Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Isto também vai passar

É o nome do livro de Milena Busquets, jovem catalã que narra as aventuras de uma heroína que tem muito dela. Jovem, com dois filhos, divorciada, mas que mantém relacionamento fraterno com os ex-maridos, tem um amante e não se recusa a um flerte. Principalmente quando acabou de perder a mãe e sente um vínculo muito consistente entre Eros e Tanatos.

A libido é uma força muito intensa na vida da personagem. O nome do livro deriva de uma estória que a mãe contou quando Blanca – a protagonista do enredo – perdeu o pai, aos dezesseis anos. Um imperador chinês contratou os melhores filósofos para que encontrassem uma verdade indiscutível, que servisse para todo o sempre. Algo definitivo e atemporal. E os sábios, depois de algum tempo, responderam: “Isto também vai passar”.

Talvez com o intuito de serenar o tormento da filha, tão ligada ao pai – como em regra são as filhas, enquanto os filhos se ligam às mães – essa estória advertia que tudo passa. Aliás, a doutora da Igreja, Santa Teresa de Jesus, também espanhola, também dizia “Tudo passa. Só Deus não passa!”. Mas não foi ela a inspiração de Milena.

Morte e sexo estão mesclados em todo o livro. A personagem quer sublimar a partida da mãe mantendo relacionamento sexual com parceiros que já conhece e outros que ainda não conhece bem. E gosta de substâncias entorpecentes, num uso considerado normal em sua tribo. Aliás, não gostou quando perguntei se não receava que seus filhos garotos presenciassem esse consumo. Retrucou que o uso de maconha e outras drogas só acontecia enquanto as crianças dormiam.

Eu, que estava assustado por tomar conhecimento de mães que telefonam para amigos convidando para tomar vinho e “fumar muita maconha”, não entendi a reação um pouco inamistosa da escritora. O livro pode ser lido sem parar, mas não é uma obra que se queira levar para uma ilha, naqueles exercícios que nos sugerem o que seria imprescindível para uma temporada em solidão.

Só um trecho me encantou: “Quando o mundo começa a se despovoar das pessoas que nos amam, pouco a pouco vamos nos transformando em desconhecidos, ao ritmo dessas mortes”. Isso é verdade e serve para a minha aventura por este planeta, ora rumo ao inevitável.

 Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 27/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Duas coisas em falta

A mais célebre citação de Immanuel Kant, o filósofo com quem se pode concordar ou discordar, mas não se pode ignorar, é muito repetida em inúmeros ambientes. Ele escreveu: “Duas coisas preenchem a alma de uma admiração e de uma veneração sempre novas e crescentes, à medida que a reflexão a isso se aplica com mais frequência e constância: o céu estrelado acima de mim e a lei morar em mim… Associo-as imediatamente à consciência de minha existência”. Está no livro “Crítica da Razão Prática” e todo estudante razoável de filosofia a conhece.

São duas coisas destinadas a preencher a alma de admiração e veneração sempre novas e sempre crescentes, mas que estão em falta hoje em dia. A primeira, o céus estrelado. Raríssimo detectar alguma estrela no céu nublado ou envolto na densa camada de poluição das metrópoles. Evidência de escolhas erradas: o consumo de combustível fóssil levado ao paroxismo. Envenenamos o planeta e, aparentemente, não nos damos conta disso. De quando em vez surgem as estatísticas das enfermidades respiratórias derivadas do abuso na utilização de gasolina – de qualidade discutível – e do óleo diesel, que ainda é mais nefasto. O mundo todo fala em diversificação de matrizes energéticas, investe em carros elétricos, no uso da força eólica, das marés, do oxigênio, de outras energias produzidas a partir de substâncias neutras e continuamos a preservar cidades para carros. Será que já prescreveu o crime de acabar com as ferrovias para produzir a indústria do automóvel que, dentre outras características, é geradora de egoísmo e mortes a granel?

Mas é ainda mais grave a perda do sentido de “lei moral em mim”. O que é moral hoje para a maioria das pessoas? O que se ensina em termos morais para a infância e a juventude? Quais os ouvidos atentos para quem vier a perorar sobre comportamento irresponsável, boa conduta, ética e respeito à dignidade do semelhante? Entretanto a lição de Kant continua como advertência a uma civilização que parece ter perdido o rumo e tem dificuldades em retomá-lo.

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 27/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.

