Blog do Renato Nalini

Ex-Secretário de Estado da Educação e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual Presidente e Imortal da Academia Paulista de Letras. Membro da Academia Brasileira de Educação. É o Reitor da UniRegistral. Palestrante e conferencista. Professor Universitário. Autor de dezenas de Livros: “Ética da Magistratura”, “A Rebelião da Toga”, “Ética Ambiental”, entre outros títulos.


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Populismo galopante

Quem examina as muitas crises brasileiras pode concluir que o povo não está sendo educado para conhecer as suas responsabilidades. Foi, sim, despertado para os seus direitos. Todos têm direitos. Exigem e bradam por eles. Mas desconhecem os deveres. Faltaram a essa aula.
O populismo é pobre na discussão. Procura mostrar à população ganhos moderados, como se foram conquistas estupendas. Como anda a educação brasileira? Quantos analfabetos ainda existem? Qual o número de analfabetos funcionais, aqueles que soletram, sabem desenhar o nome, porém são privados de condições mínimas para entender o que leram, narrar com suas próprias palavras um texto, formular uma ideia bem elaborada?

Por isso o festival de incompetências. Quem consegue aprovação num concurso público nutre a certeza de que nunca mais precisará estudar. Agora é só usufruir da “viúva”, que a todos sustenta e que a ninguém nega amparo.

O Estado cresce a cada dia. A maioria de seus integrantes sabe reivindicar, mas não oferece receitas para o aumento da produtividade, nem para cumprir o princípio da eficiência.

É preciso um banho de verdade em quase todos. Se a educação continuar mirando apenas os números, focada na avaliação e não em análise do conteúdo, ela continuará a produzir incompetentes. A Escola deve ser o lugar em que além da instrução, a transmissão do conhecimento e da erudição, o alunado obterá educação. Formação integral, em cidadania, comprometimento, caráter, ética e retidão.

Será que muitos jovens ainda sabem o que significam esses verbetes? Quem se compromete hoje em dia? Quem se preocupa com a coerência e consistência do caráter? Para que serve a ética, senão para rechear composições e ornamentar discursos? O que quer dizer retidão, num País em que o mal sempre vence, em que a coisa mais organizada é a bandidagem e em que o honesto é um animal em extinção?

No festival de idiotices das campanhas eleitorais, que todos pagam, pois não existe almoço de graça, não se verifica a vontade de abrir os olhos do eleitorado. Interessa que este continue cativo, cego e surdo, alimentado com as quireras de uma Nação que teria tudo para dar ao mundo um exemplo de civilização digna e edificante.
JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br


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O reino da imaturidade

A falência no processo educacional conduz a criança, um ser inteligente, criativo e suscetível de se transformar num adulto responsável, a se converter num eterno infante. A humanidade adulta está em via de extinção, em proveito do reino generalizado da imaturidade. A regra é o consumo, a igualdade, a fruição de direitos sem compromisso com sua conquista.

Tudo é exigível, tudo é obrigação do Estado e o indivíduo é o ser voraz, que nasceu com a integralidade de direitos que não o saciam, pois a insatisfação é permanente. A Democracia contemporânea se embriagou de consumo. Consome-se como expressão de liberdade. Daí o desespero dos que não conseguem frear o uso da droga.

A liberdade significa a possibilidade de se envenenar, de usufruir de todas as sensações, sem freios, sem constrangimentos, sem reservas. Confundem-se o ideal democrático e o ideal do consumo, em que mesmo as pessoas são sujeitos e objetos simultaneamente. Prover o ser humano de bens tornou-se uma paranoia. Nesse sentido, a democracia é o estado da desmedida, do exagero de direitos.

Isso já fora detectado por Platão que faz duas críticas à democracia. Primeiro, ela é o reino da lei abstrata, que pretende valer para todos os casos. A lei seria uma receita deixada por um médico prestes a viajar e deixa o receituário assinado, a servir para qualquer doença, dor ou desconforto que o paciente vier a sentir durante sua ausência. A universalidade da lei é uma aparência enganosa.

A segunda crítica é a de que a Democracia passa a ser uma feira de constituições, uma feira-livre em que todos fazem o que querem. Na leitura de Jacques Rancière, no seu instigante livro “Ódio à Democracia”, este nosso ideal é um absurdo lógico:

A democracia é propriamente a inversão de todas as relações que estruturam a sociedade humana: os governantes parecem governados e os governados, governantes; as mulheres são iguais aos homens; o pai se habitua a tratar o filho de igual para igual; o meteco e o estrangeiro tornam-se iguais ao cidadão;
O professor tema e bajula alunos que, de sua parte, zombam dele; os jovens se igualam aos velhos e os velhos imitam os jovens; os próprios animais são livres e os cavalos e os burros, conscientes de sua liberdade e dignidade, atropelam aqueles que não lhes dão passagem na rua“.

