Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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FICA: EXCELENTE IDEIA!

As pessoas gostam de se queixar, de reclamar, até de blasfemar. Não são muitas as que procuram agir. Há inúmeros problemas brasileiros que poderiam ser amenizados houvesse boa vontade. Não faltam exemplos de protagonismo inspirador.

Um deles é o FICA: Fundo Imobiliário Comunitário para Aluguel. Um grupo de preocupados com a moradia social resolveu adquirir imóveis para aluga-los por preço justo. São 65 associados que elegem 5 diretores para mandato de 3 anos. Em julho de 2017, o FICA adquiriu o primeiro apartamento por R$ 162 mil. Foi reformado e pesquisou-se qual seria o preço justo do aluguel.

Chegou-se ao valor de R$ 633 mensais, metade daquele cobrado dos demais apartamentos do mesmo prédio. Nesse valor se incluem o condomínio, o seguro do imóvel, uma taxa para manutenção e uma contribuição do inquilino para a continuidade do FICA, ou seja, a aquisição de outros imóveis.

Existe um contrato de aluguel, mas sem fiador. O inquilino foi escolhido entre seis famílias selecionadas para entrevistas. Conversaram com os integrantes da família escolhida uma psicóloga e uma assistente social e o foco foi a mulher. Levou-se em consideração a melhoria da condição de vida familiar que esse apartamento significaria para aquele casal com três filhos. Eles moravam antes num ambiente pequeno, desprovido de luz e de ventilação.

Essa iniciativa não é impossível, mas precisaria ser feita em escala. Há inúmeros edifícios em São Paulo, vazios e sujeitos a ocupações que não levam em consideração qualquer fator racional. Invade-se e passa-se a residir ali, em condições precárias e em continuidade à deterioração do imóvel que parecia abandonado. Por que não se valer dessa ideia e propor o exercício de responsabilidade social de empresas que poderiam auxiliar na implementação de mais outras moradias?

A experiência do FICA está na Bienal de Arquitetura de Chicago. Tudo começa com a pergunta : “O que é um proprietário ético”.

Tudo, na verdade, está vinculado à ética, a matéria-prima de que o Brasil mais se ressente. Um pouco de ética e o mundo seria infinitamente melhor.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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RESGATAR O INTUITO DA ACADEMIA

A Academia Brasileira de Letras existe desde 1897. Guardem bem: oito anos depois do golpe republicano. A Academia Paulista de Letras foi fundada em novembro de 1909. Há exatos cento e dez anos, portanto.

Como foi que nasceu a Academia Brasileira?

Os intelectuais do Rio, então capital do Império, frequentavam a Livraria Faro & Lino, que em 1879 lançou a “Revista Brasileira”. Seu objetivo era “proporcionar aos escritores brasileiros e a quantos se ocupam com o estudo das coisas de nosso país a publicação de produções literárias e científicas de reconhecido mérito e utilidade”.

Conforme relata Mary del Priore, “a marca da revista era a tolerância e a concórdia. Para tomar chá reuniam-se desde monarquistas como Alfredo d’Escragnolle Taunay, Joaquim Nabuco e Eduardo Prado a republicanos como Lúcio de Mendonça ou socialistas como José Veríssimo”.

Essa característica a Academia Paulista de Letras herdou de sua matriz. O humanista José Gregori reitera sua impressão de que as sessões das quintas-feiras no Largo do Arouche são as mais democráticas desta República. Assim como os frequentadores da livraria, o que integra os acadêmicos? “A aceitação da heterogeneidade e o culto às letras”.

Após à República, monarquistas convictos não encontraram lugar na vida republicana. Republicanos descontentes não aceitavam os rumos do regime. O monarquista mais inconformado era Taunay, assim descrito: “Toda a sua expressão era de desconsolo manifesto e perene. Sentia-se-lhe a saudade da situação desfeita e ele mantinha sagrado o culto do Império”.

Havia, como é o hábito no ambiente cultural, falta de público, de editores e de leitores. Foi então que os frequentadores da Revista Brasileira resolveram fundar uma Academia de Letras. Afinal, a Academia Francesa existia desde o século XVII.

Houve muitas críticas: Academia de Letras num país de analfabetos?

