, que faria enorme diferença nesta fase em que o Brasil tanto precisa de investimento.

Um passo adiante foi a alienação fiduciária em garantia, que alavancou o negócio mobiliário e cujo sucesso fez com que fosse estendida para o setor de imóveis. Mas ainda existe a camisa de força de permitir uma única operação de crédito, sempre muito inferior ao valor do imóvel. Desperdiça-se, com isso, promissora alternativa de incrementar operações saudáveis, com a imprescindível injeção de recursos no mercado.

A boa notícia é a de que o Banco Central e a Equipe Econômica acordaram para o inadmissível. Pensa-se em propiciar ao proprietário a obtenção de vários créditos, a partir do seu imóvel. Este será considerado um capital partilhável. Poderá ensejar simultâneos financiamentos, vinculados ao seu valor.

O que isso significa? O proprietário poderá concretizar sonhos hoje impossíveis. Adquirir imóvel de menor valor para a prole. Realizar a viagem que idealizou e nunca fez. Financiar os estudos de filhos ou netos. Há um leque de variadas opções que se viabilizarão em virtude de uma medida inteligente do governo.

O dinamismo que se entrevê a partir da adoção dessa providência estimulará a consolidação das fintechs, que disputam com os Bancos o papel de financiadores. Juros baixos, inflação controlada, tudo recomenda, nada inibe a implementação do home equity.

Para isso contribuiu o protagonismo lúcido daqueles que, a partir de 1988, receberam uma atividade estatal por delegação e a exercem hoje em caráter privado. O artigo 236 da Constituição da República é a mais inteligente estratégia do constituinte. Libera o Estado de uma obrigação multissecular, aquela confiada aos antigos cartórios e, sem que o governo invista um tostão na atividade, conferem-lhe singular performance. Não fora o selo empresarial cometido às atividades extrajudiciais e elas persistiriam a ostentar a resistência da sociedade, que alterou semanticamente o verbete “cartório”, impregnando-o de conotação pejorativa.

Hoje, o serviço de Registro de Imóveis do Brasil, sob a orientação segura do Judiciário, é uma ilha de excelência num oceano burocrático em que naufragam os empreendimentos. Levam a sério a Quarta Revolução Industrial, usam com desenvoltura as mais modernas tecnologias, abreviam prazos e propiciam pontos positivos no doing business do Banco Mundial.

Quando as entidades associativas se congregam e passam a atuar sob diretrizes homogêneas e direcionadas a reduzir o Custo Brasil, produzem indicadores que auxiliam o mercado. O Estado brasileiro está em fase de maturidade para deixar a hipoteca no seu museu e adotar a home equity, cujos resultados logo se farão sentir.

O Governo precisa se valer da experiência dos Registradores Imobiliários para colocar em funcionamento uma instituição exitosa em outros países e que em nossa terra, poderá evidenciar criatividade insuspeita, se vier a se valer da expertise das delegações.

Elas têm condições imediatas de aferir o valor real dos imóveis, de controlar as frações de obtenção do crédito, de zelar pela adimplência ou, em casos excepcionais de inadimplência, garantir ao credor a efetiva e célere obtenção do que lhe é devido. A estrutura está pronta e funciona.

Tudo sem judicialização, que é um dos flagelos da sociedade mais demandista do planeta, como se o nosso povo fosse o mais beligerante sobre a face da terra.

Os pontos favoráveis à implantação imediata da alienação fiduciária em garantia de imóveis para viabilizar a obtenção de vários créditos simultâneos são evidentes. A concorrência entre o sistema bancário e as startups financeiras assegurará ao interessado no crédito as melhores taxas.

A seguir, é enfrentar uma política estatal que tem sido negligenciada, apesar do esforço de alguns abnegados: a regularização fundiária. A par de transmitir à comunidade internacional a mensagem de um Brasil confiável, em que a segurança jurídica não seja ficção, representará um upgrade na cidadania. Aquela vítima de empreendedores inescrupulosos, considerada invasora ou ocupante clandestina, passará a ser dono. Seu status civitatis efetivamente valerá.  Isso reverterá em ambiente propício à dinamização do mercado, com a consolidação do curso rumo ao Brasil com que todos sonhamos. O capital voltará à sua vocação no capitalismo: valor destinado à consecução dos bens da vida.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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MANIQUEÍSMO NÃO RESOLVE

A recente aprovação de uma nova lei de abuso de autoridade gerou polêmica, fenômeno corriqueiro num Brasil habitado por antípodas. A polarização exacerbada leva os adeptos de uma posição extremada a considerar inimigos mortais aqueles defensores do extremo oposto. Perdeu-se, no país em que hoje vivemos, a capacidade de estabelecer diálogo, de ouvir ponderações e de tentar compreender a opinião diferente.

Nada obstante, a área jurídica é aquela que trabalha com ficções bem dogmáticas e consolidadas. Presume-se a boa-fé, embora prevaleça, na prática, a presunção de má-fé. Sustenta-se o princípio do contraditório e da ampla defesa, embora seja difícil concretizar sua vivência, quando o que está em jogo é o interesse imediato e localizado de um dos antagonistas.

Invoca-se, de forma recorrente, a fórmula republicana, a partir da concepção de que ainda não nos libertamos da impregnação monárquica. Subserviência, costumes ancilares, quais a tática das homenagens, sempre utilizada para reverenciar todos e quaisquer detentores de um grão de autoridade.

Ora, um dos princípios da República é a de que o exercente de cargo estatal é servidor do povo, o único titular da soberania. Qual o absurdo em se reclamar responsabilização daquele que, investido de função pública, responda por eventuais excessos praticados?

Toda instituição humana é suscetível de ostentar fissuras, fragilidades, máculas e vícios. Não há, sobre a Terra, alguém imune a claudicar.

Também não condiz com os ideais republicanos sustentar estruturas integradas por seres falíveis, que estejam acima de qualquer controle ou fiscalização. Magistrados, Membros do Ministério Público, Parlamentares, servidores qualificados, têm o dom da infalibilidade?

Os argumentos utilizados por aqueles que se opõem à normatização padecem de exagero. Ninguém pretende acabar com operações como a Lava Jato, que teve a coragem de exibir as entranhas da Administração Pública e a incestuosa relação que se estabeleceu entre alguns setores dela e o empresariado contratado para bem servir à Nação.

