Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

A comunidade jurídica já foi mais cônscia de que valores existem que não podem ser olvidados. Dentre eles, o reconhecimento dos atributos pessoais de próceres que possam servir de modelo para as novas e futuras gerações. De tempos para esta data, a voragem do tempo e a mutação profunda dos costumes sociais não tem permitido o cultivo do passado. Investe-se mais na tática das homenagens aos detentores atuais do poder, do que em reverenciar os que se foram. Os vultos responsáveis por relevantes conquistas em todas as áreas das ciências do direito já não merecem aquele culto que um dia se prestou aos que já deixaram este plano terreno.

Houve tempos em que a partida de um grande jurista comovia a comunidade e inúmeras vozes se faziam ouvir para o lamento laudatório. Hoje, o atropelo dos factóides parece debilitar a capacidade de exprimir emoções. São tamanhas as requisições destinadas aos viventes, que não há tempo para chorar os mortos.  

O BRASIL perdeu dia 15 de fevereiro último um dos maiores magistrados que o Judiciário já produziu: o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, que judicou no STJ desde 1989, até o trágico AVC que o impediu de presidir o Tribunal da Cidadania. Ingressou na Magistratura mineira por concurso, aos 27 anos, depois de ter sido advogado e promotor. Percorreu todos os estágios da carreira e desde cedo observou que a Universidade não produz juízes. Oferece à sociedade, no máximo, bacharéis em ciências jurídicas. Mas exercer a jurisdição carece de formação. Daí a imprescindibilidade das Escolas da Magistratura, a única real revolução do Judiciário no século XX.

Criou a Escola Judicial “Desembargador Edésio Fernandes”, do TJMG e depois impulsionou a criação ou a consolidação de inúmeras outras Escolas de Juízes no Brasil e na América Latina. Foi Diretor da Escola Nacional da Magistratura, que dinamizou e fez relacionar-se com as congêneres de todo o mundo. Incentivou a elaboração de uma doutrina de preparação e formação de Magistrados, procurou dotar o Judiciário brasileiro de pensadores e humanistas que deixassem o ranço do tecnicismo e da anacrônica tradição medieval, mas acordassem para as urgentes necessidades contemporâneas.

Na visão do Ministro Carlos Velloso, o Judiciário que o Ministro Sálvio propôs estaria afinado com os grandes temas contemporâneos, jurídicos e metajurídicos, e estaria adequadamente formado para um enfrentamento eficiente. Pois “é isto e muito mais do que isto que o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira preconiza, ele que é autor de leis processuais que têm concorrido para o desemperramento da máquina judicial. Sálvio tem-se revelado, além de juiz notável, primoroso nos julgamentos, autêntico líder da magistratura brasileira. E sua liderança tem levado grande número de juízes a adotar posições que aperfeiçoam a função jurisdicional e melhoram o acesso à Justiça” (apresentação do livro do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, O Juiz – Seleção e Formação do Magistrado no Mundo Contemporâneo, Ed.Del Rey).

Predestinado a liderar, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira foi responsável pela grande revolução do processo no Brasil e exportou sua experiência para a comunidade lusófona, onde era muito respeitado. Sabia agregar, era admirado, estimado e verdadeiramente venerado. Tanto que existe até mesmo uma associação denominada SAS – Sociedade dos Amigos do Sálvio. Privar de sua amizade era constatar que o mineiro de Salinas conservara as tradições do interior das gerais, mantinha a verve humorística, cultivava a música e as artes. Levava a sério essa eleição afetiva que é a escolha dos parentes do coração, que são os amigos.

Esse homem que dispunha de tanta autoridade e merecia tamanho respeito, que conseguiu levar para o STJ quase todos os quadros que conheceu e entendeu pudessem bem servir à Justiça brasileira, deixa um legado que somente a posteridade saberá reconhecer, pois a proximidade da perda, ao aturdir os que o conheciam, impede apreciação serena do alcance de sua obra em benefício do aprimoramento da Magistratura brasileira.   


