Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Vamos de trem

A política pública cega e burra sepultou a ferrovia e lançou os brasileiros na volúpia automobilística. A opção condenou as cidades a uma poluição insolúvel e reduziu a longevidade a muito custo conquistada pelos avanços da medicina e da tecnologia dos diagnósticos.  O trem, transporte limpo, seguro e barato, é uma reminiscência arqueológica. Para se ter a ideia do que era viajar de trem, ressurgiu o projeto do ‘Expresso Turístico’. Um passeio da Capital a Jundiaí, que só acontece aos sábados. O custo do primeiro bilhete é 28 reais. Mas do segundo em diante – para o mesmo grupo – o preço é 14 reais.


O passeio começa na Estação da Luz, já em si algo que não pode deixar de impressionar e que hoje ostenta o Museu da Língua Portuguesa, passa pela estação Palmeiras/Barra-Funda, Água Branca, Lapa, Piqueri, Pirituba, Vila Clarice, Jaraguá, Perus, Caieiras, Franco da Rocha, Baltazar Fidelis, Francisco Morato, Botujuru, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista e Jundiaí. Aqui, o turista pode visitar a cidade por sua conta ou escolher um dentre três roteiros: 1. ecológico, visita e caminhada pelas trilhas da Serra do Japi, 2. circuito das frutas: visita a propriedades rurais e 3. cultural: passeio pelo centro histórico e visita monitorada aos museus Ferroviário, Solar do Barão de Jundiaí e da Energia.

É importante que a cidade se conscientize de que essa é uma fonte nova de possibilidades para quem está a enfrentar a crise econômica. Os restaurantes, os parques, o artesanato, os viveiros de mudas, os souvenirs, tudo pode oferecer um atrativo a mais ao paulistano que sente necessidade de abandonar a megalópole no final de semana.


Mais do que isso, é preciso criar um clima de receptividade. Quem é bem tratado tem vontade de voltar. E de trazer mais gente para conhecer o lugar que o agradou. Os setores interessados devem formar jovens para servir como guia turístico, propiciar mais atrações aos visitantes, fornecer novas opções a quem chega à cidade. A distância entre a capital e Jundiaí justifica este lugar como um destino atraente. Quem está sem nada para fazer num fim de semana, é só decidir e depois de uma hora está em Jundiaí.Se encontrar coisas novas, de certo voltará. E isso é bom para a cidade.

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de “A Rebelião da Toga”, Editora Millennium, 2006. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Nossa Zuleika

É jundiaiense a primeira mulher a ingressar no Ministério Público em São Paulo, no Brasil e na América Latina. A carreira de Promotor Público – hoje Promotor de Justiça – era reservada ao sexo masculino. Mas Zuleika Sucupira Kenworthy desafiou o preconceito.


Teve de se submeter ao concurso por três vezes. Esteve na promotoria por 32 anos, até aposentar-se como Procuradora de Justiça. Conta que em Martinópolis teve de intervir no desentendimento entre juiz e tabelião. Em Pirajuí, ajudou a encarcerar outro juiz envolvido com menores. Em Piraju, não se deteve ante a rebelião de 200 trabalhadores rurais que ameaçavam saquear a cidade por falta de pagamento de salários. “Pus o revólver na bolsa e fui de caminhão à fazenda onde estavam armados com porretes. Tomaram um susto. Mostrei que o dinheiro estava no Fórum”.

 

Zuleika é de família tradicional em Jundiaí, onde existe a rua Major Sucupira. A família paterna – Kenworthy – era de industriais em Manchester, na Inglaterra, e veio ao Brasil para fundar um império têxtil, conhecido como Companhia Nacional de Estamparia. Nasceu rica, cresceu bonita e culta, a dominar várias línguas.

 

Já aposentada, dirigiu o Instituto Latino Americano de Criminologia e devotou-se à música, na condição de regente de corais na Basílica do Carmo e na Igreja de Sant’Ana, no Alto da Boa Vista, na Capital. Ali privei de um saudável convívio com ela. Criatura generosa, boníssima, sempre atenta às necessidades do outro. Continua alegre, entusiasta e lúcida.

 

Hoje com 97 anos, realizou um sonho de criança: é escoteira desde 2003. Tem seu uniforme completo, inclusive as calças curtas. Tem muitas estórias a contar essa mulher pioneira, que fez história. Seria interessante que um plano abandonado de coleta da memória oral de Jundiaí tivesse início com Zuleika Sucupira Kenworthy. É urgente resgatar testemunhos de jundiaienses ilustres, que já não residem na cidade, mas cujo nome pode inspirar as atuais e futuras gerações.