 


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A Pátria está Dodói

Quando uma vez pediram a Juca Chaves definisse o Brasil numa só palavra, ele respondeu: “Socorro!”. Essa boutade foi narrada por Carlos Antonio Luque, Superintendente da FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, ao dissertar sobre a real situação econômica do Brasil.

A crise profunda começou em 2014, mas é muito anterior. Esta é a pior recessão da História. Muito mais grave do que a famigerada crise de 1929. De 1945 a 1980, o Brasil cresceu em média 7,3% ao ano. A partir de 80, o crescimento caiu para 2,3. O País perdeu a capacidade de crescimento em virtude do déficit do setor público. Pouca produtividade e má política econômica.

Diante dos demais Países, o Brasil figura como o quadro mais triste, pois ostenta o pior desempenho. Em 2015, registrou-se queda de 3,8% e em 2016, continuou em queda: 3,3%. As despesas primárias crescem continuamente. A partir de 2011 o déficit é mais acentuado, porque o superavit primário declina completamente: 0,6 em 2014, menos 1,9 em 2015 menos 2,5 em 2016. A dívida bruta explodiu e as despesas com pessoal se mantêm a 4% do PIB. Por isso é que o investimento público é igual a zero.

Tudo isso sem contar os juros, que são inimagináveis. Não há Nação no mundo que tenha as taxas brasileiras. O que seria diferente no Brasil em relação a outros Países, que justificasse esta elevadíssima taxa de juros? Contemporaneamente, há Países em que a taxa de juros é negativa.

Aqui, a meta Selic chegou a ser 7,25% em 28.11.12, mas em 31.8.2016 era de 14,25%. E quem se anima a enxergar cenário róseo já no ano de 2017, fique atento: há quem diga que só em 2020 poderemos chegar aos níveis de 2014.

Acrescente-se a taxa de desocupação do brasileiro.  O desemprego só cresce desde 2012. Mas nunca atingiu os níveis atuais: 9,50 no trimestre móvel de novembro, dezembro de 2015 e janeiro de 2016. 10,20 no segundo trimestre, 10,90 no terceiro, 11,20 no quarto e no quinto e 11,30 entre abril maio e junho. E não há melhora.

São Paulo teve governo austero e há um certo equilíbrio entre receitas e despesas primárias: despesa de 1,68% e receitas de 1,59% entre 2011 e 2015. Mas o Brasil tem receitas negativas : 0,03% e despesa crescente: 5,67% no mesmo período. Mas é o Estado-membro que mais sofre, pois o mais industrializado. Não atrai mais dinheiro externo, porque a mídia noticia descalabros como se o País todo estivesse no caos, inclusive São Paulo. Embora a arrecadação correspondente ao ICMS tenha despencado de forma vertiginosa, desde 2014, chegando a um prejuízo de R$ 7,5 bilhões em 2016, é urgente reagir.

O quadro mais miserável é o da Previdência Social. Daí a perspectiva cruel de se culpar os idosos pela conta que não fecha. Por isso a inevitabilidade da Reforma da Previdência, da Reforma Tributária e do regime de contingenciamento que virá de forma inexorável.

Enquanto isso, a infância e a juventude não podem permanecer à margem. Precisam de educação integral e de qualidade. Esta não depende só de dinheiro. Está condicionada a valores intangíveis, quais o idealismo, o entusiasmo, a paixão, a esperança em dias melhores.

Este ingrediente está nos lares, nas escolas, nas Igrejas e em todos os espaços. Precisamos injetar ânimo e confiança em toda consciência lúcida. Não se foge da crise senão enfrentando-a. Quando alguém está doente, precisa de cuidados, tratamento, terapia. Se o Brasil está enfermo, não recuperará a saúde com revoltas, violências, manifestações que terminam em vandalismo. Ao contrário: o Brasil necessita urgentemente de carinho. Só assim terá sua higidez financeira restaurada. A hora é de juízo e até de heroísmo. Quem tiver outra receita, que a apresente e fundamente.

Fonte: Correio Popular de Campinas | Data: 21/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Criticar é fácil

Indiscutível o direito à liberdade de expressão, aí contida a crítica. Esta é saudável para fazer com que o criticado reflita, assuma suas responsabilidades, reconheça erros ou equívocos de percurso. Auxilia a lapidação da humildade, algo tão difícil para os egos convictos de sua superioridade.