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Paulo Bonfim e o muro da poesia

Vocações há que escolhem uma senda – ou são por ela escolhidos? – e a percorrem sem variação, durante toda a vida. Não me parece coerência o espírito se confinar em uma única forma de cultura. Talvez por isso, o que sempre admirei em PAULO BOMFIM foi o seu desembaraço nos domínios mais variados. A capacidade que tem de falar com igual propriedade e idêntica sutileza sobre a História de São Paulo, sobre filosofia, sobre fatos curiosos que dariam outra Mil e Uma Noites, melhor traduzidas neste caso por Mil e um Almoços Deliciosos preparados pela Lúcia, naquele paraíso que alguns daqui frequentam com assiduidade.

Domina todos os assuntos e em todos eles a graça de seu estilo, o sabor na escolha das palavras, a candura que emana de um homem incapaz de ver defeitos em qualquer próximo. Mesmo aqueles que nos santificam, por nos atormentarem.

Predestinado à universalidade, provido de talento para exercitar seu espírito em todas as direções, é uma das inteligências mais lúcidas, mais vivas, mais inebriantes dentre as muitas com que fui premiado nestas quase setenta décadas.

Seu sorriso enciclopédico, sua visão tão refinada e seu cavalheirismo suscitam aprovação geral. Sua existência o tornou transparente diante de si mesmo. Pagou tributos por ser quem é. Mas enfrentou o sofrimento com estoicismo poético. Nunca cessou de jorrar essa usina produtora de beleza e lenitivo. “Se a língua cria a realidade e a poesia cria a língua, quem cria a poesia?”[1]. PAULO BOMFIM.   

É como poeta que o povo o conhece. Domador de palavras, amante da língua, de sua beleza, de sua riqueza, de seu mistério e de seu encanto, da qual poderia dizer: “Ela é meu compromisso, através dela concebo minha realidade e por ela deslizo rumo ao seu horizonte e fundamento, o silêncio do indizível. Ela é minha forma de religiosidade. É, quiçá, também a forma pela qual me perco”[2].

Há uma simbologia evidente na permanência da poesia nos muros de ANCA e CARLINHOS SALEM, decorrido já um ano. Doze meses, trezentos e sessenta e cinco dias resistindo à pichação que enfeia a metrópole. Até a delinquência – sim, pichar é delito! – respeita a poesia. Não conspurcou a “expressão concreta e artística do intelecto humano em língua emocional e rítmica”[3]. PAULO BOMFIM é legítimo herdeiro daqueles heróis que admira e já cantou: os bandeirantes. “O poeta representa a ponta da cunha que a conversação força para dentro do indizível. Os poetas são os nossos bandeirantes, que se expõem, em nosso benefício tanto quanto no seu, ao perigo da aniquilação pelo indizível. Longe de estarem isolados, são, justamente por terem se recolhido, os condutores da conversação”[4].

Os muros servem de proteção e as muralhas habitam o inconsciente coletivo desde sempre. Fala-se em muralhas ciclópicas, edificadas na civilização micênica, obra dos ciclopes, gigantes que deram a Zeus os raios de que se serviu para derrubar Cronos, seu pai, na origem da era olimpiana. Os muros de ANCA e CARLOS SALEM tornaram-se também ciclópicos, pois eternizam a poesia de um gigante, o poeta PAULO BOMFIM. Gigante no seu talento e erudição, mas gigante ainda maior pelo seu enorme coração, onde cabemos todos nós e quem mais vier.  


[1] GUSTAVO BERNARDO, Prefácio a Língua e Realidade, de VILÉM FLUSSER, 3ª ed., São Paulo, Annablume, 2007, p.9. 

[2] VILÉM FLUSSER, op.cit., p.13.

[3][3] Definição de poesia da Enciclopédia Britânica, citada por VILÉM FLUSSER na obra citada, p.181.

[4] VILÉM FLUSSER, op.cit., idem, p.187.