Muitos eram os fundadores endividados. Entre eles, Machado de Assis e Olavo Bilac. Até Taunay, por causa do Encilhamento, perdeu a sua fortuna. Mais um motivo para detestar a República. Taunay escreveu a José Veríssimo para recomendar que a Academia não tivesse vínculos com a República e se mantivesse politicamente isenta. E culminou por dizer: “Acho a ideia viável, generosa e fecunda, contanto que lhe deem para ponto de partida outra data que não o 15 de novembro”.

A Academia foi inaugurada em 20.7.1897, sob a presidência de Machado de Assis, sem qualquer auxílio do governo republicano. Dentro da casa, deveriam reinar duas regras: cordialidade e elegância.

Algo que a Academia Paulista de Letras, com seus cento e dez anos, procura levar a sério. Antes de tudo, o Silogeu dos intelectuais paulistas tem de ser uma casa de bom convívio. E ela tem sido fiel a essa vocação.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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O RETRATO DE UM MESTRE

Ser professor é uma cachaça. Passei a lecionar em 1969, a convite do inesquecível Professor Nassib Cury, Diretor do Instituto de Educação Experimental de Jundiaí. Hoje o nome é Escola Estadual Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, o primeiro Bispo de Jundiaí, a caminho dos altares.

Nunca mais deixei de ter esse encontro criativo com o alunado. Continuo a aprender com eles. Vivenciei a experiência de participar do drama dos 230 mil professores da Rede Pública Estadual, quando não consegui recusar a convocação do Governador Geraldo Alckmin para assumir a Secretaria da Educação em fase terrível de múltiplas crises. Vi que há verdadeiros heróis nas salas de aula. Lutam contra tudo: estrutura carcomida, falta de reconhecimento, salários vis. Mesmo assim, muitos deles não perdem o idealismo.

Ensinar é vocação. O prêmio que o professor recebe não está na remuneração. Ela é insuficiente a satisfazê-lo. Ele precisa do reconhecimento do aluno. Mais do que isso, do carinho, da amizade, do respeito do aluno.

Tais sentimentos existem, ainda que em proporção diminuta, considerado o prestígio do Magistério em outros tempos. Basta verificar como é que os ex-alunos antigos se referiam a seus mestres.

A leitura de “Velhas Figuras de São Paulo”, de Pelágio Lobo, me fornece exemplo singular dessa devoção. Ele reconstitui seu curso de Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Faz um perfil de cada professor. Escolhi Herculano de Freitas, porque ele é ascendente de meus filhos. Meu sogro, Francisco Glicério de Freitas Filho, era neto de Herculano.

Vejam como ele é descrito pelo seu discípulo: “Na Cadeira de Direito Público tivemos Herculano de Freitas. Era um dominador da tribuna que, na cátedra, e no nosso curso de excepcional e inesperada assiduidade, se impôs à nossa benquerença, como se impusera à nossa admiração fervorosa pelo brilho de suas lições, a variedade e vivacidade dos seus argumentos e o tom risonho com que sublinhava fatos políticos e históricos ou críticas a intérpretes da lei básica, numa profusão de ideias que nos deixavam dominados pelo fulgor daquelas cintilações. Com ele estudamos, além das bases do Direito Constitucional e Público, a Constituição de 1891 e aprendemos a conhece-la e admirá-la; o regime republicano, as funções dos três poderes, o sistema de contrapesos, destinado a manter sua harmonia e equilíbrio, a autonomia dos Estados e a questão de distribuição de rendas – tudo isso era exposto com a clareza de um mestre consumado e a esbelteza de um conferencista de alta linhagem tribunícia. Todos os sistemas eleitorais, escrutínio simples e de lista, voto cumulativo e os regimes eleitorais desde os da Monarquia, tudo isso era exposto, criticado com fertilidade de fatos e noções e com o tom risonho, muitas vezes faceto em que o mestre era exímio”.

Herculano de Freitas, genro de Francisco Glicério, o prócer da República, foi Ministro da Justiça e, em seguida, Ministro do Supremo Tribunal Federal. Morreu em 1926. Daqui a alguns anos, celebrar-se-á o seu aniversário de morte. Mas enquanto houver quem dele se lembre, viverá na memória coletiva, como um brasileiro de que a Pátria deve se orgulhar.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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UM SANTO PADROEIRO DA INTERNET

É comum reclamar-se da juventude, aparentemente tresloucada e com hierarquia de valores inversa à de seus pais. O desencontro geracional é constante na história da humanidade. Os menos confiantes num resgate do que vale realmente a pena acreditam termos chegado ao fundo do poço. Outros acham que o fundo é ainda mais embaixo.

