Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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TEM DE SER PARA VALER

            Qual a razão de se inserir no tema dos negócios a cultura ESG? Não pode ser modismo, nem subterfúgio para a continuidade nas práticas lesivas da natureza e, portanto, causadoras da potencialidade – não remota – de interrupção definitiva da experiência humana sobre o planeta.

            A ciência enxerga com lupa aquilo que acontecerá para esta humanidade tão impiedosa para com o único ambiente de que dispõe para viver. Há tempos anuncia o exaurimento dos recursos naturais e os sombrios horizontes que se avizinham mais rapidamente do que se poderia supor. Só que existe o malefício da política profissional: aquilo que deveria servir para coordenar a convivência, tornou-se um território exclusivo dos interesseiros, daqueles que se propõem a defender o bem comum, mas perseguem a satisfação da própria cobiça.

            Quando se verifica a falência da Democracia Representativa, incapaz de responder às aspirações comunitárias, é hora de protagonismo por atores diversos. Universidade, empresariado, Terceiro Setor, sociedade civil e lideranças individuais têm de assumir o compromisso de levar a sério as ameaças que rondam o mundo.

            Uma das fórmulas encontradas foi elaborar o conceito ESG, da sigla em inglês, que para nós seria ASG. Ambiente, Social e Governança. Reverter a sanha assassina do verde e da biodiversidade, cuidar de ao menos reduzir a profunda desigualdade social existente entre os incluídos e os excluídos do banquete capitalista e adotar uma governança corporativa capaz de atender, simultaneamente, ao tríplice objetivo.

            Um bom sinal foi o estabelecimento do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores. Em fevereiro de 2022, pela primeira vez, foram divulgadas as notas obtidas pelas companhias que formam essa carteira. Dentre as setenta e três empresas inscritas, quarenta e seis tiveram avaliação suficiente para ingressar na carteira neste 2022. O primeiro lugar no ranking coube à EDP – Energia do Brasil, seguida pelas Lojas Renner, Telefônica do Brasil, CPFL Energia, Natura, Klabin, Itaú, Ambipar, Suzano e Engle Brasil Energia.

            Empresas que também ostentam tal “selo” em sua publicidade não lograram acesso ao fechado clube dos que atendem completamente às exigências no tríplice eixo de avaliação. Assim, quem poluiu, ainda que por acidente, não poderia mesmo estar entre as eleitas. Ou quem sucede a grupos envolvidos em esquemas de corrupção, da mesma forma.

            Causa estranheza que negócios conhecidos por considerável emissão de gases causadores do efeito estufa possam disputar o ingresso na relação dos que preservam a natureza em lugar de agredi-la. Talvez fosse o caso de exigir de tais empresas, enquanto não alcançarem o grau ótimo de descarbonização, que investissem maciçamente em projetos de reflorestamento, pois o Brasil tem uma carência de mais de um bilhão de árvores.

            Também precisa ser corrigida a insuficiência dos critérios de aferição da observância dos requisitos propiciadores da figuração na lista. Tudo ainda é um pouco formal, depende de informações fornecidas pelo próprio interessado. Seria interessante estabelecer um esquema de auditorias e de inspeção a cargo do Terceiro Setor, ou das ONGs ligadas à tutela ambiental. Quando o ISE aceita corporações com evidentes e conhecidos problemas ecológicos, ela desvaloriza a estratégia e desestimula as boas práticas, equiparadas aos detratores da natureza.

            É óbvio que a iniciativa é um primeiro passo, que existe exatamente para fazer com que haja compromisso de aprimoramento nas condutas e redução dos entraves postos no caminho de uma empresa amiga da natureza, das pessoas e ainda seja lucrativa, para atrair investimento.

            Um bom exemplo é a vinculação dos dividendos à observância dos mandamentos ESG. O bolso é aquilo que mais motiva os homens. Se eles perceberem que só receberão bônus das empresas em que investem se elas se comportarem de maneira adequada às exigências contemporâneas, de certo serão o motor de aceleração da boa conduta.

            O importante é fazer com que essa mentalidade se espraie, contamine a população, porque o melhor fiscal da empresa é o consumidor. Quando o consumidor vier a se educar adequadamente, sabendo que o futuro de sua prole se condiciona à responsabilidade do produtor, ele será um bom avaliador. E expelirá do mercado quem continuar a perpetrar tais infrações ambientais, aumentando o nível de desigualdade e se descuidando da governança inteligente.

            ESG não é retórica: tem de ser para valer. Não há alternativa.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.

