Nada se compara à magnitude do brilho colorido que aos poucos se apaga para anunciar a noite que chega
A escritora americana Mary Gordon se irritou com a gritaria de alguns pregadores que só falavam sobre “o fogo do inferno”. Esse Jesus que eles invocavam não era Aquele que sua formação católica propunha. Resolveu fazer uma leitura completa dos Evangelhos. Disso resultou o livro “Reading Jesus” (Lendo Jesus), o 15º de sua carreira e estrondoso sucesso nos Estados Unidos.
Nunca tivera a oportunidade de ler integralmente a Boa Nova. Mas pelo que sabia do catecismo, Jesus não era um histérico sequestrado pelo conservadorismo. Ao terminar a leitura, concluiu que “Jesus também nos deixou uma orientação ética valiosíssima e radical. É difícil de seguir e pode deixar a gente meio maluca. Mas, não conheço nada melhor!”.
Ela só tem dois livros disponíveis no Brasil: o romance “A Boa Forma” (Bertrand Brasil), de 1999 e a biografia de Joana D´Arc (Editora Objetiva). Para ela, o emocionalismo com que Jesus é citado gera medo e raiva. Ela intuía a existência de um espectro emocional maior e supunha a existência de pessoas que quisessem uma experiência emocional, mas não histérica. Quis oferecer uma alternativa aos fundamentalistas.
No caminho da leitura de ponta a ponta verificou que um dos males da nossa civilização é abrir mão da “leitura íntima” dos textos. “Lemos rápido demais, recebemos informação demais”. A interpretação serena do que se lê caiu em desuso. Ao mesmo tempo, o seu livro é reação à onda de publicações em defesa do ateísmo, de autores como Christopher Hitchens, Richard Dawkins e Sam Harris.
Seu conceito sobre eles é eloquente: “Hitchens é a minha “bête noire” (besta negra) particular. Acho esses escritores pouco sofisticados, intelectualmente primitivos. … Alegar que a religião é a maior responsável pelo mal do mundo é uma conclusão grosseira – e não tenho paciência para isso”.
O Jesus de Mary Gordon é personagem imprevisível e complexo. Até o “Jesus intransigente” é justificado, porque a intransigência dele é em relação a dinheiro e poder. A mensagem de Jesus engaja o leitor, porque não é simples. O tipo de justiça que interessa a Ele é o amor além do merecido. Ele força a humanidade a pensar em novos termos.
José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.