 

A tecnologia disponível permite a gravação de testemunhos que poderão formar um factível, viável e acessível Museu da Imagem e do Som e acrescentar capítulo imprescindível à história de Jundiaí.

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de “A Rebelião da Toga”, Editora Millennium, 2006. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Mentes descartáveis

Noticiou-se recentemente que a Administração Gilberto Kassab se vale do concurso de quase quarenta coronéis da Polícia Militar, em funções estratégicas na gestão do município. O aproveitamento de profissionais em pleno gozo de suas faculdades, com experiência acumulada no desempenho de missão relevante, qual a da segurança preventiva, é providência salutar. O Brasil necessita de profissionais competentes, de eficiência adquirida no trabalho singular de uma corporação em que hierarquia e disciplina são levadas a sério.


A estratégia paulistana deveria surtir réplicas em outros municípios, tão carentes de quadros habituados à ordem. O desmazelo na gerência da coisa pública não é raro e uma das causas é a rotatividade das administrações, com substituição da experiência pela nomeação alicerçada em compromissos políticos. Se a Polícia Militar impede que seus coronéis continuem em atividade depois de cinco anos de comando, é conveniente permitir que o seu traquejo venha a servir em outros postos.


O mesmo deveria acontecer com os desembargadores compulsoriamente desligados da jurisdição. Aos 70 anos, magistrados com treino diuturno em interpretar o direito são abruptamente retirados de sua atividade. Pobre Brasil que dispensa a sabedoria e em nome da oportunidade aos jovens, condena à inação intelectuais nos quais investiu maciçamente. Feliz do administrador que pudesse ter ao seu lado uma dessas vocações abortadas por uma legislação ultrapassada e perdulária. Antieconômica, sim, pois com a longevidade hoje obtida, o Erário continuará a remunerar por mais de 20 anos o aposentado e o substituirá por alguém que também terá direito a vencimentos. Até por economia a lei da compulsoriedade aos 70 anos precisaria ser revista.


Não se conte com isso, porém. A juventude tem pressa de chegar aos últimos cargos da carreira. Não deixa desaparecer a “expulsória”. Enquanto isso, que pelo menos os administradores lúcidos se valham desse patrimônio intelectual hoje desprezado. Recrutem os magistrados condenados a essa inatividade forçada e constatem o privilégio que é contar com essa genialidade treinada no ofício de julgar. O País não pode se dar ao luxo de descartar mentes afiadas e especializadas em concretizar o justo.

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de “A Rebelião da Toga”, Editora Millennium, 2006. jrenatonalini@uol.com.br.


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Sempre Guilherme

Na madrugada de 11 de julho de 1969 partia Guilherme de Andrade Almeida para o etéreo. Foi velado nesta Casa e está sepultado no Mausoléu do soldado Constitucionalista, no Ibirapuera.


Sobre o poeta de “Nós” (1917), “A Dança das Horas” (1919), “Raça” (1925) e “Rosamor” (1965), além de inúmeros outros livros de poesia, muito já se escreveu e ainda se escreverá. O campineiro nascido em 1980 formou-se em Direito em 1912 e exerceu a advocacia. O que não o impediu de exercer o jornalismo como crítico e cronista social. Há 50 anos, no concurso promovido em 1959 pelo Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, foi proclamado “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, título que hoje ostenta com orgulho legítimo o poeta Paulo Bomfim, decano da Academia Paulista de Letras.


Paulista apaixonado, todos os anos recitava a oração “Última Trincheira”, junto ao túmulo dos patriotas de 1932. Compôs a Canção do Expedicionário e, versado em heráldica, elaborou e desenhou os brasões de várias cidades brasileiras, inclusive São Paulo e Brasília.


Participou da Semana de Arte Moderna em 1922 e, por paradoxal ironia, nela chegou a ser vaiado. Alfredo Gomes, em “Evocação de Guilherme”, o chama de múltiplo, sublime, perene. Ernesto Leme definiu sua trajetória poética: “Parnasiano a princípio, reverenciastes também a escola simbolista. Fostes, sobretudo, um dos elementos mais destacados da Semana de Arte Moderna e adotastes, desde então, uma nova técnica, a que ninguém consegue imitar. Nem Bilac, nem Raymundo, nem Alberto, nem Vicente de Carvalho, apresentaram em suas obras uma tão intensa variedade de ritmos como apresentais. Vossa Musa tem cada dia um figurino original”.