     


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PUBLICAR É CADA VEZ MAIS FÁCIL

            Recorro sempre a uma frase da querida Lygia Fagundes Telles, a mais cultuada romancista brasileira, sobre a escrita e os escritores: – “Hoje, todos escrevem! Há uma explosão de escritores! Nós precisamos é de leitores!”.

            Ou seja: a grande escritora, acadêmica da ABL e da APL, vencedora do Prêmio Camões, presença corajosa na defesa da cultura e da literatura no regime autoritário, com obra filmada, teatralizada, televisionada, nunca viveu de direitos autorais. O Brasil não é um país de leitores.

            Mas é legítimo querer publicar. Livros são, na verdade, como filhos. Concebemos, geramos, acompanhamos a sua formação, até que vêm à luz, quando publicados. Há muitos estímulos destinados a quem quer estrear na literatura. Recente artigo de Leandro Karnal era uma verdadeira aula de bem escrever. O filme “O autor”, disponível na Netflix, mostra um drama bem comum. O aspirante a escritor tem aulas, se submete a oficinas em que sua falta de talento é anunciada a todos os cursistas, não consegue concretizar seu projeto. Enquanto isso, a mulher, que escreve profusamente platitudes e clichês, cai no gosto do público e vende centenas de milhares de livros.

            O bom escritor tem de ser melhor leitor. É lendo que se assimila estilo, linguagem, metáforas, figuras que podem tornar mais interessante uma obra. E escrever é treino. Deve-se escrever todos os dias. Um bom início é o diário. Registrar o que parece interessante. Ou aquilo que, não sendo interessante, assim se torna pelo talento descritivo do redator.

            A boa notícia, que dá título a este artigo, é que existem inúmeras possibilidades de se publicar um e-book. Embora ainda não tenha caído no gosto popular, tenha vulnerabilidades como a pirataria, o livro eletrônico facilita bastante a publicação dos iniciantes. Para os novatos, é o caminho mais promissor. Pois o livro digital democratizou o acesso à publicação. Aqueles que não encontram editora interessada, podem recorrer a várias empresas que se propõem a publicar o livro. Em regra, fazem as duas versões: o livro físico e o livro digital. O primeiro só é adquirido on demand, ou seja, a partir da compra do interessado. Isso permite se publique um só livro. Ou dez exemplares, para entregar aos amigos ou à família.

            A Amazon, grande conglomerado que é uma das gigantes contemporâneas, ao lado de Google, Microsoft, Alibaba e poucas outras, tem uma plataforma de publicação de livros digitais chamada Kindle Direct Publishing. Esses escritores já receberam de direitos autorais mais de um milhão e meio de dólares. O projeto da Amazon permite que os escritores recebam participação muito maior do que o usual nas editoras convencionais. Chegam, na Amazon, a receber até 70% do valor cobrado pelo e-book.

            É um estímulo e tanto para quem não consegue reprimir a vontade de escrever. Como a maioria dos escritores escreve para si próprio, há uma demanda reprimida por publicação, que pode ser atendida pelo e-book. Uma reportagem de Lucas Agrela, para o Estadão, narra o sucesso obtido por Alberto Brandão, que publicou, sob o pseudônimo Startup da Real, a obra chamada “Este livro não vai te deixar rico”.

            Ele desmistifica o empreendedorismo, um dos verbetes mais utilizados no cotidiano, que ilude muitos jovens à procura de sobrevivência digna num país que tem vinte milhões de nacionais passando fome e outros quinze milhões procurando emprego. As startups estão, para esse público, assim como o futebol costumava alimentar a fantasia dos moleques brasileiros. Todos se achavam potencialmente Pelés, Ronaldinhos ou Neymares… Quantos se deram bem no futebol? Quantos ficaram frustrados ou retidos no futebol de várzea?

            Assim também as startups. Alguns vencem. Mas é preciso tenacidade, imaginação, um lastro cultural que, infelizmente, a escola não fornece. Ela está no medievo, transmitindo informações – quase sempre desnecessárias – para que o educando as decore. Arquive na memória para acertar quando for avaliado.

            Por isso é importante escrever. Ler e escrever. Praticar. Treinar. Não esmorecer. Foi o que Alberto Brandão fez. Seu livro caiu na rede e foi apreciado por milhares de pessoas. Isso fez com que a editora Planeta se propusesse a publicar versão ampliada em edição impressa.

            Publicar, portanto, é cada vez mais fácil. Não hesite. Ponha suas ideias no papel ou na telinha. Vale a pena.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.  