Os principais alvos dessa legislação integram carreiras públicas submetidas a regras próprias e cujos quadros são recrutados por seleção bastante aprimorada, ao menos em princípio. O concurso público de provas e títulos é a estratégia mais inteligente de se prover a República de pessoas qualificadas. Ocorre que essa modalidade persistiu durante tanto tempo, que passou a registrar algum cansaço do material. Os certames priorizam o conhecimento técnico, a capacidade mnemônica do candidato. Deste se exige, para ingresso em qualquer carreira pública, domine o enciclopédico acervo legislativo, doutrinário e jurisprudencial construído durante séculos de elaboração prolixa e sofisticada. Os concursos são tão previsíveis, que quem domina o mercado de preparação é a exitosa instituição dos chamados “Cursinhos”. Constituem comprimida revisão do bacharelado, exatamente para adestrar os pretendentes ao ingresso nas várias carreiras jurídicas.

Assim como a educação convencional, principalmente no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, negligenciou o desenvolvimento das competências socioemocionais, para privilegiar as habilidades cognitivas, os concursos públicos não conseguem aferir sensibilidade, empatia, compaixão, compreensão do largo espectro excluído do estrito domínio das ciências jurídicas. É o que explica certo descompromisso com o consequencialismo, dever ético do Juiz Brasileiro, previsto no artigo 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional, editado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2007.

A inconsequência de alguns eruditos, tecnicamente irreprocháveis, mas desatentos do mundo real e insensíveis ao que possam causar nos destinatários de sua atuação, faz com que se reveja o esquema de responsabilização normativa de diferenciados agentes públicos.

Não há, numa República, um detentor de cargo estatal imune a responsabilidade, insuscetível a qualquer controle, situado acima do bem e do mal. Nem pode haver quem, acreditando-se liberado de prestar contas, considerando-se de fato superior à cidadania – a cujo serviço foi criada a estrutura a que pertence – possa indignar-se quando o legislador, o formulador das regras do jogo, intenta impor limites a eventuais excessos.

Todas as instituições, empresas humanas, preordenadas a servir a finalidades humanas, precisam se submeter a controles. Desde os Romanos, já existia a preocupação de controlar os controladores. Uma das características do poder é obnubilar seu exercente. Rédeas soltas, ausência de cobrança, natural servilismo do amedrontado pela desenvoltura com que alguns heróis se propõem a ser a palmatória do mundo, pode conduzir a indesejáveis desacertos.

Aquele que se propõe a servir, na condição de servidor concursado, qualificado, diferenciado – mas sempre servidor – atento às virtudes republicanas que a tradição legou ao mundo civilizado, não tem de temer a existência de um código de conduta simbólico. Basta não incidir em comportamentos vedados, pois alvo de sanção, para continuar no bom e saudável desempenho de sua função institucional.

Um ordenamento que estabeleça limites a alguns integrantes de carreiras consideradas especiais, senão privilegiadas, é um testemunho da maturidade de uma Democracia que não pode permitir abusos de qualquer ordem.

É importante pensar nos vários aspectos dessa norma, sem o vicioso olhar do maniqueísmo reducionista, que pode turbar a clareza de uma proposta resultante de constatação de episódios insólitos, que só não incomodam aqueles que acreditam na garantia de nunca virem a sofrê-los.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente na Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULSITA DE LETRAS – 2019-2020.

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FALTA JUÍZO OU CARMA?

A se confiar na mídia espontânea, o Brasil está na UTI. Aquilo que é a mais urgente providência a ser tomada pelo Parlamento, parece naufragar num clima de estiolante debate. Não se leva a sério a gravíssima situação nacional, que é insuscetível de reversão, ainda que a Reforma da Previdência fosse aprovada sem uma única alteração.

Depois dela, a Reforma Tributária é também urgente, assim como a Reforma Política. Enquanto elas não se ultimam, são péssimas as notícias e os prognósticos.

Desemprego continua acima dos doze milhões. Aumentou o número dos subempregos. Não caem as estatísticas das mortes precoces. Mais de sessenta mil jovens assassinados por ano. Fora os acidentes de trânsito, os motociclistas, os pedestres.

As quadrilhas desenvoltas migram para as áreas menos vigiadas. A indústria da droga prospera. Apreensões gigantescas e crescimento da prisão dos pequenos traficantes, que lotam os presídios e passam a impressão de que o sistema punitivo funciona.

Importou-se a performance de fabricação de cigarro paraguaio no Brasil. Maquinário e pessoal se encarrega de produzir mais de cinquenta mil maços por dia, isso em apenas um episódio, ocorrido em Piedade. Há precedentes em outros Estados.

O que se propala em relação à tutela ambiental é de arrepiar. Após a revogação do Código Florestal em 2012, flexibiliza-se a cada vez mais o licenciamento, o que sugere liberação geral para o desmatamento, extinção da biodiversidade e política de terra arrasada.

Tudo o que se prometeu tende a ser procrastinado. Prazos infinitos para a observância da normativa de saneamento básico, importação autorizada de agrotóxicos nocivos, recusa a firmar acordo para o monitoramento de resíduos sólidos, que chega à cidadania como liberdade para receber lixo de todo o planeta. Assim como já aconteceu há tempos, com o lixo hospitalar contaminado que veio de navio a estas plagas.

O capital estrangeiro, abundante em países que fizeram sua lição de casa, foge do Brasil. Portugal já resiste a receber mais brasileiros e as filas diante do Consulado Italiano são termômetro de confiabilidade em nosso País.

Será que o Parlamento não lê jornais, não ouve rádio, não assiste TV? As redes sociais continuam a propagar mensagens eleitorais, como se já não tivéssemos feito uma escolha para os próximos quatro anos. Dos quais metade do primeiro já se escoou.

O tempo que se perdeu em corrupção, em má política, em malversação e falta de seriedade não se recupera. O progresso não ocorre por salto. É passo a passo, como fizeram Nações que enfrentaram catástrofes das quais o Brasil se livrou.

O que fazer?

Ilusão acreditar que a indústria brasileira alcance os patamares do Primeiro Mundo. Resta investir naquilo que podemos fornecer ao planeta: alimentação de qualidade. Mas cuidado: se continuarmos a desprezar os cuidados com a natureza, até esse mercado corre risco de vir a ser boicotado. Os que podem pagar querem produto de qualidade e provindo de uma sustentabilidade concreta, não apenas retórica.