Todavia, há fatos que inspiram e ressuscitam a esperança. Por exemplo, a vida de um jovem que só viveu entre 1991 e 2006 e hoje está a caminho da beatificação. Carlo Acutis nasceu em Londres, filho de família abonada. Uma babá polonesa incutiu-lhe interesse por Jesus. Os pais não frequentavam a Igreja. As dúvidas do garoto, então com três anos, fizeram com que a mãe procurasse um sacerdote e este recomendou que ela mesma aprendesse a doutrina católica, para elucidar a curiosidade do filho. Um bebê, com três anos, converteu a mãe!

Recebeu a Primeira Comunhão aos 7 anos e passou a evangelizar. De bicicleta e com terço nas mãos, convencia os coleguinhas a se aproximarem de Deus e catequizava os porteiros dos prédios, quase todos hindus e muçulmanos.

Não era um nerd, uma criança “metida a besta”, um chato. Quem digitar o nome “Carlo Acutis” no Youtube, assistirá a vídeos em que ele se mostra um jovem alegre, bem humorado, simpático. Serviu-se da internet para evangelizar e hoje é considerado “O Padroeiro da Internet”. Aos onze anos criou sites sobre milagres eucarísticos, aparições de Nossa Senhora e outros temas da fé católica. É possível acessá-los pelo endereço eletrônico http://carloacutis.com/pt/association/.

Um dia seu pai o convidou a conhecer a Terra Santa. Carlo agradeceu, mas recusou o convite. Seu argumento: Milão, onde residia, possui mais sacrários do que em Jerusalém. “Por que vou a um lugar por onde Cristo andou há dois mil anos, quando posso visita-Lo ao vivo no sacrário?”.

Acometido de leucemia aos 15 anos, disse: “Deus acaba de programar o alarme”. Morreu a 12.10.2006. Foi enterrado em Assis. Algumas frases suas são inspiradoras: “Nossa meta deve ser o infinito, não o finito. O infinito é nossa Pátria. Sempre nos esperam no Céu”. “Todos nascem como originais, mas muitos morrem como fotocópias”. “A Eucaristia é minha autoestrada para o céu”. “Estar sempre com Jesus, este é meu projeto de vida”.

Nem tudo está perdido, quando jovens atendem ao chamado Daquele que assumiu a humanidade para nos salvar e que legou tesouro imenso para a nossa civilização, a partir do princípio da igualdade. Se todos somos filhos de Deus e irmãos de Cristo, por que o ódio, a violência, o preconceito, o ressentimento, a ira, a exclusão?

Meditar sobre isso vale para todos. Até para os confessadamente agnósticos. Viver em harmonia é um ideal ético suficientemente forte para que se continue a acreditar que a espécie humana é, de fato, racional.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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MUSA CÁUSTICA NA ARCADAS

A Faculdade de Direito do Largo de São Francisco foi celeiro de singularíssimas personalidades. Sua vinculação com a poesia é tradicional. Ali estudaram Fagundes Varela, Álvares de Azevedo e Castro Alves. Ali também foi aluno intermitente o notável Paulo Bomfim, o Príncipe dos Poetas Brasileiros, que perdemos no mês de julho de 2019.

Seus nomes estão eternizados nas colunas de sustentação daquele templo do direito, repositório de glórias e fornecedor dos melhores quadros aos dois Impérios e à República brasileira.

Mas não é apenas o lirismo de Álvares de Azevedo, que morreu sem completar o curso e a candência do “Navio Negreiro” de Castro Alves que ocupam espaço na memória poética das Arcadas. Ali também se praticava o esporte favorito dos alunos: brincar com os professores. Principalmente com aqueles que davam ensejo à recepção de apelidos ou que se notabilizassem por alguma bizarrice.

O famoso professor Pedro Lessa, que o meu orientador Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma ter escrito o melhor tratado sobre o Poder Judiciário brasileiro, foi alvo dessa musa brincalhona e irreverente dos acadêmicos. Ele era um daqueles mestres que aplicava piparotes na cabeça dos alunos desatentos ou indisciplinados.