Mas a crítica não pode ser leviana. Ela deve provir de quem, além de conhecer o assunto, está fazendo algo para melhorar as coisas. Depois de se envolver para o encaminhamento da solução, ao encontrar óbices, legítimo criticar e expor a impossibilidade de melhorar o panorama. A crítica gratuita, criticar por criticar, nada constrói.

Melhor seria que o crítico adotasse estratégias para melhor conhecer e poder intervir. Mobilizar recursos, gerar conhecimento, engajar pessoas para promover políticas públicas que estimulem ações em escala. Processos de intervenção e apoio são sempre bem recebidos. O importante é haver interação construtiva. Produzir conhecimento, promover relacionamentos, influenciar e monitorar políticas públicas, planejar, oferecer-se a gerir setores, tudo isso é saudável.

É preciso reconhecer que há prioridades e estas precisam ser discutidas. Discussão significa diálogo. Falar mas também ouvir. Argumentar e contra-argumentar. Nunca partir para a ignorância. Isso significa se servir da violência, que a nada leva e a tudo destrói. Leis físicas existem desde que o mundo é mundo e mesmo antes dele.

Toda ação provoca uma reação igual e contrária. Pode haver excesso de ambos os lados. Mas é urgente que a voz daquilo que teimamos em chamar “razão” seja ouvida nesta hora de exacerbação do dissenso. Em boa hora surge uma reflexão em torno ao mito do “homem cordial”, noção atribuída a Sérgio Buarque de Holanda e que nunca foi aquilo que passou a habitar a utopia ingênua dos tupiniquins.

Nunca fomos cordiais. Que o digam os acontecimentos lamentáveis e reiterados neste “País dividido por uma intolerância política e intelectual que não sabe senão transformar o interlocutor em cúmplice ou em inimigo”, como observou João Cezar de Castro Rocha, autor de “O Exílio do Homem Cordial”.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 23/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Você tem dor nas costas?

A dor nas costas é a maior causa de afastamento do trabalho no Brasil. 83,5 mil licenças em 2015, segundo o INSS. Ou seja: o equivalente a 228 afastamentos por dia. Em 2016 os números subiram: até março, foram 24.247 pessoas afastadas, média de 286 licenças por dia. Aumento de 25% em relação a 2015.

O estado de São Paulo representa 20% desse total, com 16.766 casos no ano passado. A má notícia é que esse número tende a aumentar, se não cuidarmos de algo que parece não preocupar as famílias. Estamos fazendo as crianças carregarem em suas mochilas escolares, mais do que 25% do próprio peso. Isso significa o comprometimento da coluna vertebral de adultos daqui a 20 anos.

Uma epidemia de dor nas costas e outras patologias, pois ninguém pode prever a consequência de concausas conforme a heterogeneidade dos organismos. É por esse motivo que precisamos repensar no conteúdo da mochila, ao mesmo tempo em que revisamos o conteúdo dos currículos escolares. No Ensino Médio, treze disciplinas obrigam o alunado a carregar os respectivos livros e, além do material didático e de garrafas com a bebida preferida, há evidente sobrecarga.

Além de reduzir o número de disciplinas, flexibilizando o currículo e abrindo espaço para o lúdico, para o intuitivo, para a relevantíssima parcela socioemocional da criança e jovem, precisamos investir rapidamente na utilização das tecnologias de informação e comunicação. A juventude já nasceu antenada, com chip em sua circuitaria neuronal que é essencialmente digital. Não encontra interesse na nossa circuitaria analógica.

O smartphone, o tablet e todas as outras bugigangas eletrônicas precisam ser utilizadas para finalidade pedagógica. Certamente, com evidente maior aproveitamento no aprendizado. Apenas por curiosidade, quais as outras causas do absenteísmo no trabalho?

73.113 fraturas na perna, 54.249 fraturas de punho e mão, 52.598 outros transtornos de discos intervertebrais, 48.635 fraturas do antebraço, 47.699 leiomioma do útero, 44.487 fraturas do pé, 43.091 episódios depressivos, 42.070 lesões do ombro e 39.916 hérnias inguinais. Vamos cuidar mais de nossa saúde e também evitar acidentes?

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 20/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Comunicação Indireta

Nem sempre conseguimos exprimir exatamente o que queremos. Ou o que nos vai n’alma. Porém, lendo textos alheios, podemos sentir a experiência de encontrar aquilo que gostaríamos de dizer. Sempre escrito de maneira até mais elegante, expressiva e convincente. Quando isso acontece, a vontade é se valer das palavras alheias para transmitir o sentimento intraduzível. Foi o que Pierre Hadot (1922-2010) fez ao final do livro que precisa ser lido por aqueles que ainda têm dúvida sobre a valia do estudo filosófico para a verdadeira formação humanística. O livro é um conjunto de entrevistas desse filósofo e  historiador de filosofia do Collège de France, estudioso de filosofia antiga, instigado por Jeannie Carlier e Arnold I. Davidson: “A Filosofia como maneira de viver” (São Paulo, É Realizações, 2016).