Quem conviveu com Guilherme de Almeida poderá descrevê-lo melhor. Eu tive o privilégio de conhecê-lo já próximo à partida, conviva que era da Fazenda Campo Verde, um oásis intelectual mantido por Dulce e Victor Simonsen. Ali, Baby e Guilherme passavam fins de semana e cultivavam a amizade, como pessoas sensíveis que eram. Foi ali que pude ouvir o verso de “Rosamor” em que anunciava a proximidade da falange: “E há para o voo aceso numa aurora pressentimentos de asa nos meus ombros, quando a Moça da Foice me namora. Deixem-me descansar. Já fiz o que tinha de fazer.”    

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de “A Rebelião da Toga”, Editora Millennium, 2006. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Desamor ao livro

Num País de analfabetos, o livro só poderia ser desprezado. E é o que parece acontecer com frequência, malgrado as campanhas e heroicas tentativas de converter o Brasil num “país de leitores”.


Uma experiência pessoal pode ilustrar o pessimismo. Quatro irmãos de uma família tradicional, mas não abastada, passaram a vida a adquirir livros. Cada qual com uma vocação. Um sacerdote, experto em patrística e amante da mitologia grega. Um engenheiro, especialista em cálculos. Um político, afeiçoado à História. Um jurista, colecionador de obras jurídicas indispensáveis a uma boa biblioteca.

Amealharam cerca de cem mil livros. Faleceram e os sobrinhos quiseram vender a casa e destinar a biblioteca a uma instituição. Escolheram uma Academia de Letras. O presidente aceitou a oferta. Quando conseguiu reunir o acervo no espaço físico da Casa, quase foi trucidado pelos companheiros. Como ousou trazer “livros velhos” para a entidade?

Após incorporar aquilo que pôde ser salvo, começou a cruzada pela destinação digna de uma coleção formada com sacrifício. Primeiro as bibliotecas, que levaram o que interessava. Depois chamou os Seminários. Alguns sequer tiveram a curiosidade de saber do que se tratava. Organismos ligados à leitura indagavam se os livros eram “novos”. Se fossem “velhos”, não poderiam ser aproveitados.

Junto com os livros, cartas, fotografias, diplomas, diários e breviários. Missais, lembranças de primeira comunhão. A trajetória de quatro existências eruditas, de seres humanos que se devotaram à leitura e que não encontraram espaço físico e afetivo para manter os seus livros ordenados tal como conseguiram fazer durante algumas décadas.


Esse episódio evidencia o quão inferior é o estágio civilizatório em que o Brasil se encontra. Muita gente escreve, pouca gente lê. Os livros que se vendem são os didáticos ou de auto-ajuda. As casas já não têm lugar para livro. Vem aí o “kindler”, que permitirá ler numa tela de cristal milhares de obras, tal como se fora um livro. Essa coisa de papel que significava apreço à leitura caiu de moda. É objeto de desamor. Descartável, desprezível. Seu lugar é o lixo.

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de “A Rebelião da Toga”, Editora Millennium, 2006. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Todos têm uma!

Ao menos uma mãe, todos ainda têm. Digo ainda porque, na paranóia de “brincar de Deus”, o homem tenta produzir o semelhante com dispensa da participação natural dos dois sexos. A clonagem se proporia a replicar a espécie em laboratório, desnecessária a união sexual entre mãe e pai.
Enquanto esse mundo novo não chega, todos têm ao menos uma mãe. Há os felizardos que têm mais de uma. A avó, que ajudou a criar. As “mães postiças”, que são aquelas que adotam afetivamente os amigos dos filhos, as crianças que admiram e que continuam a maternizar durante toda a vida.
E há, infelizmente, os que já não têm mãe. Dentre os quais me incluo. Sem deixar de reconhecer que à minha mãe eu devo o que sou. Se não sou melhor, não foi por falta de investimento materno. Ela me ensinou a ler, me ensinou a pensar, me ensinou a viver.
Ao mesmo tempo em que me sinto privilegiado por poder contar com essa mãe atenta – por sinal, não muito diferente de outras mães de minha geração – lamento por aqueles órfãos de mães vivas. As mães que não se preocupam com a formação dos filhos. As mães que satisfazem todos os desejos, como se a vida inteira se resumisse em atender ao ego insaciável. As mães que se recusam a recriminar, que se dizem “amigas” dos filhos, quando estes precisam – mesmo e efetivamente – de uma mãe.
O pai é necessário. Mas a mãe é imprescindível. Ela é a educadora. No momento em que ela passou a assumir outras funções, ganhou o mercado de trabalho, devotou-se à profissão, não se sentiu realizada com a hercúlea missão doméstica, o resultado foi uma geração perdida. Gente sem limites, sem freios, sem parâmetros.
Nada substitui a mãe. Se existe um ser insubstituível, esse é o que foi abençoado com o dom maravilhoso de coparticipar da obra divina da criação. É mais fácil crer em Deus quando se tem mãe. A titular do amor incondicional, a amiga verdadeira, o único ser disposto a oferecer sua vida em benefício da cria.
Neste dia reservado especialmente às mães, os que têm a ventura de poder abraçá-las não economizem carinhos. Os outros, tenham suas mães no pensamento. O coração delas, estejam onde estiverem, também está ancorado na lembrança dos filhos.