Foi Agenor Silveira quem produziu o soneto que tenta descrever o professor e que os contemporâneos dizem ter sido fiel. Aí vai:

            Bate o quarto, depois do meio dia;

            A grita infrene dos calouros cessa.

            Pesado e gordo, surge Doutor Lessa,

            o nosso lente de Filosofia.

 

            Esbaforido e suado, entrou. Sombria,

            no grave rosto traz a raiva impressa. 

            Sentou-se. E agora a preleção começa

            E começa também nossa agonia…

 

            Um silêncio tristíssimo enche a sala;

            E fala o mestre – coisas graves fala,

            Num discurso pesado, extenso, informe.

 

            Agora, as próprias moscas adormecem…

 

            E dorme a classe – e os gestos se amortecem.

            E a sintaxe do mestre também dorme…

 

Havia humor inteligente no século XIX, em pleno auge de funcionamento da primeira Faculdade de Direito do Brasil, criada em 1827, juntamente com a escola de Olinda, depois transferida para o Recife.

E hoje? Qual é a poesia produzida pelos milhares de acadêmicos de direito de nossa terra? Ainda há Academias dentro das faculdades, Grêmios Estudantis, entidades associativas. Fazer poesia é parte integrante dessa fase juvenil. É bom lembrar que “não fazem mal as musas aos juristas”.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020. 7

Sessão Solene do Conselho Univesitário


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JÁ HOUVE EMPREITEIROS ASSIM

A Operação Lava-Jato detectou a nefasta e incestuosa vinculação entre governantes e empreiteiros de grandes obras. Na leviana avaliação do que de fato ocorreu, é comum se generalize o conceito desfavorável à classe dos empresários da construção civil. Além de não corresponder à verdade, é importante mencionar que o Brasil contou com profissionais de moral inquebrantável que, após prestar serviços imensos à Pátria, morreram pobres e no esquecimento.

Lembro-me, particularmente, de Francisco de Paula Ramos de Azevedo, responsável pelo Palácio da Justiça na Praça da Sé, pelo Teatro Municipal de São Paulo, pela Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Campinas e pela reforma da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro em Jundiaí. Estas duas últimas, hoje Catedrais, por serem sede de arcebispado e bispado, respectivamente.

Ramos de Azevedo nasceu em 8.12.1851, em São Paulo. Era filho de campineiros: Major João Martins de Azevedo e D.Ana Carolina de Azevedo. O primogênito estudou em Campinas e, com 15 anos, foi para a Escola Militar da Corte, então sob a direção do General Polidoro. Cursou Engenharia Civil e voltou para Campinas, para trabalhar na construção da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. O presidente da Cia. Paulista era Antonio de Queiroz Telles, barão e, posteriormente, Visconde de Parnaíba.

Em 1874, foi cursar Engenharia Civil em Gand, na Bélgica e foi aconselhado pelo diretor da Faculdade a se especializar em arquitetura.

Voltou e assumiu a reforma da Matriz Nova de Campinas, que já durava mais de setenta anos.  “Homem de boa estrela”, como dizia dele Francisco Glicério, conseguiu inaugurar a hoje Catedral em 8.12.1883, dia em que completava 32 anos.

A essa altura, Antonio de Queiroz Telles era o presidente da Província e chamou Ramos de Azevedo para assumir as obras públicas. Durante 44 anos mudou a face de São Paulo, sendo uma espécie de Christopher Wren (Londres) e de Barão de Haussman (Paris), como urbanistas pioneiros.

Grato a Queiroz Telles, conservava um retrato dele em seu escritório. Respeitava o grande jundiaiense e sempre afirmava: “Foi esse homem quem me deu a mão no princípio de minha vida, quem me pôs na primeira turma de construção da estrada…”. Criou o Liceu de Artes e Ofícios e, na sofisticada edificação do Tribunal de Justiça, enfrentou dificuldades sem conta. Basta lembrar que São Paulo enfrentou a Revolução de 1924, que a bombardeou e fez fugir um terço de sua população, depois sofreu consequências da Revolução de 1930 e, em seguida, encetou a retomada democrática mediante a Revolução Constitucionalista de 1932.