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Todos enredados

A verdade é que ninguém mais consegue viver sem participar das redes sociais. Até mesmo Joseph Ratzinger, o filósofo que sucedeu João Paulo II e adotou o nome Bento XVI, estreou no twitter no final do ano passado. Padre Marcelo Rossi recomendou que ele também faça parte do Facebook. Hoje, quem não está nas redes está desconectado do mundo.

Verdade que alguns teimam em não ter celular, em não usar computador, em confessar – até com indisfarçável orgulho – “não ser escravizado pela tecnologia onipotente”. Mas a imensa maioria já se conscientizou de que sem se conectar não há salvação terrena. Hoje, quem precisa de um emprego tem de saber que o recrutamento se faz também mediante pesquisa em páginas como o Google.

É bom saber que os profissionais de RH, ao digitarem um nome no Google, não vão além da primeira página de resultados. E as ferramentas online disponíveis não eliminam as informações pouco lisonjeiras. É por isso que Universidades corretas e que se interessam pelo day after de seu egresso propiciam um programa gratuito para ajudá-lo a encontrar bom emprego. É o que acontece com a Universidade de Syracuse, por exemplo.

As redes podem ajudar a construir uma boa reputação, como podem detonar a imagem de qualquer pessoa. Lisa Severy, que é Presidente da Associação Nacional para desenvolvimento de carreiras nos Estados Unidos, reconhece a importância da boa imagem profissional na internet. Para ela, não é segredo que os estudantes estejam acostumados com uma circunstância inevitável: detalhes íntimos da vida de qualquer pessoa estão disponíveis na internet desde o dia em que ela nasceu.

Pesquisa realizada pela CareerBuilder com 2 mil gerentes de RH mostrou que mais de 40% das empresas usam redes sociais para pesquisar sobre a vida dos candidatos. 1/3 dos recrutadores disse ter feito algum tipo de anotação sobre a pesquisa nos currículos dos candidatos, como evidências de uso excessivo de bebida alcoólica ou de algum tipo de droga.

O estudante de hoje, profissional de amanhã, deve se envolver ativamente na construção de sua presença online. É o que impõe a vida contemporânea. Sem escapatória. De forma irreversível.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Faltam Trumans no Século XXI

O brasileiro e sua mania de piadas não perdoava o presidente Eurico Gaspar Dutra, do qual se dizia ser um pouco simplório. Daí propagar-se que ao se encontrar com o presidente americano Harry Truman, ao “How do you do, Dutra?”, teria respondido: “How tru you tru, Truman?.

Mas não é a piada que interessa. Truman foi um exemplo de chefe do Poder Executivo. Ao deixar a presidência do mais poderoso país do mundo, continuou pobre como sempre fora. Sua única propriedade era a casa em Independence, no Missouri, herança de sua esposa. Saiu da Casa Branca, após a posse de Eisenhower,  a dirigir seu próprio carro, sem qualquer escolta e sem a proteção da segurança. Por sinal que, ao deixar a presidência, em 1952, toda a sua renda consistia numa pensão do Exército de 13.507 dólares anuais. Pagava seus próprios selos no correio e, reconhecendo a miséria da remuneração, o Congresso propiciou-lhe uma pensão de 25 mil dólares anuais.

Não faltavam ofertas de empregos ou para integrar conselhos. Mas ele não aceitava e respondia: “Vocês não me querem a mim, o que querem é a figura do presidente, e essa não me pertence. Pertence ao povo norte-americano e não está à venda…”.

Sua modéstia chegava ao ponto de recusar a Medalha de Honra outorgada pelo Congresso em 6/5/1971, quando completou 87 anos. Escreveu aos parlamentares: “Não considero que tenha feito nada para merecer esse reconhecimento, venha ele do Congresso ou de qualquer outra parte”. 

Inacreditável que, na condição de presidente, pagou todos seus gastos de viagem e de comida com seu próprio dinheiro. Dispensou mordomias. Chegou a escrever: “As minhas vocações na vida sempre foram ser pianista num bordel ou ser político. E para falar a verdade, não existe grande diferença entre as duas!”.