Qualquer semelhança com a República Federativa do Brasil não é mera coincidência.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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O futuro do direito

O Brasil possui mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as demais, existentes no restante do Planeta. A cada semestre, milhares de bacharéis recebem o seu diploma e esperam absorção no mercado de trabalho. Ambiente saturado para quem não tiver uma formação muito especializada, com credenciais para o enfrentamento de questões que passam ao largo do ensino jurídico.

O desafio é ultrapassar o conhecimento jurídico. Quem se contentar com as disciplinas clássicas estará condenado a não encontrar um nicho garantidor da sobrevivência. Para quem estiver antenado ao que acontece no mundo e observar as necessidades do mercado, esse terá futuro. Talvez algumas pistas sirvam para a reflexão dos futuros bacharéis.

A informatização é irreversível, tanto na vida privada como na administração pública. O domínio dessas tecnologias da comunicação e informação é essencial. Até as crianças hoje são desenvoltas no manuseio desses equipamentos eletrônicos que, aos poucos, vão facilitando a vida comum. Outro ponto a merecer consideração é a proficiência em mais de um idioma.

O monoglota é alguém privado de se comunicar com o mundo civilizado. Principalmente quando ele só se exprime em Português. O inglês é hoje obrigatório. Mas ganha ponto quem puder falar também alemão e mandarim. O advogado será cada vez mais um consultor de negócios, especialista em prevenir acidentes jurídicos, sempre frequentes para quem explora atividades na empresa privada.

O direito penetrou na vida de cada um de maneira tão intensa, que é comum encontrar profissionais de outras áreas que a necessidade empurrou para o aprendizado jurídico. Um Estado que ocupa mais lugar do que deveria, que se intromete em tudo e que é um sorvedouro crescente dos nossos ganhos, precisa de limites. Estes só podem ser opostos pelo Direito. Ferramenta que, bem utilizada, consegue resolver problemas e que, manejado por incompetentes, vai causar prejuízos irreparáveis.

Os jovens precisam ter consciência de que o diploma é mera condição para um exercício profissional que pode ser promissor para o corajoso, desalentador para alguém que possui limites superáveis apenas por ele próprio. Mudar a vida é resultado de desejo firme e vontade inabalável. Ingredientes que estão dentro de nós e que ninguém consegue introjetar se não quisermos ou não deixarmos.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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A importância de ser polido

O Estudando a “ficção jurídica” denominada Ética nas últimas décadas, pude constatar que uma das carências do convívio contemporâneo é a polidez. A indigência vernacular dos que não leem pode suscitar a indagação: “O que é polidez?”. Não custa, então, fornecer sinônimos: amabilidade, civilidade, cortesia, delicadeza, diplomacia, educação de berço, gentileza, lisura, urbanidade.

Um ser “polido” é a criatura afável, amável, atenciosa, ática, áurea, bem-criada, bem-educada, cerimoniosa, correta, cortês, distinto, galante, luzidio, urbano.

Dá para entender por que falta polidez na convivência? O que mais se vê é a grosseria, a indelicadeza, a falta de modos. Mesmo pessoas escolarizadas – nada a ver com polidez o fato de ostentar diplomas – não cumprimentam, não se levantam diante de mulher ou de pessoa mais velha. Ignoram a presença do próximo.

Daí para a rispidez, para a irritação, para a impaciência em grau crescente, até a violência, é um caminho inevitável. Refletir sobre isto é fundamental para um Brasil cada vez mais pródigo em ostentar níveis preocupantes de violência. Aquela escancarada, a resultar em número absurdo de mortes – somos o 5º país em perdas vitais resultantes da violência – e aquela disfarçada na insensibilidade, na frialdade do trato, na indiferença que não deixa de ser uma espécie de crueldade.

O mundo inteiro se apercebeu de que algo há de ser feito para reverter a tendência egoística. Foi assim que aplaudiu Tony Blair que, em 2003, declarou guerra à incivilidade. Após sua terceira vitória nas eleições legislativas, insistiu na urgência de restabelecer a “cultura do respeito”.

Para nós, militantes da arena jurídica, o respeito não é senão reflexo do princípio norteador da dignidade humana. Ver o outro – qualquer outro – como finalidade intrínseca, não como meio, é imperativo categórico kantiano. Mas não precisamos de sofisticação alguma, nem de singular erudição para sermos polidos. “Sem a polidez”, dizia o ensaísta Alphonse Karr, “não nos reuniríamos senão para combater. É preciso, portanto, ou viver só, ou ser polido”.

É o que pais e mães – ou os que exercerem seu papel – têm obrigação de lembrar a seus filhos.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.


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Direitos naturais?