É compreensível que o governo tenha atrasado os pagamentos pela custosa empreitada, autorizada em 1920 por Herculano de Freitas, quando Secretário da Justiça do Estado. Pois Ramos de Azevedo continuou a trabalhar, investiu recursos próprios para ultimar essa grandiosidade, hoje reconhecidamente, um dos mais nobres patrimônios arquitetônicos de São Paulo.

Morreu pobre. Sua sala de jantar está hoje na aprazível vivenda de Sylvia e Francisco Vicente Rossi, que, em seus memoráveis banquetes, nunca recusam uma prece pela alma generosa e altruísta de Francisco de Paula Ramos de Azevedo.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.   

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PSICANÁLISE SELVAGEM

Os Partidos Políticos no Brasil precisariam se submeter a uma “Psicanálise Selvagem”, é o que diz o antropólogo Antonio Risério, cujo livro “A Casa no Brasil” é instigante. A expressão foi criada por Freud e muito utilizada por Glauber Rocha.

Mas o que ele quer dizer com isso?

Parece que os Partidos não perceberam que a Democracia Representativa está fazendo água. Ninguém mais se considera representado. Trinta e um anos depois, não se implementou a Democracia Participativa, prometida pelo constituinte de 1988.

Um grande número de livros fala sobre a morte da Democracia, sobre tenebrosas previsões em relação ao futuro, pelo retorno do populismo como antessala do autoritarismo. Esperava-se que uma certa sede de renovação nas eleições de 2018 fizessem os Partidos tomarem tenência. Linguagem que hoje está em desuso. Como está em desuso retomar a gênese dos Partidos Políticos, orientadores sólidos de políticas estatais, colocados à disposição do eleitorado.

Excesso de partidos, Fundo Partidário que é considerado vergonhoso pela maior parte da população, o “toma lá dá cá” da velha política, que tantos se iludiram ao considerar definitivamente banido, tudo está aí e de forma escancarada.

Um outro pensador, Leonardo Avritzer, publicou “O pêndulo da Democracia” e salienta que o voluntarismo do MP é um fenômeno preocupante. O Ministério Público parece cultivar uma visão de que o eleitor é hipossuficiente, não sabe votar. Por isso o seu protagonismo associado a uma politização indesejável. Como ele tem a prerrogativa – e até a exclusividade, em certos temas – de acionar o Judiciário, ambos passam a se considerar elaboradores das políticas públicas. Administrar sem passar pelas eleições.

Acrescente-se uma espécie de revisão da História do Brasil, de forma a ridicularizar nossos heróis, menosprezando a atuação de próceres que precisariam ser redimidos e tem-se o complexo de “vira-lata” que convence muitos brasileiros a deixarem o Brasil, achando que ele “não tem jeito”.

É urgente mudar a mentalidade brasileira. Há coisas pouco lisonjeiras em nossa História. Mas há páginas gloriosas. Risério recomenda se adote a “Metanoia”, palavra grega utilizada para exprimir a renovação da consciência patriótica. Cita o que Michelet falou da França oitocentista em seu Diário e que parece plenamente aplicável à nossa realidade: “De todos os males deste país, o mais profundo, a meu ver, é que ele perdeu a consciência de si mesmo, a consciência de sua natureza, de sua missão, de seu papel no momento, a consciência histórica de seu verdadeiro passado”.

Atentemos para isso. Quem deixa de observar o que ocorreu no passado, evitando estudar tragédias, mas também conquistas, tende a retrabalhar sua realidade e a não saber o que fazer no futuro.

O Brasil nunca precisou tanto, como agora, de sensatez, serenidade, prudência e amor. Sim, é preciso falar de amor. Não é piegas. É estado de necessidade.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.    

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O QUE NOS RESERVA AMANHÃ?

A morte, única certeza num porvir ignorado, suscita infinitas reflexões. Ninguém, ao menos em situação de higidez mental, a deseja. Mas ela nos espreita e não se poderá argumentar com a surpresa. Ela não só é possível e provável: ela é inevitável.

Interrompe amores e convivências. Impõe solidão. Mutila os sentimentos. Mas atinge a todos. Inapelavelmente.

Para contornar a tristeza imensa que ela causa, adotamos ritos funéreos. Velamos, oferecemos flores, sepultamos. E erigimos túmulos.