Contra ele pesa o fato de haver autorizado a bomba sobre Hiroshima e Nagasaki. Só no primeiro momento, morreram mais de 220 mil pessoas. E as mortes continuaram nos anos seguintes, vitimando os que estiveram expostos à radiação. Mas isso não tira o mérito de ter sido um homem singular, incomum. Nunca mais houve um Truman. Lá ou cá. E seu exemplo quanto ao uso do dinheiro do povo é a exceção que confirma regra exatamente oposta. 
 
JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Fora do eixo

Só não aprende quem não quer. A internet permite aulas gratuitas para todos os interessados em se aprimorar. A Universidade Federal do Rio de Janeiro tem um projeto chamado “Universidade das Quebradas”, destinado aos “quebradeiros”, artistas, pessoas que já trabalham com produção cultural ou ativistas, gente articulada e antenada. O público é heterogêneo mas o projeto não é passatempo.

Os estudantes discutem prosa modernista, a cada semana conhecem um novo mestre. As trocas de ideias prosseguem na internet com artigos que podem ser acessados no portal – universidadedasquebradas.pacc.ufrj.br . O projeto existe desde 2010, fruto de um insight das pesquisadoras Numa Ciro e Heloisa Buarque de Holanda. 

Elas perceberam que pessoas com experiência têm saberes que a Universidade não ensina, nem discute. Criou-se a extensão para tratar da história da cultura, com foco inicial na literatura, artes visuais e filosofia. Logo em seguida vieram o teatro, o cinema, a dança e a música. Outras universidades, inclusive a de São Carlos e a FGV do Rio têm iniciativas semelhantes.

Fora da universidade, há o trabalho do Observatório de Favelas e a Universidade Fora do Eixo. Insistem na criação de redes colaborativas de conhecimento fora da universidade. Também existe o movimento Batalhas de Conhecimento, ligado aos grupos de rap. O circuito Fora do Eixo é uma universidade que não tem um campus, mas 400 campi. Nenhum fixo. 

Não tem um curso, mas dezenas. Não há grade curricular, mas o aluno acumula créditos, somados e colocados em sua certificação. Não há ano letivo, pois o percurso é montado conforme a oferta. Todas as atividades são gratuitas e têm vagas limitadas. As redes sociais se congregam na Universidade da Cultura Livre – Unicult, espécie de consórcio de instituições multilaterais integradas a um processo de formação continuada na área cultural. 

A internet é a plataforma base desse modelo alternativo de educação. Forma-se um novo eixo de aprendizado fora da camisa de força da escolarização tradicional, nem sempre apta a descobrir os talentos do alunado recluso a um sistema de aferição da capacidade de memorização e desconhecedor das individualidades que têm potenciais nunca desvendados.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Décio, um jundiaiense

A amnésia oficial que acomete pessoas físicas e jurídicas fez mais uma vítima. Décio Pignatari era jundiaiense, onde nasceu em 20.8.1917 e morreu em 2.12.2012, em São Paulo. Era poeta, ensaísta e tradutor. Junto com os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, lança em 1956 o movimento concretista durante a Exposição Nacional de Arte Concreta.

Publicou seus primeiros poemas em 1949, na Revista Brasileira de Poesia. Estudioso da comunicação, ajudou a fundar a Associação Brasileira de Semiótica, nos anos 1970. Escreveu “Informação, Linguagem e Comunicação” (1968), traduziu obras de Marshall McLuhan e era considerado uma das inteligências mais incisivas do Brasil. Para Augusto de Campos, “Décio era um extraordinário poeta e pensador. 

O maior poeta-inventor da minha geração, e um dos maiores da literatura de língua portuguesa de todos os tempos. Radical adversário da ‘geleia geral’, nunca recebeu prêmio nenhum por seu trabalho. Incomodava universidades e academias. Apesar de amplamente reconhecido como um dos fundadores da poesia concreta, era muito mais do que isso e morre – Oswald da minha geração – incompreendido e injustiçado como esse.