Seremos o celeiro do mundo se cuidarmos de nossa natureza, exuberante e generosa. Se cumprimos aquilo que prometemos quando auxiliamos a elaboração do conceito de sustentabilidade, quando realizamos a Eco-92 e produzimos a mais bela norma ecológica do século XX, o artigo 225 da Constituição Cidadã.

Se nos afastarmos desse caminho, o caos anunciado pelos economistas estará mais próximo do que se possa pensar.

Há outros setores em que somos imbatíveis. Cultura, em todas as suas manifestações. Competimos com os Estados Unidos e com o Reino Unido na criação musical. Temos artistas plásticos inigualáveis. Somos bons em cinema, teatro, audiovisuais, gamificação.

Nosso folclore é um dos mais ricos da Terra. A dimensão continental permite que haja uma diversidade fabulosa. Tudo isso vale dinheiro. Alie-se tal patrimônio a uma indústria do turismo que mereça empenho e esforço. Por essa via, o Brasil poderá oferecer alternativa menos ingrata do que o panorama atual para a sua juventude.

O Brasil não tem tsunamis, terremotos, vulcões. Tem uma costa litorânea com todos os tipos mais cobiçados de orla, dos quais os países mais ricos são desprovidos. Tem verão o ano todo. Clima tropical ainda simbolicamente sedutor.

O que falta para que o mundo venha para cá?

Organização, segurança, confiabilidade. Cada notícia de assalto perpetrado contra turista é um golpe milionário na potencialidade financeira desta Nação. A fama de brasileiro cordial desaparece quando se mostra a situação do Rio de Janeiro, um dos lugares que a mídia aponta como dos mais perigosos do globo.

A China está em todos os lugares atrativos e sedutores, nem sempre compatíveis com as nossas ricas possibilidades. São milhões de chineses que percorrem o mundo, hospedam-se em hotéis, adquirem produtos, conhecem a gastronomia e injetam precioso recurso nas combalidas finanças daqueles que acordaram para o turismo profissional.

Não há necessidade de Pacto Federativo para tornar o Brasil um destino promissor. Basta que o governo imponha diretrizes ao setor, que o Parlamento crie condições favoráveis, que o Judiciário funcione a contento, convertendo em realidade o inciso 78 do artigo 5º da Carta Cidadã.

Cada município, como entidade federativa, deve investir em sua vocação turística e, por sua conta, chamar o estrangeiro para ser bem tratado e merecer carinho de quem precisa muito dele para se reerguer. É só ter juízo e carma. Etimologicamente, carma é ação. Não é azar, como alguns podem supor.

Juízo do Estado, ação de todos. É o que está faltando para o Brasil de 2020.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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A HILEIA EM COMBUSTÃO

Foi Alexander von Humboldt (1769-1859), o naturalista alemão que, pela primeira vez, chamou de Hileia a imensa floresta equatorial amazônica, denominação também atribuída àquele patrimônio universal pelo francês Aimé Bonpland (1773-1858).

Pois é esse o tesouro que estamos destruindo, depois de eloquentes acenos de “liberou geral” emitidos por quem está obrigado, pela Constituição da República, a preservá-la para as presentes e futuras gerações.

Agosto de 2019 foi outro mês fatídico para o Brasil. Quase 30 mil quilômetros quadrados daquele bioma irrecuperável foram queimados. Para ser mais exato, 29.944 mil quilômetros quadrados. Para que se tenha uma ideia, isso significa a destruição de uma cobertura vegetal que a natureza ofereceu à humanidade depois de centenas ou até milhares de anos, superior a 3,4 milhões de campos de futebol.

Quem apurou foi o insuspeito INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, cujo responsável foi exonerado, a lembrar a solução do marido traído: queimar o sofá do adultério. Quatrocentos por cento de queimada a mais do que em agosto de 2018.

Quanta bobagem não tem sido repetida e com repercussão nas redes sociais, por aqueles que acreditam nas conspirações, no interesse internacional, no malefício causado pelas ONGs, uma das mais notáveis conquistas democráticas das últimas décadas. O caminho para a cidadania protagonizar a Democracia Participativa, em mais do que urgente substituição de uma Democracia Representativa em estágio terminal.

A Amazônia não é só brasileira. Ela crescia sobre vários Estados. O Brasil, como detentor do maior território coberto de verde, seria aquele de quem se esperaria o melhor exemplo de preservação. Ele chegou a prometer isso. Foi considerado uma promissora experiência de cultura ecológica. Hoje, ostenta um território queimado que nos envergonha e nos coloca na condição de vilões da natureza, perante todas as inteligências terrestres.

Para piorar, além de registrar um número recorde de incêndios, estes foram maiores do que nos anos anteriores. Cada foco representou mais de 800 metros quadrados de destruição por foto. No ano passado, a média fora 580 metros quadrados. O fatídico agosto registrou 30.901 focos, ou 63% do total de bioma dizimado.

Oito meses foram suficientes para superar o total incendiado em 2018. E agosto nem foi o mês mais seco da média histórica. Setembro é que é o pior. Neste 2019, nos seus dois primeiros dias, foram detectados 1.514 focos novos.

É a Hiléia em combustão, cena dantesca e cujas consequências o Brasil lamentará, embora tarde demais. O solo amazônico é insuscetível de regeneração. É composto de areia, porque na pré-história era mar. Areia destinada a ostentar um deserto, num espaço em que a biodiversidade reinava, era exuberante, luxuriosa e preciosa.

Pobre e miserável animal humano, incapaz de racionalidade e de bom senso. Amargará um destino catastrófico, por não se reconhecer parte integrante de uma cadeia vital que, rompida, nunca mais será recuperada.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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AS QUEIXAS SÃO ANTIGAS

Não é de hoje que a sociedade, a única destinatária do equipamento estatal denominado “Justiça”, tem queixas sobre o funcionamento desse serviço público. Há setores do sistema – Judiciário e Ministério Público, principalmente – que não admitem essa denominação. Preferem se intitular “expressões da soberania estatal” e abominam sua inclusão no funcionalismo público. São “autoridades”, merecem reverências e homenagens, precisam de tablados e tapetes vermelhos. A despeito de uma ordem fundante que, desde 5.10.1988, exige melhores préstimos e conduta republicana. A ponto de a Emenda Constitucional 19, de 1989, impor a “eficiência” como um dos princípios da Administração Pública.