O Direito ainda não solucionou o dilema entre o naturalismo e o positivismo. É sedutora a concepção de que o ser humano, apenas por integrar essa espécie peculiar, provida de razão, titulariza direitos naturais, supraestatais, que não precisam ser outorgados pelo Estado, mas apenas declarados por este. São direitos que servem de garantia ao indivíduo, frágil e impotente, diante da onipotência do governo.

Já o positivismo, concepção à qual Hans Kelsen conferiu enorme prestígio, entende como direito apenas aquele posto pelo Estado, instituído por este, produto da mente e da razão humana. Sem essa positivação, não pode existir direito.

Partilho da opinião dos que aceitam a preexistência dos direitos naturais. E quais seriam esses direitos naturais? Viver e sobreviver é o seu conteúdo mínimo. Por isso se fala em “mínimo existencial”. Para Michel Onfray, “viver e sobreviver supõe a satisfação das necessidades do corpo e do espírito à medida que, assim apaziguados, permitam a existência de um corpo que seja e dure livre de todo sofrimento, assim como a de uma alma, nas mesmas condições, desde que ela, por si própria, seja conservada dentro da dignidade”.

O direito natural elegeu tais objetivos e eles valem para todo o planeta. Nos recônditos da Sibéria e na avenue Champs Elysées em Paris. No Jaçanã e em Papua-Nova Guiné. Em Heliópolis ou na Quinta Avenida em NY. “Em todo lugar e para todos, as leis naturais são defensáveis a partir desses princípios: existência, integridade e saúde do corpo, identidade, conservação e dignidade da alma”.

Parece simples, mas é extremamente raro encontrar todas as pessoas a fruírem seus direitos naturais. A condição humana é vulnerável, falível e essencialmente frágil. Para sobreviver, a criatura precisa se cuidar. Comer e beber custa dinheiro. É preciso pagar o alimento a cada dia e dilapidar incessantemente o dinheiro a cada refeição. Para ter saúde, é necessário pagar, pois o atendimento público é precário. Que saúde está reservada aos miseráveis?

Os ricos atravessam uma existência mais tranquila, com danos menores do que os que não têm nada. Estamos realmente preocupados com estes? Como é que nós ajudamos os irmãos a fruírem seus direitos naturais?

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br


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Quem quer ser advogado?

“Conquistar o diploma de bacharel em Direito é mais fácil do que ser dentista, farmacêutico ou agrimensor. Isso, porém, acontece porque nada é mais difícil do que aprender o Direito… O paradoxo é apenas aparente. Para que o bacharel deixasse a faculdade habilitado a advogar ou a julgar, seria necessário que para ali entrasse muito jovem e saísse encanecido… Durante os cinco anos do curso acadêmico, o futuro advogado ou magistrado somente adquire – o que não é pouco – pela convivência dos mestres e por influência das tradições da casa e da vida universitária, o “espírito de jurista”, que o dominará durante toda a existência, imprimindo-lhe no coração e na consciência o amor à lei e à justiça. Da Ciência Jurídica, porém, o melhor estudante apenas levará para a vida prática algumas noções genéricas e um pouco de método, para estudá-la aqui fora. Alguns, realmente, estudam”.

Esse texto não é meu. Foi escrito pelo legendário Ministro Manoel da Costa Manso, ao apresentar o livro “Da Tentativa”, escrito pelo Juiz de Direito de Campinas Vasco Joaquim Smith de Vasconcellos, em 1932. Herdei o livro da maravilhosa biblioteca do Desembargador Young da Costa Manso, que foi Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, assim como seu pai. E que judicou em Jundiaí na década de quarenta do século passado.

Mas como são atuais as palavras do ministro Costa Manso, que foi Juiz em Casa Branca e de lá guindado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que presidiu e depois chegou ao Supremo Tribunal Federal. O Curso de Direito é mera formalidade. Quem realmente quer ser advogado precisa ser um insatisfeito. Não se conformar com a matéria de classe, mas se aprofundar em pesquisa individual, servir-se do professor para elucidar dúvidas que encontrar no estudo que é um exercício solitário. Quem se satisfizer com as aulas será sempre alguém limitado. Pois a plenitude do conhecimento nunca esteve tão disponível. O Google elucida todas as dúvidas. Mas não ensina a pensar. Isso é missão de cada um. E não se aprende na Faculdade. 

O Brasil começa a enxergar e logo mais exigirá um outro bacharel em ciências jurídicas: alguém provido de aptidão para conciliar, para pacificar, para harmonizar. Não para litigar! Quem se aperceber disso terá futuro. Os outros, o tempo dirá…  
 
* JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.
 
Ministro Manoel da Costa Manso / fonte: http://www.stf.jus.br

Ministro Manoel da Costa Manso / fonte: http://www.stf.jus.br