Depois de dissecar seu pensamento, satisfazendo a curiosidade daqueles que se encantam com seus livros que tratam de Marco Aurélio ou de Plotino, do estoicismo e da mística, tem-se a mais absoluta certeza de que a filosofia não é a construção de sistemas, mas a escolha de um modo de vida. É a experiência pessoal que visa produzir um efeito de formação, um exercício a caminho da sabedoria.

Ao final, no posfácio, Pierre Hadot cita autores que não quis apenas mencionar nem comentar. “Comentá-los seria tirar-lhes o sabor. Eles falam por si só. Assim me comunicarei uma vez mais com meu leitor, ,as de modo indireto”. Começa com Tchuang-Tse: “Eu conhecia do Tao apenas o que dele pode conhecer uma mosca de vinagre encerrada numa cuba. Se o mestre não houvesse levantado minha tampa, eu continuaria a ignorar o universo em sua integralidade grandiosa”. Quantos de nós somos “moscas de vinagre encerradas numa cuba”? Pensamos que sabemos tudo. Temos opiniões pré-formadas, pré-compreensões, julgamos  abruptamente, aceitando teorias de conspiração e presumindo a má-fé. Quem é que levantará a tampa que nos mantém ignorantes da verdade?

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 20/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Menos informações, mais sabedoria

O século que nos foi dado viver é surpreendente. Penso em meus avós que não viram a explosão comunicacional, não tiveram computador, não imaginaram o smartphone, o tablet, o google, o orkut, o whatsApp, nem puderam compreender o que é startup, o acervo mantido na cloud, a fibra ótica e a banda larga.

A vida era outra. Meus “nonos” italianos eram quase autárquicos. Plantava-se praticamente o que se iria consumir. Vinho, pão e sabão eram feitos em casa. Meus avós brasileiros eram anfitriões, às vezes forçados, de parentes que continuaram a residir na zona rural e que se instalavam sem cerimônia em sua casa acolhedora, a qualquer pretexto. Consultas médicas, partos, temporada de compra ou por mera “fuga” transitória da insipidez da fazenda.

Hoje a criança nasce com chip. A circuitaria neuronal das novas gerações é digital. A nossa é analógica. Desse descompasso nascem muitos estranhamentos. O conhecimento nunca esteve tão disponível e tão acessível como hoje. Qualquer criança curiosa penetra nas maiores universidades e nas mais famosas bibliotecas. Há centenas de milhares de obras contidas no mundo web, à disposição de quem as queira ler.

Entretanto, quanto se regrediu em termos de humanidade. De sensibilidade, de polidez, de bons modos. Onde foi parar a compaixão e a misericórdia? São temas de pronunciamento papal e até definição de um ano emblemático pelo Pontífice. Mas como andamos com a prática? Quem é, na verdade, misericordioso?

Será que o excesso de informações nos privou de discernimento? O que fazer com esse tesouro de dados, com diagnósticos elaborados por expertos, com estudos conclusivos, teses arrojadas e dissertações que inundam os acervos das Universidades onde se produz a pós-graduação em sentido estrito em acelerada velocidade? Qual o uso que disso tudo extraímos para nos tornarmos pessoas melhores, mais ligadas à miséria humana, mais abertas para compreender os dramas do semelhante?

A experiência com a escala dos que ensinam e dos que aprendem me faz meditar continuamente e a perquirir se efetivamente estamos no caminho certo. Educar, em síntese, é tornar as pessoas mais felizes. O preparo com vistas ao amanhã não pode ser cansativo, insosso, desinteressante e opressor. Precisamos tornar o aprendizado sedutor, divertido, desafiador e transformador. Essa a intenção de quem se propôs a modificar o ensino médio, obrigação prioritária dos Estados-membros desta Federação complexa, enquanto que ao município se entrega a educação fundamental e à União a Universidade.

