Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Onde vão parar?

Ruy Castro em sua crônica “Duas Coleções”, (FSP, 9.2.13), fala da discoteca de Victor Simonsen, que colecionou mais de 100 mil LPs e 78s, adquiridos entre 1928 e 1980. Coleção valiosíssima, que deveria ter sido adquirida pelo governo, para integrar o Museu do Som. Mas que foi parar, pulverizada, em inúmeras coleções particulares e sebos. Esse o destino das coisas que guardamos. 

A outra coleção era bem mais modesta. 8 mil discos pertencentes a Johnny Alf, que não possuía a fortuna de Victor e que precisou se desfazer de seu parco patrimônio para se sustentar no fim da vida. 

Melhor sorte tiveram os 32 mil livros de Guita e José Mindlin, meu confrade da Academia Paulista de Letras e que também integrou a Academia Brasileira de Letras. Sua “Brasiliana” foi salva pela USP, em enorme edifício de 22 mil metros quadrados, projeto de Eduardo de Almeida e do neto Rodrigo Mindlin Loeb. Custou 130 milhões de reais, seguramente mais do que pagariam pela coleção. 

Homens como esses não existem mais. Assim como não existe uma outra família Nogueira Garcez, irmãos eruditos, que investiram na aquisição de livros maravilhosos e formaram uma coleção de 150 mil volumes. Mortos todos, não houve quem fosse capaz de preservar o patrimônio conquistado com sacrifício. O destino foi a Academia Paulista de Letras, que absorveu parte do legado e repartiu o acervo com a Arquidiocese de São Paulo e com as Faculdades Padre Anchieta.

Os proprietários dos “sebos” do centro paulistano contavam – hoje os livreiros foram expulsos por falta de clientela e em seu lugar há estacionamentos com rapazes exercendo a produtiva função de chamar motoristas para ali guardarem seus veículos – que era comum a viúva de desembargador vender a biblioteca por metro ou por quilo, à morte daquele que tirava de seu salário uma importância mensal para aprimorar sua cultura. Quem compra livros para guardar hoje em dia? Quem lê? Qual a verba mensal destinada à aquisição de novos livros?

A desculpa será a de que tudo hoje está guardado na nuvem (cloud) e que não é mais necessário possuir livro. Nunca houve tanta acessibilidade para o conhecimento. O que será feito das atuais bibliotecas particulares? Sinal dos tempos. Tempos ruins, por sinal.    
 
* JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Um lugar melhor

A vocação de cada ser humano é fazer do mundo um lugar melhor. Essa a única razão que justifica haver nascido. Se o planeta ficar pior depois de minha chegada, por que foi que eu nasci? Ter consciência dessa missão é imprescindível para que as pessoas se compenetrem do que devem fazer durante este curto período de permanência entre os vivos.

Mas o mundo não anda bem, sinal de que a lição não foi aprendida. A violência faz vítimas e agora em todos os quadrantes, não mais na periferia. A lei diz uma coisa, a realidade escancara outra. Há um Estatuto do Desarmamento, mas as mortes diuturnas são perpetradas com armas de fogo. Pessoas continuam a ocupar passeios, praças, desvãos do comércio.

Ninguém se sensibiliza com isso. Não se chega a um acordo sobre se é conveniente interná-las compulsoriamente ou, como se diz numa forma eufemística, impingir-lhes internação involuntária. As mortes no trânsito traduzem uma falta de educação intensificada à direção de automotores. 

Quem não respeita o próximo nas relações do dia-a-dia, torna-se uma fera ao volante. Tolerância zero pode assustar por alguns dias. Logo se cai no marasmo. A resposta à criminalidade continua a ser o cárcere. Não se leva a sério a situação caótica do sistema prisional, que teria de contar com uma prisão por mês apenas para abrigar os indivíduos que já têm mandados de prisão expedidos. 

Há toda uma indústria a insistir na edificação de presídios e na multiplicação do sistema de administração penitenciária. A sociedade que produz infratores parece não se incomodar com o fato de ter falido o sistema preventivo. A repressão é a palavra de ordem. Só que ninguém quer cadeia perto de casa. Cadeia boa é no município do outro. Bem distante daquele em que se habita.

Educação de berço não é mais responsabilidade dos pais. Exige-se da escola. E esta não dá conta de suprir aquilo que deveria vir do berço. As crianças são mimadas, não podem ser repreendidas, senão ficarão traumatizadas. “Ai de quem mexer com meu filho!” é a palavra de ordem dos orgulhosos pais de seus pupilos tiranos. Será que o mundo está caminhando para se tornar um lugar realmente melhor?