Não me convence o pós-blablablá de inimigos e pós-amigos de última hora que sempre hostilizaram a poesia de ponta e agora põem a cabeça de fora. Lembro do que Maiakovski escreveu sobre Khlébnikov: ‘Onde estava essa gente enquanto ele vivia?’ O Brasil das sobras nem imagina o que perdeu. O filtro do tempo vai ensinar”. Jundiaí também não sabe o que perdeu. Décio não era ressentido. 

Encontrava-se em plena atividade, escrevendo uma peça de teatro e pensava em se dedicar à prosa filosófica, por haver descoberto Martin Heidegger e Soren Kierkegaard. O último livro de Pignatari foi o infantil “Bili com Limão Verde na Mão”, publicado pela Cosac Naify em 2009 e seu espólio ficará aos cuidados de seu filho Dante Pignatari, músico, que pretende reeditar a obra, hoje espalhada entre muitas editoras.

Assim como o Brasil, Jundiaí deve algo de mais concreto a seu filho Décio. As novas gerações têm direito a saber que nesta terra também nasceu um poeta irreverente, que estudou Direito na USP e foi um dos maiores em tudo aquilo que produziu.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Ainda falta à Justiça

O Judiciário, sempre tão mal avaliado pela população, mereceu um crédito especial nestes meses, em virtude do julgamento da Ação Penal 470. Mas isso não garante a perenidade da confiança do usuário. Este reage de acordo com inúmeras condicionantes. Se pensarmos que o Judiciário tem 90 milhões de processos em curso e que, excluídas as crianças, que geralmente não litigam e que em cada demanda há pelo menos duas partes em antagonismo, concluiríamos que toda a Nação litiga. É uma nação enferma!

Por isso é que a Justiça precisa de novos rumos. Urgente a procura de alternativas ao Judiciário. Ao menos, ao Judiciário convencional. Este de quatro instâncias, mais de cinquenta oportunidades de reapreciação do mesmo tema. Complicado, sofisticado, formal, burocratizado.

Eu começaria por um recrutamento de magistrados e de servidores com outros parâmetros. Pessoas com coragem de mudar. Que não achem perigoso arriscar. Como disse recentemente Nolan Bushnell, criador do Atari e mentor de Steve Jobs, “o perigoso é não arriscar. Eliminar a criatividade e a inovação leva qualquer empresa ao declínio”. Ou seja: “Sem explosões de criatividade, nada dura em um mundo de inovações constantes…O ser humano é conservador por natureza. Temos de por nossas esperanças e também nosso dinheiro naqueles poucos que ousam pensar além do convencional”.

No mundo da instantaneidade das comunicações, porque o Judiciário tem de continuar a ser esse universo hermético, cheio de papéis e de arquivos, com uma tecnicalidade que as pessoas não conseguem decifrar? Por que o processo é uma arena de astúcias, onde vence o mais esperto e o mais matreiro? Por que no Brasil é o infrator que manda o ofendido buscar a Justiça e não o contrário?

É preciso estimular alternativas a essa lenta, dispendiosa e incerta busca por uma decisão judicial após anos de luta. Estimular a conciliação. Buscar novas fórmulas de obtenção da solução justa. Enfim, fazer com que a juventude se debruce sobre isso. Tenha ousadia e coragem para mudar. Como dirá Nolan Bushnell aos que o ouvirem na Campus Party: “Acredite em sua ideia, fuja do óbvio, ouse!”. Se o Brasil dispuser de uma Justiça mais eficiente, tudo será diferente!
 
 * JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Ninguém enxerga?

Fico abismado com a aparente insensibilidade do que resta em termos de lucidez brasileira, quanto à situação da Justiça. O CNJ anuncia que em 2012, tínhamos 90 milhões de processos em curso. Ora, se criança em tese não litiga e se em cada processo temos ao menos dois litigantes, teríamos a situação dramática de um Brasil em litígio? Todos estão processando ou sendo processados ou ambos simultaneamente?

É claro que esse número é falacioso. Extraia-se desse total o correspondente às execuções fiscais. A redução será sensível. Elimine-se o montante de ações em que o Estado – União, Estado-Membro, Municípios, autarquias e outras exteriorizações – for parte e chegar-se-á à quantidade aproximada dos conflitos em curso. Aproximada, porque muitos desses processos não acolhem verdadeiras controvérsias. São questiúnculas que poderiam ser resolvidas mediante diálogo ou acerto direto entre as partes.