Eficiência é um conceito vago, impreciso e preenchido ao sabor das ideologias, das filosofias, até das idiossincrasias dos líderes que deveriam promover a tão urgente profunda reforma estrutural do Judiciário. Mas não ousam. Preferem crescer, quantitativamente, como se o ideal do Brasil fosse transformar-se num imenso tribunal. Coisa que quase já é, considerado o número excessivo de Faculdades de Direito, a produzirem milhares de bacharéis que precisam das carreiras jurídicas para sobreviver.

O problema é antigo e ninguém pode recusar consciência disso. Ao menos, aqueles concursados que se consideram o suprassumo da sapiência jurídica nestas paragens tupiniquins.

Sem falar nas Sagradas Escrituras, que impunham ao reclamante insistir na justiça que tardava e nas Ordenações, que recomendavam ao demandante morar com o juiz, até que ele solucionasse a causa, o Brasil sempre enfrentou a morosidade como a mácula indomável de sua Justiça.

O Visconde de Taunay, Alfredo D’Escragnole, (1843-1899), ao narrar o seu retorno do Mato Grosso, quando tornou célebre a retirada da Laguna, conta que encontrou no caminho um tal Motta, cuja vida era trabalhar para pagar o que lhe custava “renhido e complicado pleito sobre terras, iniciado contra um irmão mais velho, e continuado por falecimento deste, com os sobrinhos”. As terras situavam-se em Minas Gerais. Motta era um obcecado pelas complicações do Judiciário: “Impossível também saber mais na ponta da língua os trâmites em todos os seus embargos, meandros, segredos e chicanas, conhecer mais a fundo qualquer questão do foro, desde as primeiras tortuosidades, manhas e manobras do oficial de justiça e do rábula, até aos solenes acórdãos dos tribunais superiores”.

As demandas eram – e continuam a ser – de desanimar. Quem precisa recorrer à Justiça para provar o seu direito, na verdade não tem por si um benefício – o “direito de ação” – , mas, na verdade, um “ônus de ação”, tamanhas as dificuldades enfrentadas. É aquilo que o Motta experimentava, ele que “dava conta, incidente por incidente, das menores inquirições, provas e contraprovas, arrestos, agravos, embargos, apelações, e enumerava o nome por extenso de todos os juízes que haviam funcionado nas diversas instâncias, bem como dos membros das relações em que tinham ido parar os bojudos autos, chegados então, pelo que supunha, ao Supremo Tribunal de Justiça”.

Nada mudou. Ao contrário, tudo complicou. A informatização, que se pensava acelerasse os julgamentos, faz com que as petições iniciais, as contestações, as decisões, os arrazoados de recurso e os contra-arrazoados se tornassem extensos e formassem autos volumosos. É muito fácil fazer uso da chave “ctrlc + ctrlv” e copiar trechos abundantes da prolífica e prolixa produção doutrinária e jurisprudencial do universo jurídico.

Enquanto o Brasil enfrenta profundíssima crise econômica, a reclamar enxugamento da máquina, o Judiciário pensa em criar mais Tribunais, mais cargos, construir torres, aumentar os quadros funcionais.

As providências tendentes a racionalizar os serviços não são assimiladas. Prevalece uma velha noção de inspiração monárquica, mas no pior sentido com que poderia influenciar o funcionamento da máquina pública. Cortes, pompas, homenagens, reverências, honrarias.

Nada a recriminar, se o Brasil se convencesse de que sua Justiça é um espantalho que afugenta o investidor internacional. Ninguém se arrisca a aplicar dinheiro num país em que não há segurança jurídica. Em que o passivo tributário e o passivo trabalhista são fantasmas que rondam o capital. O que poderia ser o destino do mundo, porque aqui ainda não temos terremotos, nem tsunamis, nem as catástrofes que atormentam boa parte do planeta, é rota de fuga da inteligência negocial.

Já passou da hora de se mexer com coragem e sem piedade num anacronismo que flagela o futuro do Brasil. Assumir a superação do ensino jurídico, baseado numa realidade que já não existe há muitos anos, promover concursos que recrutem quadros afinados com a 4ª Revolução Industrial, não decoradores de legislação, doutrina e jurisprudência.

É urgente fazer com que o sistema Justiça – Magistratura e Ministério Público, outra vez em primeiro lugar – se conscientizem de que também fazem parte do Estado Brasileiro e são destinatários do comando fundante de fazer desta Nação uma sociedade justa, fraterna e solidária.

Acabar com o paroxismo ridículo da quarta instância, reduzir ao mínimo o caos recursal, impor eficiência à máquina que precisa de enxugamento, não de ampliação.

O Brasil não cabe no pífio PIB que somos capazes de produzir, após décadas perdidas de menosprezo à ética, à economia e à política. Todas foram arremessadas ao lixo da história. Será difícil recuperar a nobreza dos ideais se não houver cortes profundos nos privilégios dos quais os donos do poder não querem se libertar.

Até que a revolta cidadã o faça, mas de maneira evidentemente traumática. Talvez não seja essa a expectativa de quem, podendo aprimorar o sistema Justiça, prefere as gloríolas da tática das homenagens e permanece blindado contra a indignação das ruas.

_ José Renato Nalini é docente da Uninove, Reitor da Uniregistral e foi Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entre 2014 e 2015.

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OS REGISTROS PÚBLICOS E A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

A estratégia utilizada pelo constituinte de 1988 para cuidar das serventias do foro extrajudicial, os antigos “cartórios”, foi a mais inteligente e exitosa. Outorga-se a atividade estatal um particular, que a exercerá em caráter privado, sem que o governo invista um centavo na serventia.

Não é um particular qualquer, mas alguém recrutado mediante severo concurso de provas e títulos, cuja organização incumbe ao Judiciário, função que também cuidará da fiscalização, controle, orientação e acompanhamento de tais serviços. Optou-se pela figura jurídica da delegação, cuja continuidade está condicionada aos bons serviços prestados pelo delegatário.

Houvesse o constituinte utilizado idêntica alternativa para outros serviços públicos e, provavelmente, o Brasil estaria hoje em situação mais favorável do que a prenunciada. Setores essenciais para o desenvolvimento da Nação encontram-se adstritos à gestão direta do governo e padecem de males praticamente insolúveis, enquanto não se atingir estágio civilizatório compatível com as nossas necessidades.