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Quebrar estereótipos

O mundo já sabe o que não dá certo. Escolarização em lugar de educação. Instrução em lugar de cultura. Erudição em vez de humanismo. Essa receita produziu uma sociedade consumista, egoísta, narcisista e desinteressada de pensar no próximo. Criou a exclusão, multiplicou a legião dos invisíveis. Aqueles que ocupam os desvãos da periferia e não merecem consideração ou respeito. 

Discursos vazios a nada levam. É por isso que a política se tornou um campo minado. Ninguém acredita na possibilidade de mudar os costumes nefastos da confusão entre a coisa pública e a privada. Cada vez mais difícil recrutar gente séria para disputar cargos eletivos. E isso não é bom.

É urgente constatar que nem tudo está perdido. O Rio de Janeiro é um exemplo de quebra de estereótipos. Favela, que era sinônimo de marginalidade, delinquência, zona de perigo a ser evitada pelas pessoas de bem, a partir das UPPs tornaram-se espaço frequentável. Foi nas favelas que se produziu o Calendário Pirelli deste ano. Publicação famosa por ostentar mulheres em trajes sumários, hoje estampa somente top models que escolheram trabalho humanitário como opção existencial.
 
Estrangeiros querem se hospedar nas favelas, onde desfrutam da melhor vista da urbe que o descaso não conseguiu enfear. O Rio continua a ser a Cidade Maravilhosa. Se ali foi possível a recuperação, por que não fazê-la também nos demais lugares? São Paulo tem mais de mil favelas. Mesmo Jundiaí tem lugares perigosos que precisam de regeneração. 
 
A urbanização sem planejamento, a falta de fiscalização, a indústria da propina e outros males fizeram germinar comunidades irregulares. Mas para tudo há remédio. A regularização fundiária é um caminho. Ele só funcionará se houver uma coesão de forças em torno de um projeto arrojado. Profissionais da saúde, da promoção social, da arquitetura, do urbanismo, da pedagogia e do direito, poderão recrutar o voluntariado jovem do universitário que nem sabe o que significa extensão, um dos pilares da Universidade brasileira. A vontade produz milagres na quebra de estereótipos. E todos só terão a ganhar com isso.  

* JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Programa de índio

Dom Pedro Casaldáliga é bispo emérito de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, e inimigo declarado daqueles que pretendem acabar com o remanescente indígena do Brasil. Sua história é a da insegurança que persegue aqueles que se opõem a uma só e reducionista visão de desenvolvimento. 

Além dele, outras lideranças indígenas e agentes da pastoral estão ameaçados desde que o Incra iniciou o processo de desintrusão da área hoje chamada Gleba Suiá Missu. Essa área está situada entre os municípios de São Félix do Araguaia, Alto Boa Vista e Bom Jesus do Araguaia. Estudos antropológicos comprovam que o povo Xavante ocupava o território muito antes dos primeiros não índios lá chegarem. 

Em 1966 os índios foram levados em aviões da FAB para 400 quilômetros além. Dois terços da população indígena foram dizimados por sarampo. Em 1980, as terras foram adquiridas pela petrolífera italiana Agip Petróleo, que veio a ser internacionalmente pressionada a devolver o território a seus donos. Em 1992, durante a Eco do Rio, a empresa se comprometeu a devolvê-lo. 

Mas os grandes fazendeiros se opuseram. Pressionado pela comunidade internacional, o Governo Brasileiro em 1998 reconheceu a propriedade legítima do povo indígena, o que restou registrado em cartório. Mas só em 2010 é que a Justiça Federal determinou, em decisão unânime, a saída dos não-índios dessas terras. 

Durante todo o tempo dessa epopeia, D. Pedro Casaldáliga permaneceu ao lado dos índios. Mas sofreu as consequências disso. É um candidato a se tornar outro Chico Mendes, ou irmã Dorothy Stang, ambos assassinados pela cupidez de quem quer mais terras do que consegue administrar. Quando o Brasil foi descoberto, inúmeras nações indígenas aqui estavam e o território não havia sido dizimado como hoje, inteiramente descaracterizado, a mata destruída, a água poluída, a atmosfera conspurcada. 

Quase todas as etnias desapareceram. Restam poucos índios, como os guarani kaiowás, os pataxós, os tupinambás, os tembés. Menor ainda o número de quem se atreve a defendê-los. A maior parte dissemina as versões de que o índio quer motosserra, vende minérios para estrangeiros, fala inglês. Quase ninguém, como D. Pedro Casaldáliga, tem coragem de reconhecer que não se está entregando terra ao índio. É mera devolução do território ao seu dono.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Revolução na Justiça

O Judiciário Paulista vivenciará uma revolução nos próximos anos. Aliás, ela já teve início. É a informatização sem volta, imersão do universo da Justiça na cibercultura, que é irreversível e sem a qual o serviço público encarregado da resolução dos conflitos não conseguirá atender à demanda. O legislativo já oferecera sua contribuição para a implementação do processo digital desde 2006. 