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de “A Rebelião da Toga”, Editora Millennium, 2006. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Polícia a cavalo

José Renato Nalini

A Serra do Japi merece cuidados especiais. É um patrimônio da humanidade. Ninguém a construiu, mas muitos sabem – e querem – destruí-la. Se a porção sensível de jundiaienses não se arregimentar, continuará a invasão de loteamentos, os desmatamentos, os incêndios “por acaso”, mas que servem aos objetivos da ganância e do imediatismo.


Se é verdade que a Serra do Japi está em vários municípios e Jundiaí não é o único interessado em sua preservação, não é menos certo que é a maior das cidades privilegiadas. Bem por isso, é obrigação jundiaiense exercer uma espécie de liderança no zelo da Serra. Isso implica em obter junto ao governo do Estado maior efetivo da polícia ambiental. A Polícia Militar está muito bem preparada e saberá auxiliar os preservacionistas, para que as futuras gerações também tenham do que se orgulhar. Mas também não está o município proibido de prover a sua Guarda Municipal de um corpo especialíssimo para a Serra.


Sei que já existe algo e que os guardas são interessados e atendem, na medida de suas possibilidades, a defesa dos interesses ecológicos. Mas é preciso mais. Por que não formar um corpo especial de guardas-cavaleiros, que caminhem pela Serra a cavalo?


Quem conhece o Canadá não se esquece de sua Real Polícia Montada, assim como quem já visitou Viena sabe o que significa a Real Escola Hispânica de Montaria. A criação desse grupo montado atenderá a muitos objetivos. Poderá percorrer o interior da nossa “muralha verde” sem afetar em demasia o ambiente. O cavalo alcança as picadas que os jipes não conseguem adentrar. Além disso, estar-se-á a incentivar o trato eqüestre que é um dos mais antigos e mais nobres da história da Civilização.


Quem cuida de cavalo fica mais sensível para cuidar do seu semelhante. Os animais são fiéis, não mentem, não são maledicentes, não têm inveja. São naturalmente bons. Será útil para a sensibilização da Guarda e também servirá à causa preservacionista. O Canadá realiza todos os anos a sua maratona musical, com performance dos cavaleiros garbosos, cada qual com seu cavalo. Por que não tentar fazer algo semelhante em Jundiaí, mediante a conciliação de uma coisa urgente com o turismo cada vez mais imprescindível nestes tempos de crise?

 

José Renato Nalini é Desembargador da Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de “A Rebelião da Toga”, Editora Millennium, 2006. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Um judiciário sustentável

Algumas unidades da Federação criaram Varas Ambientais para cuidar de conflitos ecológicos, mas o Estado de São Paulo tem, desde 2005, a Câmara Especial do Meio Ambiente.  São julgadores encarregados de apreciar os recursos cíveis nas questões ambientais.  Foi conveniente essa criação?

 

Um tribunal gigantesco, formado por 360 desembargadores, mais os substitutos em segunda instância e os juízes de primeiro grau chamados para atuar em grau de recurso, não produziria uma jurisprudência tendente ao consenso.  Os recursos seriam distribuídos a uma das inúmeras câmaras de julgamento e mereceriam múltiplas soluções.  Todos sabem que a lei é suscetível de interpretação e esta depende da formação cultural, filosófica, ideológica e política do intérprete.  Principalmente uma lei como a brasileira, cada vez mais ambígua e imperfeita, fruto do compromisso possível obtido nessa complexidade crescente chamada Parlamento.

 

Pois bem, questões aparentemente idênticas, ou pelo menos análogas, seriam decididas de forma desigual.  Com um fator de inconveniência em acréscimo: o enorme acervo de processos ainda não julgados propiciaria uma sobrevida ao recurso.  A produtividade é desigual e, se julgadores há que reduziram o seu estoque, outros enfrentam dificuldade maior em dele se desvencilhar.  O resultado é a total impossibilidade de prever não apenas o que seria decidido, como também a data em que o julgamento ocorreria.