A partir dessa opção do constituinte, as delegações extrajudiciais se esmeraram e deixaram o próprio Judiciário, seu controlador, em situação de evidente desvantagem quanto ao uso das modernas tecnologias.

É o que explica o surgimento das Centrais Eletrônicas, que hoje permitem consulta online e suprem a dificuldade de locomoção física do interessado à delegação extrajudicial da qual extrairá a informação.

Todas as cinco especialidades caminharam bem na direção correta: a oferta de um serviço público eficiente, descomplicado, seguro e compatível com as demandas contemporâneas.

Nem sempre a população tem conhecimento de que o novo sistema repercutiu em seu favor. Está ainda entranhada na consciência coletiva a ideia de que “cartório” é uma benesse concedida pelo chefe do poder a apaniguados, submetido à regra da hereditariedade e sinal evidente de burocracia estéril e estiolante.

Já não é assim. Cumpre às delegações extrajudiciais se comunicarem melhor com a sociedade, a cujo serviço foram elas preordenadas. O índice confiança obteve ambicionados pontos. Pesquisa do Instituto Datafolha de dezembro de 2015 apurou que os cartórios são as instituições mais confiáveis do Brasil, dentre as instituições públicas e privadas avaliadas em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte.

De zero a dez, os cartórios receberam nota 7,6, seguidos pelos Correios com 7,4, Forças Armadas 7,0, Igrejas 6,7, Empresas privadas 6,6, Ministério Público 6,5, Polícia Militar 6,1, Bancos, 6,0 e Governo 4,4.

A população que se serve das delegações extrajudiciais gostaria de que outros serviços também fossem ali realizados, como a emissão de passaportes, o registro de empresas, a emissão do documento único de identidade e a emissão de CPF. Não pode ser desconhecida a circunstância de existirem 13.627 delegações extrajudiciais espalhadas por todos os 5.570 municípios brasileiros. O Registro Civil das Pessoas Naturais está em todos os distritos. Lugarejos com poucos moradores, não dispõem de polícia, nem de qualquer outro equipamento público. Mas o registrador civil é a única presença do Estado naquela localidade.

O Registro de Imóveis cumpre um papel essencial na garantia de um dos direitos públicos fundamentais mais caros ao cidadão: a propriedade. O espírito de coesão entre seus titulares gerou inúmeros benefícios para o Brasil. Desde 2013, existe a Central Registradores de Imóveis, criada pela ARISP – Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, entidade que congrega órgãos análogos de outros dez Estados da Federação. A Central Registradores é uma plataforma online que integra dados e serviços disponibilizados pelo Registro de Imóveis. Até abril de 2019, contabilizava mais de 871 milhões de acessos, tanto do poder estatal, como do civil interessado em obter informações fidedignas.

Também existe um Sistema de Gestão Ambiental integrado, com identificação das melhorias no sentido de minimizar ou neutralizar os impactos ao meio ambiente. A consciência ecológica dos Registros de Imóveis começa dentro de casa. Procedeu-se a adequação dos locais aos moldes sustentáveis, mediante substituição de insumos, acessórios e produtos e de uso das mais modernas tecnologias, dentre as que resultem na consecução dos objetivos que se buscam: menor impacto ambiental e sustentabilidade.

A Central Registradores de Imóveis integra hardwares e softwares de suporte ao serviço de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI, previsão da Lei 11.977, de 7.7.2009 e disciplinado no Provimento CNJ 47, de 19.7.2015. Seus principais serviços já oferecem certidão digital ou em meio físico, matrícula online, e-protocolo, pesquisa prévia, pesquisa de bens, repositório confiável de documento eletrônico, intimações/consolidação SEIC, Regularização Fundiária, Usucapião extrajudicial, correição online e monitor registral.

A utilização do ofício eletrônico poupou a elaboração de ofícios, sua confecção, a utilização de envelopes, o custo e o tempo da remessa. Desde sua implementação, acelerou-se a pesquisa de bens pelo poder público junto ao Registradores Imobiliários. O sistema disponibiliza informações às autoridades e servidores designados, mediante autenticação com certificado digital, padrão ICP-Brasil. Em 2017 foram atendidas 56.790.191 transações e em 2018, esse número superou a casa dos 70.247.652 ofícios eletrônicos expedidos, recebidos e respondidos.

A penhora online propicia ao Judiciário efetivar penhora, arresto e sequestro de bens, sem a burocracia da elaboração de ofícios, remessa e a demora na tramitação desse meio físico. Foram 44.760 pedidos de penhora em 2017 e 51.903 em 2018. Enquanto isso, a pesquisa de bens na penhora online atendeu a 88.747.626 casos em 2017 e a 94.984.244 em 2018.

A maior contribuição do sistema registral imobiliário para o Brasil de nossos dias foi a CNIB – Central Nacional de Indisponibilidade de bens. Um sistema de alta disponibilidade, criado e regulamentado pelo Provimento 39/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça. seu intuito é integrar todas as indisponibilidades de bens decretadas por juízes e autoridades administrativas. Confere-se eficácia e efetividade eletrônica às decisões judiciais e administrativas de indisponibilidades de bens, com a disseminação dessa importante informação aos Tabelionatos de Notas e Registadores Imobiliários, além de outros usuários do sistema. Além de proporcionar segurança aos negócios imobiliários de compra e venda e de financiamento de imóveis e outros bens, serviu a operações como a Lava-Jato, considerada pela sociedade brasileira como um ponto de inflexão nas más práticas políticas da República.

Desde seu início, a CNIB tem registrado um crescimento exponencial, circunstância que atesta sua utilidade, reconhecida por todo o sistema construído para coibir a corrupção e a incestuosa relação entre governo e empresariado no Brasil. Em 2017, foram 134.510 ordens cadastradas e foram 179.866 em 2018.