Compreende-se que haja estupefação e estranhamento. Todavia, o tema está aberto à participação de todos os interessados. Haverá condições de oferta de sugestões, de elaboração de um projeto piloto, de implementação gradual das modificações que não se farão ex abrupto. Ao contrário: em São Paulo, já se convencionou reservar o ano letivo de 2017 inteiro para o traçado de um esboço. Todos terão oportunidade de sugerir e de contrapor opções ao projeto original.

O ordenamento jurídico brasileiro, tão utilizado nesta Nação que judicializou a vida e que leva ao Judiciário todos os assuntos e todas as questões, independentemente de sua relevância e da capacidade cidadã de resolver os mais singelos, à luz do princípio da subsidiariedade, tem um princípio basilar: a presunção de boa fé. Por que não acreditar que houve boa intenção em quem propôs a alteração do Ensino Médio? Por que partir justamente do contrário e presumir a má-fé?

Estes dias reclamam prudência, serenidade e juízo. Sensatez e calma, em lugar de ira, exasperação e ofensas. Retiremos do pensamento universal e atemporal a lição de Sêneca: “Quanto a mim, tenho o hábito de passar muito tempo a contemplar a sabedoria: olho-a com a mesma estupefação com a qual, em outros momentos, olho o mundo, esse mundo que tantas vezes me ocorre olhar como se o visse pela primeira vez”.

Sêneca, se estivesse no Brasil de 2016, viria mesmo coisas que só acontecem aqui e que, talvez, não devessem mais acontecer.

Fonte: Correio Popular de Campinas | Data: 14/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Quantas são as gerações?

O que é uma geração? É o espaço de tempo correspondente ao intervalo que separa cada um dos graus de uma filiação e que é avaliado em cerca de vinte e cinco anos. Todos temos noção de que o verbete identifica o grau de filiação em linha direta. Bisavô, avô, pai e filho formam quatro gerações.Pois hoje se costuma designar cada geração por um nome que a possa distinguir das demais.

Cada qual batiza sua geração como quiser. Mas é conveniente a adoção de algum consenso mínimo, para que numa conversa se saiba, ao menos aproximadamente, daquilo que se fala ou de que se está a falar.

Para nos familiarizar com esse hábito, recorramos a Jaques Grinberg e sua classificação, muito adotada em vários círculos. Para ele, podemos designar seis gerações: veteranos, boomers, geração X, Geração Y, Geração Z e Geração Alfa.
Os veteranos são os nascidos entre 1922 e 1944. Passaram por duas guerras e como consumidores evitam parcelar, compram o que precisam e sem exageros. São conservadores e não gostam de arriscar.

Os boomers são aqueles que nasceram entre 1945 e 1965. Gostam de gastar e valorizam aparência e status. Investem em bens materiais como carro e casa e aproveitam a vida com qualidade. Há os “baby boomers”, de 1945 a 1954 e os Boomers propriamente ditos, que nasceram entre 1955 e 1964.

A Geração X nasceu entre 1960 e 1977. São informais no trabalho e valorizam a qualidade de vida. Preferem ganhar menos e levar a vida investindo em viagens e entretenimento. ]

Já os nascidos entre 1978 e 1995 formam a Geração Y. Agitados, informais, imediatistas e impacientes, acreditam em um futuro melhor e buscam mudanças. A tecnologia já foi incorporada neles e estão permanentemente conectados às redes sociais.

Quem nasceu entre 1996 e 2009 integra a Geração Z. Como a internet já existia quando nasceram, não sabem viver sem ela. Preocupam-se com o meio ambiente, sustentabilidade e muitos não acreditam nas instituições.

Depois de 2010, chegou a Geração Alfa. O nome é provisório. Alguns dizem que será a Geração M, de Mobile. Só o futuro dirá como serão! Mas quem tem contato com eles sabe que já chegam para tomar conta do coração dos pais e avós.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 16/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Do jeito que for, leia

Em 2015, foram vendidos 204 milhões de e-books nos Estados Unidos. No ano anterior, haviam sido vendidos 234 milhões e em 2013, foram 242 milhões. Embora em queda, esse mercado continua presente e estimula a produção literária. Já o livro em papel, tradicional, vendeu 653 milhões em 2015, ou seja, 2,8% de aumento em relação a 2014.

Leitura superficial poderia sugerir que o livro digital está destinado a desaparecer e há um “revival” do livro físico. Mas a verdade é que há espaço para todas as modalidades de leitura. E que ler continua a ser a maior aventura a todos propiciada: viajar por mentes brilhantes, experimentar ocorrências inesperadas, abrir-se ao mundo da imaginação.