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O VERDE DA ESPERANÇA

            A Amazônia entrou na agenda planetária, assim que sua destruição foi acelerada nos últimos três anos. O mundo sabe de sua importância para mitigar os efeitos do aquecimento climático, fruto da insanidade e ganância dos humanos. Cientistas alertaram o governo, sem obter qualquer êxito. Seus apelos não conseguiram comover a sociedade, que se fora coesa, impediria a delinquência perpetrada contra esse patrimônio ainda ignorado pela maior parte da população.

            Mas há instrumentos mais eficazes do que os postulados da ciência. A imagem é uma ferramenta eficiente de persuasão. E é isso o que Sebastião Salgado sabe fazer com o talento e sensibilidade que o convertem num dos brasileiros mais lúcidos, coerentes e importantes para a salvação de nosso maltratado bioma.

            Ele não começou agora. Ele chegou a visitar a Amazônia mais de sessenta vezes em sete anos. Comoveu-se com o desmatamento, com os incêndios, com as grilagens, invasões, agressão desmesurada contra ribeirinhos, comunidades tradicionais e as etnias indígenas que resistiram ao genocídio iniciado no século XVI.

            Salgado ama a Amazônia: “Tenho a esperança de que minhas fotografias traduzam essa generosidade da Amazônia”. Generosidade da natureza, doadora espontânea de oxigênio, de cor, de vida em abundância. Por isso é que a mostra das fotos é um depoimento amoroso: um poema ecológico e idílico.

            Sebastião Salgado, o maior fotógrafo brasileiro e, com certeza, de toda a Terra, começou a visitar a Amazônia nos anos 1980 e intensificou suas viagens nos anos 2000, por conta do projeto “Gênesis”. A proposta era sedutora: retratar lugares ainda intocados do planeta.

            Ele pode, portanto, comparar o que era a Amazônia até há vinte e dois anos e o que ela é hoje: “constatei uma grande ferida na Amazônia, ela estava machucada. Vi regiões que, naquela época que eu tinha trabalhado, eram florestas totalmente virgens, e elas já estavam bem, bem destruídas. Aí vi que era o momento de fazer um trabalho maior”.

            O planeta recebeu, estarrecido, as fotos dos incêndios e da destruição da mata com o uso intensificado da motosserra e dos “correntões” puxados por dois tratores, que fazem o extermínio por atacado. Derrubam centenas de grandes árvores e levam consigo as pequenas, no plano predeterminado de produzir terra arrasada.

            Essas imagens constituem o maior libelo contra a política antiambiental perpetrada no mais valioso bioma brasileiro. É como se as fotos bradassem “Eu acuso!”. Pedindo a punição dos dendroclastas e dos inimigos da natureza.

            Ele confessa que, nos anos 1980, sua curiosidade eram os humanos que habitavam a região. Pensou “que era um ser humano que eu imaginava muito diferente de mim. Mas descobri imediatamente que eram exatamente como eu. Tudo o que era sério e essencial para mim, era sério e essencial para eles”.

            Esquecem-se os que patrocinam o extermínio da última grande floresta tropical do globo que ali residem cerca de vinte e cinco milhões de brasileiros, muitos dos quais empenhados em preservar o habitat que lhes garante o sustento. Assustados, apavorados, irresignados com o plano de eliminação do verde. Decepcionados, pois isso é obra de brasileiros como eles! Como é que o Brasil chegou a tal retrocesso?

            Sebastião Salgado lamenta o desmanche da Funai, do Ibama e de outras instituições consolidadas, idealizadas justamente para a proteção do patrimônio da biodiversidade e compatíveis com o tratamento constitucional conferido ao ambiente.

            Como a era é a das teorias conspiratórias, além da desestruturação oficial, colabora para piorar o quadro o impacto da crise climática. Ele constatou secas nunca antes registradas.

            Salgado e sua mulher, Lélia Wanick Salgado, são ecologistas de fato. Mantêm um projeto de reflorestamento em Minas Gerais que já recuperou áreas mortas e que é um êxito internacionalmente reconhecido.

            Mas é com suas fotos, já exibidas no mundo civilizado e agora oferecidas ao público brasileiro que ele procura conscientizar os próprios brasileiros para que defendam o que é seu. A Amazônia não é do governo, não é da República, não é do Estado brasileiro. Ela é do povo, o único titular da soberania. Se o povo quiser, a tragédia pode terminar.

            A exposição de fotos de Sebastião Salgado está no SESC Pompeia, rua Clélia, 93, na capital, podendo ser visitada aos domingos das 10 às 18 e das terças aos sábados das 10 às 21 horas, até 10 de julho. A entrada é gratuita!

As fotos são em branco e preto, também para que sintamos a importância do verde que, calcinado, se transforma em triste espetáculo de infinitos tons de cinza.

_ José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.