            O trabalho de atualização e aprimoramento do Registro de Imóveis não para aí. Em fevereiro de 2019, com apoio do Ministério da Economia, a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP e a sua entidade co-irmã carioca, ARIRJ, lançaram os Indicadores do Registro de Imóveis do Brasil. Sistema desenvolvido a partir de dados reais obtidos no Registro de Imóveis, o objetivo é obter a melhoria do ambiente de negócios no Brasil, mediante fornecimento ao mercado, cidadania e poder público, informações confiáveis e de qualidade. Com divulgação mensal, os indicadores são disponíveis para entidades, governo e público em geral no portal www.registrodeimoveis.org.br

Sabe-se o quanto o Brasil depende de investimento internacional. A segurança jurídica em relação à propriedade imobiliária é um dos fatores que estimulam ou fazem fenecer o interesse dos investidores. A eficiência do Registro Imobiliário pode ser um eficaz estímulo a que o dinheiro à espera de boas perspectivas tome o destino do Brasil, o que é essencial para a retomada do desenvolvimento, após décadas perdidas e que não voltam mais.

Outro tema que o Registro de Imóveis encara com carinho é a regularização fundiária. Sabe-se que mais de 60% do território brasileiro padece dessa mácula que entrava o progresso: a situação dominial irregular. Basta acompanhar o histórico da propriedade imobiliária no Brasil e se compreenderá a dificuldade de sanar tal panorama. O território desta Nação fora formalmente repartido entre Portugal e Espanha, pelo tratado de Tordesilhas. Só que a ocupação passou por inúmeras fases. Governos Gerais, capitanias hereditárias, posse contínua por parte de degredados e viajantes clandestinos. Na verdade, o titular dominial por uso contínuo era o indígena. Mas ele foi vítima de genocídio e, praticamente, desapareceu.

Houve o registro paroquial, as sesmarias, as cartas de data. A grilagem se manteve no decorrer dos séculos. Há Estados da Federação que têm vários “andares” de registros. A ARISP, por sua Universidade Corporativa, a Uniregistral, já tem um curso EAD elaborado com todo critério de objetividade, singeleza e adequação às necessidades brasileiras nessa área.

É preciso ir além e converter o Registrador Imobiliário no protagonista capaz de liderar o processo, que necessita de vários profissionais e se desenvolve em inúmeras fases. O interesse não é das delegações extrajudiciais, senão de uma República em busca de credibilidade e de condições aptas a retomar a restauração dos costumes e a aceleração de programas destinados a reduzir a desigualdade e a promover o bem de todos os que aqui residem.

Os desafios postos às delegações extrajudiciais são idênticas àquelas enfrentadas pelo mercado e pela cidadania. É importante que a nacionalidade acorde para a falência da Democracia Representativa em todo o planeta. Ninguém mais se sente representado. O representante falhou e procurou apenas atender aos seus próprios e mesquinhos interesses. Desvinculou-se da vontade do mandante. Este se cansou. As eleições brasileiras de 2018, assim como as americanas de 2016, mostraram que a velha política não tem mais vez. Os vencedores foram aqueles que se dirigiram diretamente ao eleitor, dispensando o canal partidário. Os partidos estão em frangalhos. Subsistirão, como arqueologia cultural que, numa sociedade complexa, permite a convivência de várias eras geológicas, na resistência do velho que não quer sair de cena e pretende impedir – ingloriamente – que o novo se aproprie de seu antigo espaço.

Com isso, a cidadania tem de assumir protagonismo para a gradual implementação da Democracia Participativa. Esta não pode prescindir de pessoas que busquem seu destino mediante esforço, sacrifício, empenho e trabalho insano e incansável. As delegações extrajudiciais estão à frente de outros setores, porque tiveram de assumir caminhos desvinculados de apoio estatal. Ao exercerem a atividade estatal delegada por sua conta e risco, souberam imprimir à atuação um espírito empresarial e suplantaram, em iniciativas criativas e empreendedoras, o próprio poder que tem a missão constitucional de fiscalizá-las – artigo 236 da Constituição da República.

Não ignoram que a sociedade que imergiu, de forma irreversível, na Quarta Revolução Industrial, está hoje submetida a uma profunda mutação, cujo futuro é indescritível. Sabe-se que o mundo nunca mais será o mesmo, mas é arriscado exercer a instável prática da futurologia.

Inteligência artificial, a manipulação dos algoritmos, a internet das coisas, as novas dimensões para o trabalho, a nanotecnologia, a robótica, o avanço contínuo das tecnologias em convívio com a biologia, a engenharia, tudo mesclado e tudo em correlação contínua, forçará inúmeras atividades a se reinventarem. 702 profissões estão na mira da extinção. Outras serão necessárias, mas a educação fundamental e o ensino médio não estão preparados para qualificar os excedentes de mão-de-obra sepulta. O que fazer com milhões de desempregados que não serão mais “empregáveis”?

Nesse porvir incerto, onde o que prevalecerá será o inesperado, o setor extrajudicial saiu à frente. Por enfrentar antes a tempestade do abandono, de ter de trilhar caminhos ásperos sem a tutela estatal, inovou, ousou e obteve êxitos.

A competitividade contemporânea não deixa margem a sossego. Há setores que prometem realizar os serviços hoje atribuídos às delegações extrajudiciais com rapidez maior, eficiência a ser comprovada e menor custo. Não se reduza a influência de estamentos sempre muito íntimos ao Estado e a seus dignitários. Por isso, é preciso coesão dos cérebros adestrados a partir da adoção dos concursos públicos e fazer com que surjam ideias intestinas de preservação de uma prestação pública imprescindível à segurança jurídica.

O momento é de evidente turbulência. Há o movimento dos que sustentam a estatização, na mão contrária do que se apregoa como o racional, que é a privatização. Chegam a pleitear a extinção dos cartórios e a adotar uma assunção estatal ampliada de atribuições hoje cometidas aos registros. O papel das Centrais seria entregue ao Estado, que criaria a sinecura de várias estruturas e se despediria de qualquer utopia de redução de custos para a manutenção dos serviços.

Contendem, ao lado deles, os que defendem a redução das serventias, em privada assunção das tarefas que as delegações hoje exercem, com um controle centralizado por um organismo particular.

Outro grupo, talvez minoritário, propõe a criação de um sistema de identificação dos dados nos cartórios, com a implementação de uma Central Informativa ao estilo “Google”, com a permanência de tais dados sob a custódia dos registros. Algo a ser gerido pelo CNJ, até se instituísse uma pessoa jurídica de direito público.

Não se sabe, até o momento, qual a tese que sairá vencedora. Mas desse debate hão de participar todos os interessados, principalmente o mercado, que é o destinatário mais confiável para emitir juízo de opinião sobre o funcionamento das delegações extrajudiciais brasileiras.