 A arte tumular é permanente na história da civilização. As pirâmides encontram similar majestoso no Taj Mahal. Cemitérios há que se tornam roteiros turísticos, seja pela celebridade dos ali residentes, seja pelos magníficos exemplares esculturais. Pense-se no Père Lachaise, de Paris, no cemitério da Recoletta, em Buenos Aires e no pouco visitado Cemitério da Consolação. Sou habitual visitante de cemitérios. Há pouco, ao adentrar ao de Vila Viçosa, em Portugal, defrontei-me com o túmulo de Florbela Espanca. Lembrei-me dos poetas que morreram jovens e fui reler a vida de Álvares de Azevedo.

Manoel Antonio Álvares de Azevedo, o “Maneco”, nasceu em SP, em 12.9.1831 e morreu em 25.4.1852, no RJ. Suas últimas palavras: “Que fatalidade, meu Pai!”.

Foi enterrado no Cemitério de D.Pedro II, na Praia Vermelha, onde hoje está o Instituto dos Cegos. Três anos depois, seus restos foram trasladados para o Cemitério São João Batista. Episódio curioso: resolvido o fechamento do cemitério, ele ficou durante dois anos abandonado. Uma tempestade acabou com vários túmulos da velha necrópole. Foi então que um amigo de Álvares de Azevedo, sabedor de que a família se ausentara do Rio, tomou a si o encargo de restaurar o túmulo. Só que o fez equivocado. Lápide aposta em outro jazigo.

Quando a família foi visitar, fez-se acompanhar do cão “Fiel”, que fora de Maneco. Este começou a chorar sobre uma sepultura abandonada. Por insistência da mãe, exumou-se o cadáver que ali estava e era o de Álvares de Azevedo. Procedeu-se, assim, à sua identificação e traslado.

Um cão pode ensinar aos humanos que o culto aos falecidos não pode ser relegado. Diante da insensibilidade que acomete os coetâneos, o que nos reservará o amanhã, quando aqui já não estivermos?

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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O MUNDO CIVILIZADO NOS JULGA

O Presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, em sua à Europa no final de 2019,  ficou perplexo com a severidade com que a civilização está julgando o Brasil. A certeza de que o aquecimento global é a maior ameaça à sobrevivência de qualquer espécie no planeta é dogma irremovível. Não acreditar nele evidencia o elevado grau de ignorância de quem teima em sustentar que tudo é conspiração de ambientalistas.

Os civilizados têm razão em julgar o Brasil com todo o rigor.

A Nação que se mostrara promissora na preservação, que ofereceu ao planeta a beleza de um artigo 225 da Constituição de 1988, que recebeu 192 chefes de Estado em 1992, na reunião do Rio, passou a regredir depois disso. Só que ninguém imaginava chegasse a descer a níveis tão inferiores em termos de cultura ecológica.

Após a revogação do Código Florestal, admitiu o ingresso no país de agrotóxicos de extrema periculosidade. Acenou com a saída do Acordo de Paris, depois de ter deixado o Protocolo de Quioto pela metade.

Deu um sinal expressivo de que não iria punir o desmatamento e o recado foi bem interpretado pelos criminosos. Houve até mesmo um programado “dia do fogo”, com ação orquestrada por dendroclastas.

Quando vozes sensatas questionaram o que ocorria, preferiu-se ridicularizar quem se incomodava com o grande incêndio Amazônico. Ofendeu-se uma Primeira Dama, injuriou-se uma Chefe de Estado, atribuiu-se a uma ONG de prestígio mundial uma tolice conspiratória.

Não satisfeito, o Brasil chegou a acusar o Greenpeace de soltar óleo no mar. Desativados os organismos de prevenção, mais de dois longos meses ficaram na fofoca, no diz-que-diz, numa visão pueril e fanfarrona e cinco mil quilômetros de costa se viram comprometidos. Não é só o ambiente irrecuperável, mas a perda econômica dos milhares de brasileiros que teimam em viver de turismo, indústria que não é levada a sério pelo governo.

Para culminar, mata-se um protetor do verde, o índio Paulo Paulino Guajajara, assassinado numa emboscada no Maranhão. Fazia parte de um grupo minúsculo: os “Guardiões da Floresta”, quando o campeonato é vencido de lavada pelos “Exterminadores da Floresta”.