Mas entre a intenção e a concretização, há sempre um fosso, aparentemente intransponível. Só que agora, a gestão Ivan Sartori no TJSP resolveu transpô-lo. Já iniciou o PUMA – Plano de Unificação, Modernização e Alinhamento, começando com a informatização do Colégio Recursal Central. O processo entrou em operação no dia 28 de janeiro, com a capacitação prévia do funcionalismo que vai operar o novo sistema. 

O foco é tornar mais fluida a tramitação e mais rápida a outorga da prestação jurisdicional. Em seguida virá a Câmara Especial, depois a Seção de Direito Privado 1, a Seção de Direito Público, a Seção de Direito Privado 2, a Seção Criminal, a Seção de Direito Privado 3 e, por último, o Órgão Especial. 

Durante todo o ano de 2013 tais etapas se sucederão, de maneira que até 2014, toda a Segunda Instância estará totalmente informatizada. O peticionamento será obrigatoriamente eletrônico. Isso fará com que se reduza o tempo de tramitação dos processos originários e ainda haverá enorme economia em dispêndio de papel. A Justiça de São Paulo é outra a partir desse acelerado ritmo na padronização dos procedimentos, na redução paulatina do suporte papel.

Verdade que haverá um tempo de hibridez: enquanto não houver a informatização de toda a primeira instância, ainda haverá processos de papel no Tribunal. Mas todos os agravos, mandados de segurança e outros feitos originários já serão virtuais. É preciso que as Faculdades ensinem seus alunos a manejar os equipamentos e a dominar as linguagens do presente, que os grossos volumes de ações em papel estão condenados a desaparecer.

Ainda bem! Se a informática funciona para Bancos, para supermercados, para as comunicações em geral, por que o universo Justiça há de permanecer atolado no anacronismo, resistindo a assumir a cibercultura? É um caminho sem volta e quem não se acostumar será excluído de um serviço que tende a se tornar realmente eficiente.

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Ética: qual o seu sentido?

Ética é a ciência do comportamento moral do homem em sociedade. Mais singelamente, aproxima-se de moral, porque ambas têm idêntica raiz: os costumes consolidados após longa reiteração, porque naturais, ínsitos à natureza humana. 

Presente em todos os discursos, a palavra ética é muito pronunciada e pouco observada. Em nada contribui para o aprimoramento dos hábitos, notadamente os da política, tergiversar sobre o seu conteúdo mínimo. Assim, quando se fala que ética é meio e não dogma, sem dúvida enfraquece-se o anseio de tornar menos nebulosas as relações na política partidária. 

Ética, em regra, não se presta a designar coisas diversas. Ela tem o sentido de higidez, de irrepreensibilidade, de correção, de postura moral. Quando sentidos diversos remetem ao mesmo referente – cão e cachorro, por exemplo – é viável o intercâmbio sem prejuízo para a compreensão. Mas isso não corresponde, em absoluto, a todas as situações. 

É que “as línguas naturais têm o poder de construir o universo ao qual se referem; podem obter um universo de discurso imaginário” (Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov, “Dicionário Enciclopédico das Ciências de Linguagem”). 

Por que isso é importante: em certos contextos, a maneira diferente ou sentido de se falar do mesmo objeto revela pontos de vista distintos. É que o discurso nunca é neutro: “as palavras, expressões e proposições mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam” (M.Pêucheux, “Semântica e Discurso”).  

Isso pode acontecer, por exemplo, quando se analisa a atuação do MST. Os proprietários rurais chamam de “invasão” a violação à propriedade privada e à lei e os militantes do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – denominam a mesma prática de “ocupação”, a sugerir ação legítima e pacífica de adentrar as áreas ociosas. São duas palavras para designar a mesma prática. Produzem significados diferentes, antagônicos, opostos. Qual é o verbete certo? Depende! Não há um sentido correto, exato e neutro. 

Todavia, o mesmo não ocorre com ética. Se ela vier a ser usada para exprimir algo que não seja irrepreensível, hígido, moralmente bom, de nada mais valerá incluí-la em nossos dicionários. Sinal expressivo destes tristes tempos. 

JOSÉ RENATO NALINI é Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, biênio 2012/2013. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.