A Quarta Revolução Industrial imporá a adoção de tecnologia hábil a concretizar a prestação dos serviços extrajudiciais de maneira a mais eficiente, célere, descomplicada, menos dispendiosa e crescentemente segura. Para isso, defende-se o fortalecimento da independência jurídica do delegatário. Este precisa também se desvincular da anacrônica cultura de ser uma autoridade estatal, de acesso dificultado, soberano em sua delegação, mas imbuir-se da consciência de que é um servidor da cidadania. Qualificado sim, diferenciado, sim, mas servidor. Sempre servidor. Ver o povo como seu patrão. E o patrão, no capitalismo, tem sempre razão. Sob outra ótica, ele é o consumidor do serviço prestado. E o consumidor tem seus direitos e sua garantia ao melhor bem e serviço.

Uma proposta de imediato é fazer com que todos os delegatários deixem de ser agentes de fiscalização do Estado, sob suas várias exteriorizações, e priorizem a natureza da prestação que lhes está afeta. Um exemplo: o que se considera como excesso burocrático em relação ao registrador de imóveis, como a exigência de alvará de construção, alvará de demolição, habite-se, ou comprovação de satisfação tributária, não deve ser motivo impediente de registro.

É instigante o momento em que o Brasil se encontra. Depois de perder o trem da história e de deixar sua indústria sucatear, pouco resta a esta República senão repensar-se e tentar oferecer ao planeta aquilo que o brasileiro pode realizar de maneira mais satisfatória do que outros povos.

A imensidão do território, sua biodiversidade, suas belezas – enquanto não forem sumariamente destruídas pela sanha dendroclasta e pela ignorância galopante de quem deveria dar o exemplo – pode atrair estrangeiros para se tornar um destino obrigatório. Turismo, aquisição de áreas no litoral ou na floresta, manutenção de reservas florestais, projetos de reflorestamento, tudo tem condições de convencer o capitalista a ver o Brasil com outros olhos. Mas isso depende mais de nós, do que do alvo a ser persuadido.

Ajustar os Registros Públicos à eficiência que a Quarta Revolução Industrial pôs à disposição dos povos civilizados, é um passo a se pensar. E não é dos menos importantes nessa missão redentora da Pátria e essencial para garantir o amanhã das gerações vindouras.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, a Universidade Corporativa da ARISP-Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo. Foi Corregedor Geral da Justiça em São Paulo e presidiu o Tribunal de Justiça Paulista. 

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O DELEGADO DEVE SER O “JUIZ DE GARANTIAS”

O que algumas propostas chamam de “juiz de garantias”, não é senão o “juizado de instrução”, que funciona adequadamente em países como a França.

No Brasil, há absurdos que perduram e que ninguém tem a coragem de alterar. Um deles é a necessidade de um inquérito policial, que não pode servir de alicerce para a condenação criminal.

A colheita de provas imediatamente após a prática de um ilícito se faz pela chamada “polícia judiciária”. A autoridade que a preside se chama Delegado de Polícia. Desde 1988, esse inquérito há de ser feito sob a égide do contraditório e da amplitude de defesa. Ou seja: tem o componente essencial a que se o considere como peça chave para que se faça justiça. Com a punição do acusado que se provar efetivamente culpado e a absolvição daquele cuja prova considerar inocente.

O inquérito policial se converte em peça inócua, porque não é suscetível de amparar a condenação judicial. Em juízo, repete-se toda a colheita de provas. Retrabalho incrível e contraproducente.

A testemunha foi ouvida na fase do inquérito e, depois de meses – ou até anos – é novamente chamada para repetir o seu depoimento em juízo. Natural não se recorde mais dos fatos. Mesmo assim, chega a ser ameaçada: mentiu lá na polícia ou está mentindo aqui, perante o juízo?

A solução é converter a carreira de delegado de polícia em juiz de instrução. Encerrado o inquérito, esse material é encaminhado ao juiz que julgará. Sem a necessidade de reproduzir toda a prova colhida.

Ganha a celeridade, ganha a segurança, ganha o merecido reconhecimento ao delegado de polícia. Acaba a sensação de impunidade. A apuração e a condenação – ou absolvição – será muito mais próxima ao fato e isso dissuadirá o infrator a perpetrar atos infracionais que hoje não amedrontam os mais espertos.

Essa proposta já foi formulada há muitos anos em palestras, em conferências, em livros. Mas no Brasil, o óbvio precisa ser reiterado a cada instante, até que alguém se proponha a ouvir.

Não é preciso criar mais uma figura, o “juiz de garantias”, se o delegado de polícia, na prática, já realiza essa tarefa e, sendo portador do grau de bacharel em ciências jurídicas, concursado e efetivado, tem todas as condições para servir como “juiz de instrução”. Estratégia racional, pragmática e econômica. Por que criar mais uma carreira jurídica, se existe aquela que já se ajusta, à perfeição, nas tarefas hoje cometidas ao delegado de polícia? Não haverá necessidade de concurso e o ganho será imediato e manifesto. Mas nem sempre o bom senso impera em terra brasilis…

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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RESPEITAR, CARINHOSAMENTE, A NATUREZA

Quando se fala em uma ética ecológica, está-se a pensar numa postura mais consciente das criaturas em relação ao mundo físico. Não é o respeito à natureza em si, como uma religião ecológica, senão o respeito à natureza como forma de se respeitar o semelhante. Há quem sustente que a natureza é um fim em si e não é apenas o ser humano a única finalidade. Outros pretendem revigorar a ideia do Contrato Social, agora sob a forma de um Contrato Natural entre a humanidade e o ambiente. A natureza oferece tudo ao homem e de maneira gratuita. Já passou o momento da reciprocidade. A natureza exige essa reciprocidade pois é hoje sujeito de direito. A Constituição quis assim: E “para que a vida permaneça possível, para que o gênero humano se perpetue, derrubemos a ética humanista ou antropocêntrica clássica, elaboremos um contrato natural, remetendo finalmente, como o próprio serres nos diz, à ideia de uma ética ‘objetiva’, centrada sobre o real”.

O sacrifício do ambiente se reflete não somente em relação aos contemporâneos. Compromete a própria posteridade. E o ser humano presente não está desvinculado de compromissos éticos quanto aos que o sucederão. As gerações futuras dependem do uso saudável dos atuais recursos naturais. O homem não é dono da natureza. Ele a recebeu por empréstimo e prestará contas pela sua malversação.