A ser verdade que o Brasil inteiro litiga, como os números salientam, a conclusão seria trágica: a sociedade brasileira está enferma. Pois não é normal existir esse grau de litigiosidade posto à apreciação dos Tribunais. A patologia estaria a merecer outros remédios, que não a multiplicação dos cargos de juiz, de promotor, de defensor, de todas as demais carreiras jurídicas.

A judicialização exagerada é um sintoma de anomalia grave. Teria a sociedade perdido a capacidade de assumir suas responsabilidades e de espontaneamente solucionar questões para as quais é desnecessário o recurso ao Judiciário? Pior ainda: a Justiça não está sendo instrumentalizada exatamente por quem não tem razão? 

O infrator, não apenas o delinquente, mas aquele que deixa de cumprir suas obrigações na ordem civil, teria descoberto uma fórmula de se safar definitivamente ou ao menos de prolongar ao infinito a necessidade de responder por seus atos. Essa fórmula é entregar o problema à Justiça. Num país com 4 instâncias, quase cem tribunais, 17 mil juízes e 90 milhões de processos, não é tarefa impossível conferir um prazo que a sensatez nunca ofereceria àquele que tem de acertar contas. É a Justiça atendendo a uma finalidade completamente antagônica às finalidades para as quais preordenada. Urge que o brasileiro consciente reflita sobre isso.   
 
* JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Aceitarei a velhice

Era o nome de um poema de Lupe Cotrim Garaude, que morreu jovem e linda, vítima do câncer. Leu o poema junto à lareira do “Clubinho” na Fazenda Campo Verde, experiência insuperável e irrepetível que Dulce e Victor Simonsen vivenciaram em Jundiaí. Lupe sabia que estava condenada e em estágio terminal. Daí o seu compromisso : seria bem-vinda a velhice, desde que viva.

Na verdade ela permanecerá esplêndida e jovial na memória coletiva e, de forma bastante singular, na recordação de quem a amou. Teria ela aceito a idade e o séquito de suas mazelas? Viver muito impõe tributos às vezes quase insuportáveis. Deficiência dos sentidos, deterioração das faculdades, depauperação física. Talvez por isso Walmor Chagas, que viveu uma vida plena e que, por viver da arte, poderia encarar o mundo de outra forma, não resistiu às vicissitudes naturais. 

Não queria incomodar ninguém. O idoso se sente um peso. Sabe que na vida atual não há lugar para o velho. A juventude é onipotente. Pensa que ficará assim para sempre. Lya Luft, numa de suas crônicas, também critica a tentativa de fantasiar a chegada dos anos. “Melhor idade?”, quem pode afirmar isso? Os pais que os filhos colocam nas “casas de repouso” ao menor sinal de comprometimento das funções básicas? 

Aqueles que não recebem visitas dos filhos e menos ainda dos netos? O Primeiro Ministro japonês fez uma declaração cruel, mas verdadeira. Os idosos que já não produzem deveriam se apressar a morrer. E ele fala num país em que o suicídio é uma saída honrosa, não uma fuga. Existe o Estatuto do Idoso, mas a impregnação cultural é mais densa. A mídia consagra a mocidade, não a velhice. 

O ideal de todos é parecer jovem. Mesmo no ridículo da submissão irrestrita a ditames de moda feita para jovens e usada por quem não enxerga a própria idade. A receita é aceitar a velhice, como no poema de Lupe. Com suas dores, suas saudades, seus remorsos, suas constatações de que o sonho é infinito e o realizado é pífio. Conscientizar-se de que o fim de tudo é idêntico para todos.

Agradecer, se puder e tiver motivos, não ter o destino desses moços que desaparecem às centenas, asfixiados, mortos por erro médico, por brigas de gangues, em chacinas que não comovem, pois a morte do outro é algo que o egoísta não absorve e nem sente, senão por alguns instantes.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.