A venda de um e-book estimula a venda de sua versão impressa. Nunca se escreveu tanto como agora, pois a tecnologia permite que o próprio autor edite sua obra.  O livro digital tem o seu nicho e como nele não é fácil anotar, como fazem muitos leitores, o livro em papel também continua a ser publicado e a ser lido.

Algo que está acontecendo nos Estados Unidos e que logo se refletirá no Brasil é que os livros digitais se multiplicam e conquistam leitores porque há muitos deles gratuitos. Há uma evidente democratização do mundo dos autores e dos leitores. Um público ampliado tem acesso ao livro graças a plataformas  de gratuidade. Algo que o Brasil precisaria replicar é o projeto SimplyE, parceria entre a Biblioteca Pública de Nova Iorque e a Biblioteca Pública Digital da América. Esse programa libera o acesso a livros por crianças e jovens em toda a América do Norte. Moradores de áreas vulneráveis têm livros gratuitos e podem ler. Isso dissemina o hábito da leitura e muitos autores já celebrados querem participar do projeto, porque seu nome fica ainda mais conhecido.

Como diz Robert Darnton, autor de “A questão do livro” e de “Uma viagem literária à França”, “uma vida sem leitura é triste. E não lendo nada seríamos cortados de boa parte de nossa cultura. A importância de democratizar o acesso por meio da internet parece central”. Isso se consegue com apoio maior às bibliotecas, que devem se tornar centros eletrônicos de difusão da literatura. Isso precisa ser levado a sério pelos governos, pois até a economia melhora num país de leitores.

O livro tem longo futuro. Diria mesmo infinito. Quem se interessa pelo assunto deve ler “O livro e sua história”, de Gaston Litton, numa tradução de Maria Elvira Strang. Há muita coisa interessante a saber. Inclusive  conhecer o gesto generoso de D.Pedro II, mais uma ação meritória a se acrescentar ao seu ainda incompleto resumo biográfico: ao ser expulso do Brasil, em 1889, doou sua biblioteca de 50 mil volumes à Biblioteca Nacional. Ela se tornou a Coleção “Teresa Cristina”.

Fonte: Diário do Grande ABC | Data: 15/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.


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Ao mestre herói

O Dia dos Professores costumava ser um dia especialíssimo nos meus tempos de estudante. Quando criança, o presente era individual. Cada mãe fazia com que seu filho homenageasse a professora da maneira a mais carinhosa. Isso prosseguia no ensino médio e, na universidade, havia disputa na classe para escolher quem é que saudaria cada mestre.Hoje, o professor merece muito mais. As crises – e a pior não é a econômico-financeira – tornaram certos círculos menos polidos. Nem sempre se demonstra respeito, ternura ou gratidão, como certas personas merecem. Uma delas, inequivocamente, é o mestre.

Uma criança que chega pela primeira vez à sala de aula é uma tábula rasa. Alguém que edificará uma história de vida a partir dos ensinamentos de quem, com paciência e devotamento, é responsável por modelagem do perfil de aluno. Somos alunos, queiramos ou não, por toda a vida. Mas levamos a marca dos primeiros professores.

Ensinar é um desafio quando se cuida de gerações de circuitaria neuronal digital, enquanto ainda somos de circuitaria analógica. O conhecimento está disponível e a educação informal é mais intensificada do que a formal. Aprende-se – ou desaprende-se – com velocidade maior junto aos círculos de interferência a que estamos submetidos. A criança, então, chamada a participar da esquizofrenia das multimídias, que sabe fotografar, usar aplicativos que falseiam a realidade, que tem acesso ao mundo mágico das redes, se transforma continuamente. Para o bem e para o mal.

Ser professor no século 21 é missão dificílima. Concorre-se com inúmeras fontes a jorrar conhecimento, algumas delas verdadeiramente fascinantes. Como competir com o facebook, com o instagram, com o twitter, com todos os outros atraentes instrumentos de monopolizar a atenção e o tempo da infância e da juventude?

É por isso que os pais, primeiros mestres, principalmente a mãe, mestra das mestras, deve insistir no currículo oculto das palavras mágicas: muito obrigado, por favor, perdão, com licença. E treinar para o dia 15 de outubro, Dia do Professor, uma frase de carinho para esses verdadeiros heróis que têm a missão de transformar o mundo. Pois transformam nossas crianças e estas, sem dúvida, transformarão o mundo.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 13/10/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: imprensanalini@gmail.com.