Nunca se exigiu do ser humano tanta prudência. Prudência que leva em consideração o futuro, pois seria perigoso e imoral esquecê-lo. “A prudência é essa paradoxal memória do futuro ou, para dizer melhor (pois que a memória, enquanto tal, não é uma virtude), essa paradoxal e necessária fidelidade ao futuro”. Aqui a inequívoca vinculação entre ecologia e prudência. A mais moderna de nossas virtudes ou, antes, aquela de nossas virtudes que a modernidade torna mais necessária, conforme observou André Comte-Sponville.

Não se cuida de uma utópica e romântica volta à natureza. Reclama-se, isto sim, uma racionalização do progresso. A devastação do mundo físico, a poluição do ar, da terra e do mar, a destruição das florestas e da fauna, a deterioração das paisagens e dos vestígios históricos, não pode ser o projeto humano para o Planeta.

Diante da escassez dos recursos naturais, tem-se de pensar em sua exploração autossustentável. O mundo não é supermercado barato, de onde se extrai o que se quer, debitando-se à Providência o encargo de reposição. Esta é tarefa do homem. O animal racional tem condições de se utilizar com frugalidade dos escassos bens da vida postos à sua disposição.

Cultive-se a ascese. Já não há muito tempo. Não acordamos para essa verdade incontornável: somos frágeis e efêmeros. Algumas décadas, nada mais. Não deixemos o mundo mais pobre do que estava no momento em que viemos habitá-lo nesta curta temporada a que a morte põe fim. Inapelavelmente.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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1924 OU 1932?

Desde criança, fui levado a considerar a epopeia de 1932 uma das páginas mais marcantes da gente paulista. Pegar em armas para exigir uma Constituição, evidencia um estágio civilizatório singular. Dá verdadeiro orgulho cívico e isso é mágico para crianças daquela geração.

Sabia muito pouco a respeito da revolução de 1924. Ao ler o livro de Moacir Assunção, “São Paulo deve ser destruída”, percebi que em termos cruentos, essa rebelião superou 32.

Inacreditável que se tenha optado por destruir São Paulo, para se livrar dos revoltosos. Mas foi isso o que aconteceu, após a leitura desse primeiro livro, que me instigou a procurar outros. Li também “Agora nós!”, de Paulo Duarte, que foi protagonista da cena paulistana e faz um relato contundente e bem elucidativo da conduta de alguns próceres de então.

Ao apresentar a obra de Paulo Duarte, o historiador Bóris Fausto observa que “Agora nós!” foi publicado em 1927, num momento em que o autor tinha a certeza de que os “carcomidos” da Primeira República, como viriam a ser chamados, pareciam estar em vias de perder o controle do poder, cedendo lugar às correntes democráticas”.

Algo que poderia sugerir comparação com o que o Brasil vivencia. A esperança de deixar um período amargo de recessão, estagnação e atraso, resultante do mau uso da política, entranhada com interesses escusos de alguns muitos péssimos brasileiros.

Lembremo-nos que, àquela época, em oito anos, ocorreram três movimentos significativos: a Revolução de 1924, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, a coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes, em 1930 e a Epopeia Paulista de 1932. Sem esquecer da Revolta do forte de Copacabana em 1922, coincidente com a nossa Semana de Arte Moderna. É preciso lembrar à juventude de hoje o que significou esse período, com destaque para a coragem dos “18 do Forte”.

Paulo Duarte escreveu um verdadeiro libelo acusatório e é curioso que a saga não gerou minisséries tão a gosto da hegemonia televisiva. Os vilões são Artur Bernardes, o então Presidente da República, Carlos de Campos, o Presidente do Estado de São Paulo – assim eram chamados os governadores – a oligarquia perrepista e seu órgão oficial, o “Correio Paulistano”. Heróis, José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial, a “gente” do “Estadão”, Júlio Mesquita, o prefeito de São Paulo, Firmiano Pinto, Henrique Souza Queiroz, comandante da Guarda Municipal, criada para minorar os malefícios do cruel ataque sobre São Paulo.

Mas também se deve lembrar a figura de D. Duarte Leopoldo e Silva, que correu risco de vida na tentativa de intermediar acordo para o cessar-fogo que matou mais do que em 1932. “O bombardeio inútil de uma cidade aberta, cuja população impossibilitada de fugir era estraçalhada pelo canhão impiedoso, foi o prólogo anunciador da vingança baixa e pequenina e do aproveitamento da anormalidade para satisfazerem-se ambições insaciáveis que se iriam fartar no dinheiro público”.

Nada que São Paulo possa estranhar. Só que o sangue de nossos dias não provém de canhões, senão da situação de miséria que leva famílias à míngua, o morticínio da juventude, as mortes no trânsito, a indignidade dos moradores de rua, a entrega de milhões ao flagelo da droga.

O êxodo de famílias paulistas em 1924 foi repentino: em alguns dias, cerca de 300 mil dos então 800 mil moradores da capital deixaram a cidade em pânico. Vieram para Campinas, muitos pararam em Jundiaí, outros para Sorocaba. Mas não foram fugas apenas pelas ferrovias. Muita gente saiu no lombo de animais ou a pé. Carregando o que se podia levar nos ombros ou nas mãos.

Custa crer que a intenção do governo federal fosse destruir São Paulo, para dizimar poucos revoltosos que se portaram com brio, ao contrário das forças legalistas. Quando o Prefeito Firmiano Pinto pediu que os bombardeios parassem, porque estavam morrendo os civis, a resposta do Ministro da Guerra, Setembrino de Carvalho foi : “Não podemos fazer a guerra tolhidos do dever de não nos servirmos da artilharia contra o inimigo, que se aproveitaria dessa circunstância para prolongar a sua resistência, causando-nos prejuízos incomparavelmente mais graves do que os danos do bombardeio. Os danos materiais de um bombardeio podem ser facilmente reparados, maiormente quando se trata de uma cidade servida pela fecunda atividade de um povo laborioso. Mas os prejuízos morais, esses, não são suscetíveis de reparação”.

O pior, foi a confirmação dessa esdrúxula tese, por parte dos que governavam São Paulo naquele fatídico 1924. Prestemos atenção nisso.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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