 

A criação da Câmara Especial do Meio Ambiente se preordenou a conferir tratamento o quão possível homogêneo às causas ecológicas.  Os recursos que versam o meio ambiente são imediatamente destinados a um de seus membros.  A jurisdição em segundo grau se acelerou de forma evidente.  É um benefício inegável.  Seja qual for a decisão do tribunal, os interessados não precisam aguardar anos para que seja conhecida.

 

Em termos de homogeneização jurisprudencial há uma tendência promissora.  Magistrados experientes já têm sua postura sedimentada.  Em nome, porém, do ideal da segurança jurídica, algo cada vez mais fluido e polêmico, ressalvam sua posição pessoal e aderem à tese da maioria, para permitir um julgamento mais infenso a reexames.  É sabido que um voto divergente propicia a interposição de um recurso a mais: os embargos infringentes.  Quando os julgadores cedem ao seu ponto de vista para conferir unanimidade ao acórdão, essa possibilidade é eliminada.  Não que transijam com sua convicção.  Curvam-se em aspectos procedimentais ou processuais para conferir celeridade ao julgamento.  Com isso cumprem o novo preceito do inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, ensejador de um direito à oportuna prestação jurisdicional e aos instrumentos que garantam celeridade na tramitação dos processos.

 

Um exemplo é a questão do depósito do valor da multa para efetivar a defesa administrativa.  Embora exista dissenso, a minoria cedeu e hoje é unânime o pensamento da Câmara Especial: o infrator não precisa mais recolher a sanção para pleitear à própria administração o reexame do tema.

 

Assim também a prescrição da infração ambiental.  Os que entendem imprescritível o delito ecológico ou propõem lapso mais longo aos poucos se subordinam à orientação de que o prazo prescritivo é de cinco anos.  Com isso, em julgamentos unânimes, sinalizam à administração que ela deve ser diligente na cobrança dos seus créditos resultantes de vulneração ao meio ambiente.

 

Em outros pontos, mais essenciais, a Câmara do Meio Ambiente está a defender, de maneira muito eficaz, a maltratada natureza paulista.  Não cede à tendência de se eliminar a necessidade da reserva legal dos 20% de cobertura vegetal nativa exigível a qualquer propriedade rural.  Numa ação pedagógica, lembra o proprietário de que não há direito adquirido contra a natureza.  Ninguém se libera da obrigação ao alegar que a terra já era devastada, que não foi o atual titular dominial que derrubou a floresta.  A obrigação de manter a mata é chamada propter rem.  É uma obrigação objetiva.  Acompanha o imóvel.  Assim, quem tiver terra dizimada trate de contratar um especialista em reflorestamento e devolver ao ambiente o que dele, insensatamente, se furtou.

 

Corajosa, a Câmara Ambiental ordena a demolição porque não admite o “fato consumado”, que tem legitimado tantas crueldades ecológicas neste país que rapidamente destrói o que não foi resultado do trabalho de uma geração e menos ainda de uma só pessoa.  Um patrimônio milionário desaparece por ignorância, cupidez e leniência do poder público.  Infelizmente, sem ter ainda oferecido à Nação todo o potencial de lucratividade que a natureza devolve a quem por ela vier a zelar.

 

Sintoma de que a Câmara Ambiental surte efeitos é a mudança de paradigma de estatais, instituições e entidades, que sabem do olhar especialista hoje merecido pelas lides no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).  Profissionais especializados comentam a redução na expectativa da álea anterior, em que o mesmo tema receberia respostas díspares, a depender da Câmara que os examinasse.  O rigor com que os magistrados ambientais apreciam os recursos já motivou significativas alterações de conduta institucional.  E isso é promissor para a natureza.

 

Mais relevante que tudo isso é o olhar pioneiro desses julgadores que evidenciam, em suas decisões, a relevância da tutela constitucional brasileira ao meio ambiente.  Proclamam sem hesitar que o meio ambiente é o primeiro direito intergeracional explicitado na ordem fundante.  O constituinte conferiu às atuais gerações o dever de preservar para que as futuras possam também viver.  O que torna o ambiente o direito básico mais caro à ordem jurídica cidadã, prioritário em face dos direitos clássicos, hoje relativizados pela vontade constituinte.  É importante que a nacionalidade acorde para as consequências dessa opção.