O que é que o mundo civilizado pode pensar do Brasil? Será que continuará a se interessar por favorecer a balança comercial de uma Nação que está na contramão da cultura universal e que teima em persistir na cultura do “quanto pior melhor” para o ambiente?

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e autor de “Ética Ambiental”, 4ª ed., Ed.RT-Thomson Reuters.

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DOING BUSINESS É COISA SÉRIA

O Banco Mundial elabora um relatório que avalia a facilidade de fazer negócios em 190 países. Em 2019, o Brasil, que em 2018 estava em 109º lugar, caiu para o 124º. Foram quinze posições, o que deve motivar uma reação de todos, principalmente do Governo.

Para conforto dos ufanistas, a nota final subiu de 58,6 para 59,1. Houve melhora em três dos dez indicadores de que se serve o Banco Mundial: obtenção de alvará de construção, registro de propriedade e abertura de empresa.

Estável no tocante à capacidade de resolução de insolvência e de pagamento de tributos, piorou nos quesitos facilidade do comércio internacional, obtenção de crédito, execução de contratos, proteção de investidores minoritários e obtenção de eletricidade.

Na condição de Reitor da UNIREGISTRAL, a Universidade Corporativa dos Registradores Imobiliários de São Paulo, vejo-me na imodéstia de celebrar os avanços obtidos pela ARISP, a Associação dos Registradores de Imóveis que já ampliou os seus préstimos para vinte Estados da Federação.

É preciso reconhecer que a estratégia do constituinte de 1988 em relação aos antigos “cartórios” foi a mais inteligente da Carta Cidadã. Entrega uma função estatal a um particular, submetido a rigoroso concurso público de provas e títulos a cargo do Poder Judiciário e este exerce a atividade em caráter privado, sem que o Estado coloque um centavo na serventia.

Graças a tal solução, os Registros de Imóveis adiantaram-se anos luz em relação ao próprio Poder regulador, que continua submetido à invencível burocracia estatal. O uso das mais modernas tecnologias propiciadas pela Quarta Revolução Industrial fez com que o registro imobiliário do Brasil seja um dos mais confiáveis em todo o planeta.

Graças a isso, é que o indicador do Banco Mundial quanto ao registro de propriedade permitiu ao Brasil avançar no ranking. Só que é preciso ainda mais. O registrador imobiliário tem de ser liberado de atuar como fiscal do governo, em relação ao recolhimento de tributos. Também não é sua função obrigar o interessado a proceder a retificação da descrição do imóvel, quando não haja dúvida sobre a sua titularidade dominial.

O que interessa para o cidadão é levar o seu título aquisitivo, em regra uma escritura pública, ao cartório de registro de imóveis competente e obter seu registro da mais rápida forma. Isso é possível, desde que expungida a atuação registraria de outras funções não necessariamente vinculadas à transmissão da propriedade.

Usar do georreferenciamento, aprimorar o cadastro municipal, tudo isso alavancará a intensificação dos negócios imobiliários. O que representa essa conquista? A recuperação do nível de confiabilidade externa em um Brasil tão necessitado de investimento internacional.

A atividade negocial imobiliária vai de vento em popa, ao menos em São Paulo. Para exemplificar, em junho, houve cerca de 56 mil registros de compra e venda de imóveis, alta de 4,9% comparando-se com 2018. Nos dez últimos meses antecedentes a junho, o aumento foi de 10,7%.

É outro produto da ARISP: os Indicadores de Registro de Imóveis do Brasil, aqui circunscritos à capital paulista. Constata-se, também, a queda de 30,4%, em doze meses, do número de execuções extrajudiciais. A consolidação, que é a perda da propriedade pelo devedor submetido à alienação fiduciária que não conseguiu honrar seu compromisso, teve retração de 19,2%. Tudo resultou de atuação da ARISP, com três outras coligadas, sob a consultoria técnica e metodológica da FIPE – a insuspeita Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.

Há um enorme campo de aperfeiçoamento do sistema, que já funciona bem, mas que, submetido a uma injeção de estímulo por parte do Estado, se tornará num case a ser analisado pelo restante do planeta.

Por sinal, o Estado já tem muito a festejar porque a Central de Indisponibilidade é parceira dos setores que fizeram da Operação Lava Jato uma verdadeira faxina em vários espaços do ambiente público brasileiro.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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